Então teve esse festival de inverno na cidade, com ingressos baratinhos e atrações de todos os tipos. A que mais me interessou foi a Orquesta Típica Fernandez Fierro, cujo release falava em tangos com pegada roqueira, como se tango já não tivesse pegada o suficiente. Fui comprar os ingressos, mas já estavam esgotados. Não me dei por vencido, apareci no teatro na noite de sábado, consegui entrar de barbada e ainda sentei num ótimo lugar. Bom, o show. Doze sujeitos, um cantando e fazendo piadas, mais piano, violoncelo, contrabaixo, quatro violinos e, hosana nas alturas, quatro bandoneons, Na saída, CDs e DVDs com preços ridiculamente argentinos.

A cultura nacional merecia um projeto desta envergadura. Obrigado, Buarque.

Sugestões de coisas parecidas são bem-vindas.

Santiago vai até o final do corredor e me olha por um breve instante, eu sentado no chão da sala, na extremidade oposta do apartamento. Vem correndo com tudo e, faltando dois passos para a colisão, se atira e voa reto em direção à minha cara. Eu estendo minhas mãos pra frente e ao mesmo tempo vou me deitando pra trás, segurando-o de modo que ele termina suspenso na horizontal, logo acima da minha cabeça.

Isso é outra coisa legal desse negócio: nem eu mesmo confiaria tanto assim em mim.

Domingo de noite, passando de carro por uma Baltazar de Oliveira Garcia dizimada pela ação governamental, asfalto todo esburacado, vias interrompidas, entulho, desvios, placas, tonéis, paralelepípedos e lixo, olho pro Santiago na sua cadeirinha e penso "Como é que eu vou tirar poesia disso?"

Santiago pega uma faquinha de plástico do meio dos seus brinquedos, segura a minha orelha e começa a cortar na junção da cartilagem com o crânio. Felizmente, não se dá conta e deixa o lado com serrinha para cima.

"Filho, por que tu quer cortar a orelha do papai?"

"Pra comer."

"Mas por quê?"

"Por que eu te adoro."

Palavra, quase fui na cozinha pegar uma faca de verdade.

Uma das últimas músicas a me deixar em chamas por um tempo considerável. Rendeu até um post, aqui.

Se eu tivesse espírito investigativo e talento o suficientes, teria escrito algo parecido com o post do Alexandre Rodrigues sobre o assunto.

Há cerca de três semanas um dos meus sócios veio me perguntar um troço:

"Que negócio é esse de tu não voar de TAM?"

"É isso: eu nunca vôo de TAM."

"Mas nesse caso é a passagem mais barata."

"Tu não entendeu. Eu nunca vôo de TAM. Faz mais de quatro anos."

"Mas por quê?"

"Porque sempre que dá uma merda com avião, tirando esse último caso da Gol, que diga-se de passagem não foi culpa da companhia, sempre é um avião da TAM."

"Então tem que ser outra companhia?"

"Isso, tem que ser outra companhia."

"No Country for Old Men" é certamente um livro menor na obra do Cormac McCarthy, ou pelo menos um livro de transição. Entretanto, tem pelo menos duas coisinhas interessantes: uma quando, em meio a um relato de guerra, a paisagem do "The Road" subitamente se desenha, um pedaço do livro antes do livro ser concebido, uma imagem que o autor tentou exorcizar num pequeno trecho mas que, afinal, teve que virar uma novela inteira. A outra é o fato de, no meio de um livrinho que até então tem toda a cara de um thriller de ação com um que outro interlúdio filosófico, o presumido mocinho ser trucidado a tiros. Tive que ler duas vezes pra ter certeza de que era isso mesmo que estava acontecendo.

Lá em casa estamos todos passando fome e frio, mas as caixinhas da Amazon continuam chegando.

Ontem foi a vez de "Blood Meridian", "Child of God" e "Suttree", todos do autor-obsessão do momento. Vou levar uns 50 anos pra ler, certo.

A princípio vou ler na ordem acima, logo depois de terminar o "No Country for Old Men", mas aceito sugestões.

Num destes dias frios e chuvosos, de mão com a babá, a caminho da casa da vovó, Santiago escorregou e caiu numa poça d´água. Ficou furioso, gritando EU TÔ TODO MOLHADO até chegar ao seu destino e trocar de roupa. Desde então, a cada vez que fica frente a qualquer pessoa conhecida, se apressa em contar: "Eu caí numa poça d´água ontem." Fez isso no dia seguinte ao evento, e depois, e depois, e depois, sempre com a mesma frase, o que nos faz pensar por alguns instantes que ele cai em poças d´água todos os dias, mas na verdade é apenas uma imprecisão cronológica. Pra ele, "ontem" significa simplesmente o que já passou, como "de tarde" significa "mais tarde", o futuro.

É muito massa o jeito como pequenos acontecimentos do dia-a-dia que saiam um pouquinho que seja da rotina viram pontos de referência pras crianças, quase como medalhas ou cicatrizes de batalha que precisam ser apresentadas e confirmadas a todo momento.

Coisas acontecem comigo, já tenho uma história, é na verdade o que ele está dizendo.

Acho que encontrei um nicho de mercado bem interessante pra trabalhar. Ainda não sei como me organizar pra isso, nem como conciliar com as tarefas pesadas do dia-a-dia, mas me sinto um pouco como um personagem de desenho animado que é subitamente atraído pelo cheiro de um prato especialmente saboroso, por uma nuvem de odor em forma de mão, daquelas que fazem a gente sair flutuando por aí.

O Gabriel Brito me repassou o e-mail com esta informação e o Träsel já postou também, mas como desconstruir a Net é um dever cívico de todos nós, reproduzo aqui também: por contrato, a empresa deve oferecer um telefone 0800 para dúvidas, reclamações e, hahaha, elogios dos seus clientes. E eles até têm, só que não divulgam. Toda a comunicação da Net, dos anúncios à programação visual dos veículos, direciona para um número pago. O 0800 está lá, em algum cantinho do site, mas nunca, jamais é divulgado. Quando cancelar a TV, último tentáculo que ainda me liga à máfia russa, certamente usarei este 0800. Vou ficar horas esperando e ser mal atendido como sempre, mas pelo menos não vou estar pagando por isso.

Clicando aí em cima tu cai direto no site do Daniel Martins, redator, fotógrafo e bon vivant.

Baixio das Bestas, ontem. Vale pelas paisagens humanas e pelo sótaque, mas não muito além disso. Meio adolescente demais, na real.

Lendo No Country for Old Men, do tio Cormac, mas sem muito deslumbramento.

Metade de A Dupla Vida de Veronique na TV, uma noite dessas, antes de sucumbir. Não faz muito sentido, mas se eu tivesse a Irène Jakob à disposição pra fazer um filme o sentido seria a minha última preocupação.

Quanto às mudanças, ainda não.

Céus, não pára nunca.

Não posso ainda comentar, mas NÃO PÁRA NUNCA.

Acho que hoje vai ser um dia de grandes definições.

Impressionante como, quando a gente pára de se debater, as coisas realmente importantes começam a acontecer.

A frase lá de cima é, evidentemente, tirada do The Road.

Estou entrando em casa. falando ao celular com um amigo que atende pelo mesmo nome que eu. Depois que desligo, minha mulher pergunta quem era. Respondo que estava falando com o Marcelo, ao que Santiago reforça: "O papai tava falando com o papai".