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A VOLTA DO DOUTOR CONFÚCIO
(Uma aventura de Capitão Ashtanga, o super-herói indiano)

EXTERIOR – DIA

LOCUTOR OFF
Um dia como outro qualquer em Bombaim.

UM MENINO BRINCA COM UM ELEFANTE
Em um pátio, em um canto da cidade, Bandit, um menino curioso de oito anos, monta pela primeira vez no dia Mombat, o temperamental elefante que ganhou de presente dias atrás. De tão leve, Mombat quase não sente o peso do menino, mas como anda de mau humor mesmo este pequeno incômodo é suficiente para se comportar com impaciência. Se mexe, indócil, levantando e abaixando os pés. Bufa de vez em quando para deixar clara a sua insatisfação.

UM GUARDA CONTROLA O TRÂNSITO
Gurkha acaba de começar o trabalho, atento aos jovens pilotos de lambretas que costumam cortar o trânsito nas ruas como se fosse manteiga. Com o apito nos lábios, está pronto para multar o primeiro que flagrar em excesso de velocidade, antevendo com prazer a reação que terá o desavisado meliante em que puser as mãos.

UM HOMEM DEITADO NA CAMA OLHA O TETO
Nehru, um dos milhares de homens nascidos no país que tem o seu nome, está deitado no sofá tentando não pensar em nada. Não tem razão para se encontrar nesse estado fora a vontade de se livrar dos pensamentos, todos de uma vez.

Mas em outra parte da cidade um assalto está em curso. Dois homens estão no saguão do banco, no térreo de um prédio de escritórios. Funcionários e clientes se encontram deitados no chão, sob a mira das armas dos criminosos que circulam com cuidado entre aquela gente, atentos para o caso de algum engraçadinho querer reagir.

Outros dois assaltantes estão nos fundos da agência. Examinam o cofre, ainda fechado enquanto o gerente, choroso, covarde e trêmulo, tenta acertar a combinação. Quando as sacolas estão cheias, correm para a frente. Um deles, já se dirigindo à saída, diz aos outros:

ASSALTANTE
- Vamos. O Doutor Confúcio está à nossa espera.

UMA VOZ NÃO IDENTIFICADA
- Não tão rápido.

(todos)
- Essa não! É o Capitão Ashtanga!

O Capitão Ashtanga, diante da saída do banco, flutua em sua pose habitual. Na verdade, ninguém jamais o viu em outra posição senão com as pernas cruzadas, em flor de lótus, e as palmas das mãos unidas e viradas para baixo. Seu rosto impassível mira o grupo. Então, diante do Capitão, surge um menino de calça, colete e cabeça de elefante. É Ganesha Boy, o jovem auxiliar de Ashtanga.

GANESHA BOY
- E Ganesha Boy!

Do lado de fora da Chefatura de Polícia, dois elefantes estão estacionados. São os famosos animais-viaturas, sem os quais a força policial de Bombaim não seria tão conhecida. Nas costas de cada animal, presa por grandes correias que passam pela barriga e se prendem do outro lado, uma cabine é a forma mais confortável de transportar quatro ou cinco policiais para as missões de rotina. Um grande pisca-pisca foi preso no alto da cabeça dos elefantes, piscando em vermelho e amarelo quando é preciso demonstrar urgência ou perigo.

Do lado de dentro do prédio, policiais levam os presos. O Comissário Chandra conversa com o Capitão Ashtanga:

COMISSÁRIO CHANDRA
- Bom trabalho, capitão.

CAPITÃO ASHTANGA
- Ainda não acabou. O Doutor Confúcio está livre por aí. Eu posso sentir.

GANESHA BOY
- Vamos atrás dele, então.

CAPITÃO ASHTANGA
- Calma, garoto. Não sabemos de nada ainda.

GANESHA BOY
- Podemos espancar uns criminosos.

CAPITÃO ASHTANGA
- Não, garoto, não devemos ser violentos. O ódio só atrai mais ódio.

GANESHA BOY
- Desculpe, Capitão. É que às vezes eu não consigo me controlar.

CAPITÃO ASHTANGA
- Isso é porque você tem uma cabeça de elefante.

O Comissário Chandra se aproxima. Traz ao lado um visitante.

COMISSÁRIO CHANDRA
- Capitão, quero apresentar o Doutor Li. É o chefe de polícia da China.

