Comendo em São Paulo
Na terra da garoa come-se muito bem. Mesmo nos botecos de esquina e restaurantes populares, nota-se um esforço para fazer o melhor possível com os recursos à disposição. Percebe-se sempre um cuidado na apresentação do prato, mesmo que seja um xis-calabresa com bacon. Enquanto em Porto Alegre os lanches chegam ao cliente destrambelhados muito mais vezes do que seria razoável, isso raramente acontece em São Paulo. Nos pratos mais elaborados, a diferença é ainda mais gritante.
Tenho uma teoria a respeito. Na maior cidade da América do Sul, milhões de pessoas lutam diariamente por seus empregos e milhares de restaurantes batalham o tempo todo pelos clientes. Se um chapista de padaria é ruim, haverá centenas querendo o lugar dele. Se um garçom é antipático, pode ser logo substituído. Se um restaurante oferece comida menos do que boa, há dezenas ao lado para o cliente escolher. As possibilidades de comparação também se ampliam. Fica difícil aferir a qualidade de um restaurante italiano, quando temos em Porto Alegre apenas dois ou três que prestam. Quando há dezenas, como em São Paulo, o nível de exigência tende a subir.
A seguir, algumas dicas de onde comer.
Rancho Nordestino — Fui pela primeira vez há alguns anos, com o diretor de teatro Mário Bortolotto. Comemos jabá com macaxeira frita e tomamos cachaça. Estava bêbado demais para lembrar se a comida era boa mesmo, no entanto. Voltei lá semana passada e posso garantir que é muito bom. Comi um caldinho de sururu bem consistente de entrada. O prato principal foi paçoca, ou carne de sol refogada na manteiga de garrafa com cebolas e farinha de mandioca. Para acompanhar, macaxeira [aipim] frita. A carne de sol estava excelente, mas a macaxeira não impressionou. Estava pouco crocante. O lugar oferece pimentas fortes para pingar na comida e as melhores cachaças nordestinas como aperitivo. Fica no Bixiga, na rua Manoel Dutra, 498. Este jantar com cerveja para 4 pessoas custou R$ 12 por cabeça.
Gopala Prasada — Este restaurante vegetariano perto da Paulista oferece duas opções de prato feito a cada dia, com suco e sobremesa. O cliente também pode escolher a versão grande, a R$ 12, ou pequena, por R$ 10. Se quiser repetir algum ítem do cardápio, o cliente paga mais R$ 1. Fica em uma casa laranja decorada ao estilo indiano e é freqüentado por gente in, mas isso não chega a prejudicar. A comida é muito boa, bem temperada, mas sem exageros na pimenta. Comi arroz integral com grão-de-bico frito, mattar panir, ou ervilha e queijo fresco com molho de tomate, legumes ao forno com queijo e ervas, e alu kitiki, ou croquete de cará com chutney de coco. O único defeito que posso encontrar é o fato de só perceber que o chutney era de coco ao ler o cardápio. O resto estava irrepreensível. Fica na rua Antônio Carlos, 413, entre a Haddock Lobo e a Bela Cintra.
L'osteria del generale — Almocei ontem nesta cantina italiana com a Daniela Piemonte, comentarista deste blog, e seu marido Michael Schnürle, dois novos bons amigos paulistanos. Ao sentarmos, foi servido um couvert imenso com azeitonas pretas graúdas, berinjelas grelhadas e pão italiano fresco. Michael sugeriu pedirmos uma salada especial pequena e um prato de massa para os três. Um pouco cético a respeito, aceitei, pensando que provavelmente faltaria comida. Não faltou. Não apenas não faltou, como sobrou. As porções são imensas, dignas de qualquer avó italiana. Creio que só a salada especial, com mussarela de búfala, pão de alho, erva doce, escarola, pimentão, berinjela e verduras variadas teria sido suficiente. O prato de massa foi o macalu com frutos do mar, um envelope de massa recheado com frutos do mar e pescadinha, com molho de tomate com camarão, vôngole, lula e mexilhões. Também estava muito bom, sobretudo o molho. A massa apenas tinha a irritante tendência a se separar do recheio quando se cortava um pedaço do macalu, mas isso é apenas chatice de gastrônomo diletante e não prejudica o sabor. Com duas cervejas extra e duas águas, saiu a R$ 36 por pessoa.
O pedaço da pizza — A loja ao lado do Espaço Unibanco, na rua Augusta, oferece sabores bastante diferentes de pizza sobre uma massa maleável, mas torradinha, comme il faut. O sistema é interessante: o cliente paga no caixa, algo entre R$ 2 e R$ 5 por pedaço, dependendo do sabor, e vai buscar a pizza ao lado do forno, onde o pizzaiolo já a está assando. Comi a de escarola com anchovas, que veio com muita escarola e muita anchova em um triângulo de tamanho bem razoável. O único defeito é que o queijo esfriou e endureceu rápido demais e sempre puxava um bocado maior do que tinha planejado. A bebida é cara, deixe para tomar uma cerveja no Vitrine ou no Ibotirama, descendo a Augusta em direção ao centro.
Papo, Pinga e Petisco — Boteco arrumadinho na praça Roosevelt, tem uma decoração kitsch-esclarecido e vende LPs e antigüidades no fundo da loja. Toma-se uma cerveja extra por cerca de R$ 4 ao som de "amaciantes de carne" como Barry White. Estávamos nos divertindo bastante, até que chegou uma turma de gaúchos e começou a falar alto, fumar e fazer piadas infames. Aí os donos resolveram fechar o bar.
Marcelo Träsel | 12.06.2006, 12:18 | Comentários (19) | TrackBack (0)