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(Se não viu Ponto Final, não leia) No caminho do colégio quando eu era criança tinha um banco de sangue. Funcionava assim: até mais ou menos metade dos anos oitenta, quando alguém ficava sem dinheiro podia vender sangue. Naquele tempo os jornais publicavam anúncios de gente oferecendo um pulmão ou um rim por um bom dinheiro. Em algum momento, imagino, uma lei foi aprovada proibindo tudo isso. Há uma lógica estranha que tolera uma série de contravenções, fraudar impostos, por exemplo,e ao mesmo tempo considera extremamente imoral que alguém venda um pedaço de si mesmo. Isso no meu ver está na raiz de Ponto Final. É uma espécie de retomada de Crimes e Pecados sem a comédia para amenizar. Woody Allen avança tão fundo na crítica à imoralidade do dinheiro que certamente achou que o melhor jeito de chamar a atenção para o que queria dizer era um personagem amoral por completo, tão cínico quanto Martin Landau no primeiro filme. Não é apenas a história que é parecida. Nas duas histórias, a justificativa usa as mesmas palavras, a culpa varrida para debaixo do tapete para não soterrar o culpado. Dá a impressão de que o Woody Allen está brincando de Andy Kaufman levando a piada (no caso, a ironia) ao extremo, já que é o único jeito de arrancar o público da catatonia. Se o mal é relativamente tolerado, ele vem dizendo, quero ver como vocês reagem ao mal por interesse, o mal por dinheiro, o mal sem nuances e ao mesmo tempo o mal que todos no cinema seriam capazes de cometer. Interessante que nos dois filmes tenha visto a mesma reação do público. Em Man on the Moon, foram fãs de O Máskara e Ace Ventura incomodados com a "falta" de piadas em um filme de Jim Carey. Em Ponto Final, foi o pessoal que foi atrás de uma comédia "de Woody Allen" e, sem frear o desconcerto, não conseguiu ficar em silêncio. Um bom filme, enfim. * Sábado à noite, cinema no shopping Moinhos, ingressos a dez reais, estacionamento a seis e o mesmo barulho de pipoca e conversas durante o filme de uma sessão de blockbuster para adolescentes em um antigo cinema de rua. Dinheiro não é mesmo sinal de sofisticação. # alexandre rodrigues | 19 de fevereiro Comentários (4) | TrackBack (0) |
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