O Doutor Li usa um manto com golas altas que chegam quase à altura das orelhas. Seus bigodes são longos e finos. É bastante parecido, idêntico mesmo, ao Doutor Confúcio exceto pelos óculos de armação preta.

CAPITÃO ASHTANGA
- Da China, hein? Muito prazer.

DOUTOR LI
- É um prazer, Capitão. Já tem alguma pista do Doutor Confúcio?

CAPITÃO ASHTANGA
- Ainda não, mas logo descobriremos.

DOUTOR LI
- Vai nada. Quer dizer, claro que sim. Logo. Bem, foi um prazer.

Depois que Li se vai, junto com o comissário, Ganesha Boy se vira para o Capitão Ashtanga.

GANESHA BOY
- Há alguma coisa errada com esse Doutor Li. Eu posso sentir.

CAPITÃO ASHTANGA
- Isso é porque você tem uma cabeça de elefante.

O comissário retorna.

COMISSÁRIO CHANDRA
- Capitão, acabo de receber a informação de que haverá hoje à noite uma reunião do Sindicato Profano. O Doutor Confúcio estará lá.

CAPITÃO ASHTANGA
- Uma reunião, hein? Eles não perdem por esperar.

À noite, em um galpão vazio, a não ser pela grande mesa, colocada abaixo de um holofote que ilumina a área em volta, o Sindicato Profano está reunido. Estão todos à vista. Se encontram em seus lugares, menos Crazy Ghandi, de pé ao lado da mesa. Está descalço e se mantém na sua posição mais conhecida: de pé, com a sola encostada ao joelho. Seu uniforme é apenas uma fralda vermelha enquanto coça a cabeça com uma das mãos.

CRAZY GHANDI
- Por que nos chamou aqui, Confúcio?

DOUTOR CONFÚCIO
- Eu os chamei porque tenho um plano infalível para nos livrarmos do Capitão Ashtanga.

A menção do nome causa confusão na sala. O Papa faz uma careta, Mago Merlin empalidece, imóvel em sua cadeira, na outra cabeceira da mesa. O Pregador ajeita a gola branca da camisa preta que no momento incomoda o pescoço. Barão Samedi lança algumas pedras sobre o tampo, fazendo um barulho igual ao de um chocalho.

MERLIN
- E que plano é esse?

O PAPA
- Diga logo, diga logo.

DOUTOR CONFÚCIO
- Eu vou contar quando chegar a hora.

UMA VOZ DESCONHECIDA
- É bom falar rápido senão só vai poder contar na cadeia.

(Todos em coro)
- Essa não! É o Capitão Ashtanga.

GANESHA BOY
- E Ganesha Boy!

Os olhos do Capitão começam a brilhar e um facho de luz envolve de repente a sua cabeça. O facho se torna cada vez maior e depois envolve todos sentados na mesa, imobilizando-os. Mas na cabeceira da mesa o lugar do Doutor Confúcio está vazio.

Enquanto o Mago Merlin é conduzido algemado, o Comissário Chandra cumprimenta o Capitão Ashtanga pela segunda vez no dia. De repente, ao lado dos dois, surge o Doutor Li.

DOUTOR LI
- Parece que cheguei tarde, Capitão.

CAPITÃO ASHTANGA
- Pena que o Doutor Confúcio escapou. Mas ele não perde por esperar.

DOUTOR LI
- Rá, rá... Quer dizer, não perde mesmo.

Mais tarde, o dedicado Rajiv, professor de cursinho e alter-ego do Capitão Ashtanga, dá aula diante de uma sala lotada. A sineta toca e todos começam a ir embora ruidosamente. Uma das alunas se aproxima. É bonita e se chama Indira.

INDIRA
- O senhor soube, professor?

PROFESSOR
- O que?

INDIRA
- O Capitão Ashtanga. Salvou o dia de novo. Prendeu quase todo o Sindicato Profano. O Doutor Confúcio escapou por pouco.

PROFESSOR
- Escapou, hein? Esse tal Capitão Ashtanga não é tão bom assim.

INDIRA
-Não diga isso, professor. Ele é um herói. O meu herói.

Enquanto o professor se afasta, uma colega se aproxima de Indira.

A COLEGA
- Esse professor é mesmo um pão.

INDIRA
- Pode ser, mas ele é tão bobo! Não é como o Capitão Ashtanga.

Rajiv, que já vai adiante, caminha com um grande sorriso.

# alexandre rodrigues | 5 de maio Comentários (2) | TrackBack (0)