Porções desproporcionais, abismo de linguagem e caos na Liberdade
Passamos por restaurantes japoneses, um chinês chamado CAMPEÃO e um coreano fora das possibilidades. Foi então que deparamos com uma espécie de boteco iluminadíssimo e cheio de famílias dentro. Nenhuma ocidental, todos de pele amarelada. Entramos, apesar de um inexplicável receio e de ofuscados pela luz. Numa das mesas um chinês cultivava um saudável hábito alimentar: comia com um copo cheio de uísque do lado. Aceso, repousava um cigarro no centro da mesa. Nenhum dos seus companheiros de mesa parecia se importar e chalravam num chinês cheio de vogais. Simpatizei e decidi ficar.
O cardápio era cheio de especialidades. Muito, muito grande e com opções de "panceta", barbatana de tubarão e um mundo de outras coisas. Resolvi pedir uma sopa de "abóbora d'água" com frutos do mar (R$ 15) e um pato na cerveja (R$ 25). Carol ficou indecisa entre algumas coisas, nenhuma das quais havia à disposição. Isso, somado a alguma grosseria da garçonete (certamente filha da senhora que também estava servindo), desencorajou qualquer outro pedido. As duas garçonetes entendiam tão mal o que se dizia e falavam um português tão pavoroso que resolvi não fazer muitas perguntas, principalmente no que tangia o tamanho das porções (perguntar se o chá de jasmin era cobrado já tinha sido um embate). Um grande erro, como veremos.
Quando vi o tamanho da sopa em uma outra mesa foi que me dei conta da cagada. Era um grotesco BALDE, com uma lavagem que alimentaria uns seis porcos. Chamei a mais velha, a que estava mais à mão. Seguiu este diálogo:
-- Eu pedi o pato e a sopa, não será muita coisa para mim e a garota? (muito gestual para ser compreendido)
-- Ah, você PATÔ! Pode poucah pimentah patô?
-- Pode, pode. Mas eu queria saber se o prato é GRANDE.
-- AAAA, prato GLANDE! GLANDE (mostra os braços ovalados)
-- AAAHH, então eu quero CAN-CE-LAR a sopa, TÁ? Cancela. (braços cortando o ar)
A chinesa vai na cozinha e volta dizendo que já estavam fazendo. E completa, genial:
-- PLATO NAU GLANDE! (sorriso)
Tomando meu chá de uma chaleira idêntica à que papai usava no sítio (e tinha trazido de nenhum outro lugar que não a China) vejo chegar a lavagem que daria para umas oito pessoas abrirem o apetite, e certamente umas quatro se fartarem. Resignados fomos emborcando a solução. Espetacular. O coentro fazia um par excelente para a abóbora d'água (que parecia um chuchu) e os frutos do mar. Melhor sopa da minha vida.
O pato veio numa igualmente enorme vasilha com um ARCHOTE embaixo. Verdadeira sopa de pato, coentro, pimenta do reino e vermelha e outros temperos não-identificados. Não havia garfo ou faca, só wari-bashi. Pedi uma coca para Carol e os talheres. A coca foi trazida imediatamente, já o garfo e a faca... Sendo assim, me atirei sem constrangimentos sobre o pato com as mãos. O caldo era tomado com a colher de servir e a cumbuca da sopa, eventualmente. Tinha um sabor inigualável de PÃO. Lágrimas vertiam da perfeição do combinado de temperos e ingredientes. Quando a pimenta tomava toda a boca, contemporizava tomando um gole de chá. Mesmo sorvendo o molho como a sopa, sentimos a necessidade de pedir uma porção de arroz (R$ 4). Veio mais um balde de dois quilos e meio de arroz branco, no mínimo. Misturado com o acompanhamento, o molho era ainda mais perfeito. Mastigava os pedaços de pato e a gordura já me inebriava a ponto de cuspir pedacinhos de osso no prato, como os chineses das outras mesas faziam (que inclusive estavam embriagados, bebendo Bohemia e Drury's com as duas mãos). No final, uma praça de guerra com guardanapos, ossos, pedaços de carne e gordura, que eram olhados com desconfiança ou desagrado pelas garçonetes.
Absolutamente fartos, decidimos que era hora de parar. Ainda havia comida suficiente para mais uma refeição completa: a sopa estava pela metade, o pato havia sido consumido mais ou menos em dois terços e o arroz estava intacto. Perguntei se podia levar. Não podia.
Mesmo com todo o desperdício, a nota não chegou a 50 reais. Conclusão: toda cidade devia ter uma Chinatown. Nunca mais vou conseguir comer esta coisa fajuta dos buffets que se vende como comida chinesa.
Hermano | 11.01.2006, 23:00 | Comentários (7) | TrackBack (0)