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Idéia para um conto que não vai virar conto Parte 1 Na vida de Luiz quase nada acontece. Todas as manhãs acorda, barbeia-se, toma café, põe um de seus dois ternos e vai para a corretora, onde tenta vender casas, apartamentos, salas comerciais, terrenos e tudo quanto for imóvel (uma vez vendeu uma praça que depois, descobriu-se, ficava em um terreno público, mas jura que a culpa não é sua, foi enganado pelo cliente) a quem se dispuser a pagar. À noite retorna ao apartamento, assiste à novela e, se estiver entediado, caça baratas pelo apartamento com um chinelo na mão. As baratas certamente têm onde se esconder. O apartamento é um caos, cheio de lixo acumulado, pratos com restos de comida, pilhas de livros e jornais por todos os cantos. As janelas estão sempre fechadas. Seria o terror de alguém com problemas respiratórios, o que não é o seu caso. Também não se incomoda com a sujeira ou a falta de arrumação. Certa noite a lâmpada do quarto queima durante uma de suas incursões assassinas contra as baratas. Põe a contragosto a roupa de sair e vai até o supermercado decidido a voltar o quanto antes. Apanha com pressa uma lâmpada. O caixa pergunta se a lâmpada foi testada e responde que sim – mente. Está com pressa. Chega ao apartamento, sobe na cama e alcança o bocal com dificuldade. O teto é muito alto, não dispõe de uma escada. Quando vai colocar a lâmpada nova, mesmo na penumbra percebe algo se mexendo dentro dela. Xinga um palavrão, pensando ter comprado uma lâmpada com defeito, desce da cama e vai até a sala. Para sua surpresa, dentro da lâmpada, observando-o, há um homenzinho. Tem os cabelos pretos e usa óculos e terno. Parece um professor universitário que por um processo misterioso foi reduzido a menos de dez centímetros de altura. Apesar da dificuldade para perceber suas expressões, pode jurar que há nele um semblante de curiosidade. Desatarracha a base da lâmpada com um alicate, deixando o homenzinho sair. Está surpreso. Uma situação dessas exije muitas perguntas e respostas que não está preparado para fazer. Até agora era só mais uma noite comum e tranqüila, tediosa mesmo, como todas as outras. O homenzinho circula pela mesa de centro, senta-se numa lista telefônica e faz um gesto para que se aproxime. É preciso apurar os ouvidos para entender as palavras ditas numa voz tão baixa e fina. – Você pecisa me levar a Istambul. Na imobiliária, não tem problemas em conseguir uma licença não-remunerada. Inventou para os chefes um curso de marketing internacional, com o quê foi bastante elogiado. As passagens custaram anos de poupança. Finalmente, tenso de expectativa, se instala na poltrona do avião. O homenzinho está no seu bolso. Temiam ambos que fosse descoberto pelo aparelho de raio-x, mas suspiraram de alívio ao ver que nenhum funcionário se incomodou com a sua passagem. – Pegue a lâmpada – ordena o homenzinho. – Como? – A lâmpada. Você não trouxe a lâmpada? – Não. Você não disse que era... – Você é um idiota. O mapa está na lâmpada. Mapa? Não havia falado sobre um mapa até agora. Mapa de onde? Pensa em perguntar, mas o homenzinho esconde-se amuado em seu bolso. Também tem medo que os outros passageiros percebam e o tomem por louco. O avião já decolou. A luz do sol que entra pela janela também recobre o oceano de prateado até o horizonte. A aeromoça, com um sorriso de propaganda, oferece cerveja, refrigerante e suco de laranja. Pelo resto da viagem se pergunta o que há para fazer em Istambul quando sua única companhia é um homem minúsculo e contrariado. # alexandre rodrigues | 28 de setembro Comentários (2) | TrackBack (0) |
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