Enciclopédia do chocolate
A editora gentilmente nos enviou a Larousse do chocolate, coordenada pelo pâtissier Pierre Hermé, o mais famoso chocolateiro da França atualmente — e provavelmente, do mundo. A Larousse tem tradição em livros de gastronomia. Sua Gastronomique é livro básico em qualquer escola de culinária. Ou seja, o livro tinha tudo para ser bom. Porém, os intrépidos repórteres de Garfada são piores do que São Tomé e não se deixar levar por primeiras impressões. Testá-lo era necessário.
A primeira parte do livro é dedicada à história do chocolate e seu cultivo. Descobre-se o diabo. Por exemplo, que os missionários foram grandes responsáveis pela divulgação do chocolate e das maneiras de prepará-lo, devido ao contato íntimo com os aztecas. Maria Teresa da Áustria, popularizou a bebida na corte do Rei Sol, entre os puxa-sacos que queriam imitá-la. A partir do século XIX, começou a ser recomendado com fortificante pelos médicos. Só em 1847 surgiu o primeiro tablete, com a descoberta de que a manteiga de cacau tornava o chocolate sólido menos quebradiço. Tristemente, descobre-se ainda que, apesar da tradição de séculos do cacau no Brasil, o país não consegue produzir grãos que prestem. Poderia-se dizer que o cacau é endêmico da América Central e norte da América do Sul, onde estão as melhores plantas. Mas não o é de potências como Papua-Nova Guiné ou Tanzânia, que também produzem alguns dos melhores grãos.
A primeira parte também dá dicas de conservação, de como degustar um bom chocolate, equivalências de pesos e ainda de ingredientes mais indicados para receitas e como combiná-los. A terceira parte ensina técnicas básicas da pâtisserie do chocolate, como a temperagem das coberturas, feitura de ganaches e mesmo receitas de massas, merengues e outras técnicas indispensáveis às receitas. Era o momento, pois, de testar as instruções de Hermé. Escolhi duas receitas, de acordo com a presença de ingredientes em minha despensa: bolachas de chocolate com amêndoa e trufas de pimenta.
TRUFAS DE CHOCOLATE COM PIMENTA
Pique o chocolate com uma faca serrilhada de cortar pão e triture os grãos de pimenta com um pilão, rolo de massa ou qualquer objeto contundente. Jogue os grãos triturados em uma panela com o creme de leite e faça levantar fervura. Deixe em infusão por dez minutos, então coe para outra panela e faça ferver novamente. Tire do fogo e acrescente o chocolate em três etapas, sempre fazendo com que derreta completamente antes de incluir a próxima leva. Quando estiver tudo derretido, acrescente a manteiga em pedaços e misture bem. Forre uma forma de 28x30 centímetros com papel manteiga e derrame o creme dentro dela. Leve à geladeira por duas horas e desenforme sobre outra folha de papel manteiga, ou simplesmente puxando a original. Desgrude o bloco de chocolate do papel e corte em pedaços retangulares de 1,5 por 3 centímetros. Em um prato fundo, espalhe o cacau em pó com algumas pitadas de pimenta moída e role as trufas dentro da mistura, sacudindo-as levemente para tirar o excesso.
O maior problema para se trabalhar com chocolate no Brasil é encontrar chocolate que preste. Uma barra com 70% de cacau é um sonho distante. Assim, fui de chocolate para cobertura meio amargo da Nestlé, mesmo. Infelizmente, a empresa não informa quanto cacau há na embalagem de um quilo. Usei uma mistura de pimenta do reino branca com pimenta rosa, porque não tinha o suficiente da primeira. Finalmente, troquei 250ml de creme de leite por 250g, sem me dar conta, e usei uma forma menor que a recomendada. Ainda assim, foi um sucesso. Essas trufas são incríveis. Derretem na boca e, apesar de meu ceticismo quanto à infusão de apenas dez minutos, têm um sabor agradável de pimenta, nem fraco, nem forte.
BOLACHAS DE AMÊNDOAS COM CHOCOLATE
De véspera, misture as amêndoas, o açúcar, as claras e a baunilha em uma tigela. Derreta a manteiga em fogo baixo e derrame por cima da massa, mexendo até fica homogênea. Deixe na geladeira até o dia seguinte. Retire da geladeira e incorpore a farinha à massa. Preaqueça o forno a 150 graus [médio] e forre duas assadeiras com papel manteiga. Faça bolinhas de massa, ponha cinco em cada assadeira e achate-as com a mão, até que tenham cerca de 5 centímetros de diâmetro. Elas devem ficar com uns 3 milímetros de altura. Essa é uma operação difícil, porque a massa gruda bastante nos dedos, mas não desespere. Apenas não deixe buracos no meio da bolacha. Leve as assadeiras à geladeira por 15 minutos e depois ao forno por entre 12 e 15 minutos. Desgrude as bolachas do papel com uma espátula de aço inox muito fina. Caso você, como eu, não tenha uma espátula decente, use a que estiver mais à mão. Só cuide para retirar qualquer pedaço de bolacha que ficar na ponta, ou você as destruirá ao tentar descolá-las. Elas ainda estarão moles, então deixe esfriar em uma superfície plana.
Uma dica é alternar as assadeiras, caso você tenha poucas. Use uma sempre para assar e a outra sempre para gelar as bolachas, apenas trocando o papel manteiga. Aliás, guarde os papéis usados para mais tarde, quando for cobrir as bolachas com cholate.
Agora é o tenso momento de temperar o chocolate para cobertura. O ideal é ter um termômetro de cozinha que vá de 0 a 100 graus. Pique o chocolate com uma faca serrilhada de cortar pão. Coloque 300g em uma tigela de vidro ou aço e coloque-a sobre uma panela com dois dedos de água, em fogo baixo. É bom que não escape muito vapor pelos lados. Vá mexendo e tirando a temperatura. O chocolate deve estar todo derretido quando chegar a 55°C. A água do banho-maria provavelmente não vai nem chegar a ferver. Retire do fogo e vá agregando o resto do chocolate aos poucos. Se quiser, faça isso sobre uma outra tigela com cubos de gelo. Quando a temperatura atingir 27°C, leve de novo ao banho-maria, até chegar a entre 30 e 33°C. Pode parecer frescura toda essa preocupação com temperaturas, mas saiba que a manteiga de cacau muda o ponto de fusão quando é exposta a muito calor. Isso prejudica o chocolate. O método só funciona com chocolate para cobertura.
Agora é só molhar metade das bolachas no chocolate derretido e deixar esfriar sobre papel manteiga. Também ficou uma delícia, inclusive segundo jurados totalmente isentos: minha mãe e minha madrinha.
Essa receita parece dar um trabalho danado, mas não é tanto assim. O maior problema é limpar depois, dá a maior sujeira. A primeira leva de biscoitos queimou, evidentemente, até porque meu forno não tem marcação de temperatura. Mas depois de acertar esse problema, tudo fluiu direitinho, como no caso das trufas. E não eram receitas para iniciantes. Após testar 1% das receitas, então, posso atestar que o livro é bom. São 200 no total, inclusive algumas salgadas. Além disso, a edição é bem feita. Vale os R$ 119, se você gosta de chocolate.