Buena onda em Buenos Aires
Entre os dias 1º e 4 de setembro estive em Buenos Aires para fazer, basicamente, turismo gastronômico. Antes de mais nada, informo que não comi nenhuma parrillada, não por falta de vontade, mas de oportunidade, mesmo. Privilegiei os restaurantes de cozinha internacional no meu roteiro e a La Cabrera acabou ficando de fora, assim como o El Preferido de Palermo. Também não consegui comer na sorveteria Un Altra Volta, nem tomar o chá da tarde do Alvear. Ficam para uma próxima ocasião, que já está sendo planejada.
Vou contar um caso que resume o quanto é boa a culinária em terras porteñas: no domingo, um belo sol, eu e minha companheira resolvemos almoçar no Olsen, que serve um brunch muito famoso em um jardim pós-modernista. Não tínhamos reserva e obviamente estava lotado. Acabamos saindo para tentar a cafeteria Oui Oui, com o mesmo fracasso. Todos os restaurantes estavam lotados ou serviam parrilla, refeição que não estávamos muito dispostos a comer.
Em desespero, decidimos entrar no primeiro boteco que aparecesse -- sou experiente em viagens e sei que chega um momento no qual é preciso sacrificar os escrúpulos estéticos. Entramos numa cafeteria qualquer perto da estação Palermo e pedimos empanadas e café. Nosso vizinho de mesa era um mendigo, que tomava vinho tinto em um cálice, acompanhado de água mineral. As empanadas demoravam. Pensei: "não pode ser que num lugar desses estejam assando na hora". Não deu outra. Foram assadas na hora e chegaram à mesa perfeitas, junto a um café bem correto. Isso numa birosca que serve mendigos.
Dito isso, analisemos os restaurantes sérios.
Sudestada -- Fica em Palermo, é bem pequeno e serve comida do sudeste asiático. Para acompanhar, têm uma ótima cerveja artesanal a 8 pesos a tulipa -- vinhos são meio pesados demais para acompanhar esse tipo de culinária em minha opinião, mas fique à vontade para escolher um bom branco ou um espumante. Pedimos como entrada rolinhos vietnamitas de ostras com porco e vegetais, que você embrulha com bastante broto de feijão, coentro e alfavaca em uma folha de alface e mergulha em um tipo de vinagrete; e dumplings tailandeses, isto é, pasteizinhos cozidos com recheio de porco e um molho doce semelhante ao missô. Os pratos principais foram peixe ao molho de manga e pato ao estilo cambojano, com frutas. Este último foi uma das melhores coisas que já comi na vida. Bastante apimentado e com uma quantidade bem generosa de temperos frescos. O melhor eram as uvas, cujo açúcar acaba sendo um pouco caramelizado no processo de flambamento -- dá para ver as chamas subindo na cozinha. De chorar. Ainda mais quando a conta veio mais barata do que paguei por comida asiática medíocre no Wok, em Porto Alegre.
Café San Juan -- Este restaurante é o novo queridinho dos gourmets porteños. Merecidamente. É outro ambiente pequeno e nada pretensioso. Inclusive, fica numa parte bem feia de San Telmo. O chef Leandro Cristóbal é um skatista que recebe amigos skatistas junto à nata da sociedade argentina. Aparentemente, o restaurante era um negócio de família que deslanchou quando ele decidiu assumir as panelas. As sobremesas são feitas por sua mãe. Ao chegar, os garçons, muito atenciosos, levam um quadro negro com as opções do dia até sua mesa. Fomos de patê de coelho com geléia de cereja e patê de salmão com tomates concassé de entrada. Ambos ótimos, mas recomendo o de coelho. Como pratos principais, o ojo de bife, só com a parte mais macia do bife de chorizo, e coelho com champignons e cogumelos japoneses. Tudo acompanhado de batatas fritas. De sobremesa, crème brûlée e crumb de peras e maçãs com sorvete de creme. Que dizer? Outra refeição que excedeu as expectativas e valeu o preço, aliás não tão salgado assim: com vinho, gastamos cerca de 150 pesos, ou pouco mais de R$ 100. Se posso fazer alguma queixa, é que o sorvete da sobremesa poderia ser de melhor qualidade. E tive de me esforçar para encontrar um defeito.
Restó -- Fica na sede da Sociedade de Arquitetura da Argentina. Outro local pequeno a se dedicar à boa mesa. É mais direcionado aos executivos do entorno, tanto que abre apenas ao meio-dia na maior parte da semana. Comemos gravlax de salmão com lentilhas vermelhas e molho de limão como entrada. Muito divertida a diferença de textura entre o salmão elástico e as ervilhas al dente. Nem a alface está no prato apenas para fazer número, seu sabor de alguma forma completa o do restante dos ingredientes. Foi o segundo prato que mais me agradou em Buenos Aires. Os pratos principais foram carré de cordeiro malpassado com purê de moranga e filé com quiche de blue cheese e aipo. As melhores carnes de toda a estadia, sem sombra de dúvida. Vieram no ponto perfeito e derretiam feito manteiga na boca. Tudo isso foi acompanhado de um excelente pãozinho integral com ameixa seca. A brincadeira custou 95 pesos, com bebida.
Bodega Campo -- Serve a culinária tradicional pampeana, no centro da cidade. Éramos os únicos comensais num dia de semana, mas o garçom estava animado como se a casa estivesse lotada. Notei que ele valorizou nosso interesse por pratos típicos. Comemos empanadas de carne irretocáveis, muito bem temperadas, tamal (um tipo de pamonha recheada de carne moída) e pastel de calabaza, ou carne moída com purê de moranga por cima, formando um tipo de torta. Para acompanhar, cerveja em caneco de porcelana. Novamente, a comida é muito boa e o ambiente silencioso foi bem vindo para descansar do burburinho da avenida Corrientes. Esse é um pouco mais barato, se bem me lembro tudo custou uns 35 pesos.
La Ideal -- Entre, admire a arquitetura da belle époque e vá embora. A não ser que lhe agrade ficar sozinho em um salão com 100 mesas e ainda assim ser mal atendido. Os cappuccinos que tomamos eram até bastante bons, mas não compensam os pensamentos deprimentes que lhe assaltam ao ver um local tão bonito em tão franca decadência. Entre em qualquer outra cafeteria aleatória e peça um café com media luna, que você não vai se arrepender. Ou então peça um flan (foto lá em cima), uma das sobremesas mais típicas de Buenos Aires. É um pudim de leite, mas graças à maneira de fazer o molho de caramelho, o flan porteño rivaliza com o pudim da minha mãe, o que é um feito nada desprezível.
É difícil comer mal em Buenos Aires. Mesmo os lugares de baixa categoria se esforçam em servir alguma coisa que preste. Dá a impressão de que até os cozinheiros mais miseráveis põe todo seu orgulho em jogo em cada prato. Apenas evite a cafeteria que fica bem em frente ao obelisco, responsável pelas batatas fritas mais tristes que já conheci.