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(Walter de Mattos Júnior, dono do jornal Lance!) Assis Chateaubriand disse frase parecida, seis ou sete décadas atrás, registrada por Samuel Wainer, que, por sua vez, foi um seguidor à risca da máxima. O jornal Última Hora (que chegou a vender 700 mil exemplares por dia nos anos 50, desmentindo por completo essa conversa de que os jornais brasileiros não vendem porque a população é pobre. Não vendem porque são muito ruins) nunca deixou de ter dívidas, que um dia se tornaram impagáveis e Samuel teve que passá-lo adiante. Mas de qualquer modo é um raciocínio muito repetido por aqui. A Veja da última semana (com FHC na capa) dá duas indicações. Uma nota conta que a Rede Globo mal acabou de renegociar a sua dívida e já se apressa para fazer outra junto a asiáticos. Trata-se de uma empresa que domina quase sozinha o mercado de televisão, tem vários jornais lucrativos e, para qualquer raciocínio sensato, não deveria ter dívidas. Mas tem. A outra notícia digna de nota é a entrevista de FHC, que está lançando livro e foi alvo da matéria mais bajuladora que já li (o título diz tudo: "A arte de ser FHC"), à exceção das publicadas em jornais de interior, que vivem de elogiar a autoridade local para sobreviver. O ex-presidente diz, ali pelo meio, que o povo brasileiro não gosta de capitalismo. Não sabe o porquê, mas não gosta. Mais adiante, a surpresa, ele também diz "o capitalismo tem uma coisa que me irrita: a desigualdade. É da sua essência". Mas vamos deixar o ex-presidente de lado. O assunto é a frase do Chateubriand, que o Mattos Júnior adaptou lá em cima, no início do post. O Mattos Júnior, o Chateaubriand, os Mesquita, os Frias e os Civita, assim como os donos de qualquer jornal ou revista ou tevê ou mesmo os empresários em geral gostam muito de dívida. Não há empresa brasileira, grande ou pequena, que não sonhe em cultivar uma. Mas não é qualquer dívida. Ninguém quer dever ao fornecededor. Os mais caras de pau ficam devendo aos empregados, porém, há de se reconhecer, são minoria. O que essa gente gosta mesmo é de dever ao governo. O problema do capitalismo brasileiro é que no Brasil não há capitalismo. O que se chama de capitalismo por aqui é uma simbiose entre empresários, a classe média e o governo que existe há quase duzentos anos. Não há empresário que não sonhe com o seio do BNDES para dar às suas empresas o que deveriam buscar nos bancos, pagando juros de mercado e não as taxas camaradas do órgão oficial. Aqui, quando uma fábrica vai ser aberta, é natural achar que o governo deve construir uma estrada até ela. Se é preciso exportar mais, todos querem que o governo construa estradas e ferrovias para escoar a produção. Não houve uma privatização sequer que não teve dinheiro público no meio. Os nossos liberais gostam de ignorar isso. Quando alguém comenta algo parecido, eles logo falam na rainha Vitória. Liberal brasileiro gosta de se dizer vitoriano, como se o mundo tivesse alcançado o ápice no final do século 19. Foi uma surpresa descobrir no Discovery Channel esta semana que neste período de sonho a Inglaterra deixou cinco milhões de pessoas morrerem de fome na Índia em apenas alguns meses no reinado da afamada rainha e que tudo que ela tenha feito foi contratar um cientista para saber porque as plantações estavam sendo arruinadas. Estou fugindo do assunto de novo. De volta à frase do Chateaubriand, não há motivo mais claro para se manter o capitalismo brasileiro em quarentena. Empresários brasileiros não são capitalistas. A direita brasileira não é capitalista, assim como a esquerda nunca foi socialista (só para constar: Marx era contra faculdades públicas. Achava que só serviam para pagar os estudos dos privilegiados). São aproveitadores. É considerado imoral no Brasil propor, por exemplo, que a classe média pague pelos seus estudos. Não. O negócio é estudar de graça numa universidade pública e ficar reclamando da sala sem ventilador. Uma marca do antipetismo é que boa parte de seus representantes não pagou pelos estudos graças justamente ao estatismo que hoje dizem combater. Mas não vejo nenhum deles dizer que irá, em nome da coerência, devolver o dinheiro recebido do governo. Isso implicaria em fazer uma coisa que aqueles que espalham suas opiniões pela Internet abominam: arranjar um emprego em vez de ficar escrevendo blogs. Estranho que defendam o ensino superior público quando esse dinheiro faz falta ao ensino básico. Estranho que empresários defendam "menos governo" em algumas áreas e ao mesmo tempo queiram que o governo banque suas empresas. Estranho que uma rodovia só possa ser aberta pelo governo, que uma ferrovia ou um porto só possam ser construídos pelo governo. Estranho que jornais e revistas sejam impressos com papel subsidiado e ninguém ache isso um roubo. Estranho, muito estranho, que a coisa tenha chegado ao nível em que não é nada demais os donos da mídia admitirem em entrevistas que uma dívida é coisa boa. O que o Brasil deveria ter é capitalismo. Verdadeiro, sem ninguém pendurado no Estado. Já bastam os funcionários públicos. # alexandre rodrigues | 25 de março Comentários (5) | TrackBack (0) |
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