É o boi, é o boi
Indiscutivelmente, uma das maiores duplas que já existiu foi Claudinho e Buchecha. Além das músicas serem sensacionais, as letras eram uma atração à parte. Eu e o gênio Emiliano costumávamos dizer que as letras tinham sido escritas por um delegado aposentado, que aproveitava as músicas da dupla para contar histórias da sua vida.
Bem, isso infelizmente não é verdade. As letras eram escritas por eles, na sua maioria pelo Buchecha. Mas o que é verdade é que ele abria o dicionário pra procurar palavras incomuns pra usar nas letras. E um dos maiores exemplos dessa prática é Descoberta, do disco Destino, de 2000. Reparem na bizarria da obra:
Eu me auto desconjuro, amor
Fui lascivo à sua inocência
Eu que fiz unânime a dor
Nunca julgue pela aparência
Sou tabelião e reconheço o mal
Foi golpe baixo, ilusão
Recurso corporal
Nem sei se a queda fui eu que dei
Ou que tomei
Se reprisar na mente
Verás, trapaceei
E, porém, se for possível a paz
Vou na via dessa descoberta
Se for sina e ainda assim gilváz
Iminente, bem na hora certa
Eu fiz sem saber, foi pura necedade
Mas o bel-prazer é cópia da maldade
E esse sofrer causa decrepitude
Joga a juventude pro ar
Nesse cafarnaum a gente se ilude
Como é que eu pude distar
Só quis zoar, zurzir, mas também me feri
Agora sim, sou alvo fácil pra dor
Você não está aqui, só no hospital eu vi
Que é minha a culpa, pela falta de amor
Olha, eu juro, não quis te ferir
Mas eu não estava sóbrio
Sei que é difícil de engolir
Mas nada está tão óbvio
Olha, eu juro, não quis te ferir
Nem sei se era eu próprio
Mas me machuquei ao perquerir
Notei o meu opróbrio
Ou vou esquecer
E deixar que essa culpa
Invada a alma pra perdurar
E dizer mais o quê, se você não está?
Se a própria morte faz a vida condenar
É uma senhora letra, hein? Eu não seria capaz de pensar numa letra assim, sem dúvida. Mestres absolutos, que fazem falta na música brasileira.