Preciso ter aulas de mandarim
A Lenara Verle foi à China recentemente e trouxe como lembrança um livro de receitas. Obviamente não entendo nada, mas queria dividir com vocês as duas páginas abaixo.
A receita acima é de pombo. Interessante o ensaio sensual com uma ave morta que acompanha as explicações.
Vocês acham o cãozinho mais lindo vivo ou cozido?
Quase todas as receitas com carne mostram no topo uma foto do bicho ainda vivo, depois uma foto da carcaça e finalmente o prato já finalizado. Há cobra, tartaruga, pés de galinha, porco, pato, cordeiro. No Ocidente, um livro de receitas mostrando o animal vivo é simplesmente chocante, porque lembra que aquele pedaço de picanha sanguinolenta já foi um animal vivo. Pelo jeito, os orientais encaram a morte de forma um tanto mais saudável.
Ou talvez apenas ainda tenham mais contato com o campo. Na verdade, os habitantes de países urbanizados já tiveram mais tolerância à visão da morte. Hoje em dia, lembrar em uma mesa que o filé é no fundo um pedaço bicho morto pode ser considerada uma das melhores maneiras de se tornar impopular nas festas. Os supermercados já exibiram placas com desenhos dos animais de que os pedaços de carne na prateleira haviam sido extirpados. Não à toa, muitas crianças pensam que salsichas nascem em árvores ou algo assim.
Marcelo Träsel | 29.11.2007, 12:37 | Comentários (16)
Peça em um ato sobre brindes do McLanche Feliz
ATO 1, CENA 1
Minha mãe: "Clara, o que tu quer do McDonald's?"
Minha irmã: "Eu quero um McDuplo carne e queijo com guaraná?"
Eu: "Tem certeza que tu não quer um DVD dos Jovens Titãs?"
Minha irmã: "Mãe! Eu quero um McLanche Feliz carne e queijo."
ATO 1, CENA 2
Minha irmã: "Mano, eu estou com muita muita fome, então eu acho que o McLanche Feliz não vai ser o suficiente."
Cisco | 28.11.2007, 18:37 | Comentários (4)
Último Mesa de Cinema do ano!
No próximo sábado acontece a última edição do Mesa de Cinema deste ano. O filme será Comer, Beber, Viver, de Ang Lee. Os debatedores convidados são Antonio Hohlfeldt, crítico de arte e ex-vice-governador do Estado, e Márcia Schmaltz, tradutora do Chinês que já morou em Taiwan, cenário do filme. Mas importante mesmo é o comandante da cozinha, Carlos Kristensen, do restaurante Hashi. Embora nunca tenha comido lá, já ouvi falar muito bem.
O convescote começa às 11:00, com um coquetel. Em seguida, o filme é exibido. Após o debate, os comensais seguem para o restaurante do Café do Cofre, onde é servido um almoço inspirado nas receitas do filme. Os ingressos podem ser comprados pelo e-mail mesadecinema@gmail.com, ou pelo telefone 51 3061-1323. O preço é R$ 95, com todas as bebidas incluídas.
Marcelo Träsel | 21.11.2007, 14:45 | Comentários (6)
Media Luna Boutique de Doces
Este blog foi gentilmente convidado para comparecer ao café da manhã para imprensa da nova loja dos argentinos Abel e Clarita Blumenkrantz em Porto Alegre. Ambos, mãe e filho, já tocam um café de bastante sucesso com o mesmo nome na rua Dr. Timóteo, 890, que serve medias lunas bem recomendadas. Neste novo estabelecimento, a proposta é oferecer mais opções de doces e salgados aos clientes e, principalmente, doces porteños, diferentes dos tradicionais brasileiros.
Se for até lá, não deixe de provar em hipótese nenhuma a torta de amêndoas com doce de leite e a bomba de chocolate. Nem as medias lunas, é claro. Os croissants da Dona Clarita são idênticos aos servidos pelas cafeterias argentinas. Segundo ela, foram necessários dois anos para chegar à receita de uma massa que, embora folhada, não fosse gordurosa demais. Há também empanadas, que não cheguei a provar. E alfajores, claro, feitos com bolachas tipo cracker, doce de leite e cobertura de açúcar confeitado.
Dona Clarita foi começar a trabalhar no ramo da alimentação apenas quando se mudou para Porto Alegre junto com dois de seus filhos. "Mas ela sempre cozinhou para os filhos", lembra Abel. Abel e seu irmão mais velho decidiram vir para Porto Alegre após a crise econômica de 2001, que levou a Argentina à falência. Sem perspectiva de arrumar empregos em Buenos Aires, emigraram e se tornaram empresários. O irmão voltou para o lado de lá do rio da Prata, mas Dona Clarita ficou.
Ambos parecem muito sérios quanto à qualidade. Abel mostra com orgulho a cozinha, cujas praças foram organizadas conforme o sistema de trabalho kanban e é aberta para todos os clientes verem. "Queremos mostrar que somos honestos. Na outra loja, volta e meia os clientes perguntam se as medias lunas são do dia. Isso entristece." Faz questão de abrir as geladeiras, para provar que há apenas matéria-prima, nenhum doce pronto. Dona Clarita adianta que planejam fabricar e vender doce de leite próprio até meados do ano que vem, porque o produto nacional não é bom o suficiente.
O Media Luna Boutique de Doces funcionará de segunda a sábado das 9:30 às 21:00 durante o horário de verão. Os preços são razoáveis. Uma media luna custa entre R$ 3 e R$ 5, a depender do tamanho, mesma faixa de preço dos doces. Um espresso sai por R$ 2,15 -- aliás, o café merece destaque, é de excelente qualidade. Eles também aceitam encomendas de doces e salgados para festas.
MEDIA LUNA BOUTIQUE DE DOCES
Rua Fabrício Pillar, 681 (esquina com a Silva Jardim)
51 3407-3333
Marcelo Träsel | 20.11.2007, 21:41 | Comentários (11)
Guisado de pescoço de cordeiro
Neste fim de semana, apareceram nas prateleiras do supermercado Zaffari um monte de bandejas de pescoço e espinhaço de cordeiro. Resolvi aproveitar para tentar um ingrediente novo na minha cozinha. A receita escolhida foi um guisado simples, para valorizar o sabor do cordeiro. Como acompanhamento, um risoto de alecrim cuja receita pode ser encontrada aqui. Trata-se de uma preparação muito simples e ao mesmo tempo muito rica, que vai bem com uma grande quantidade de pratos.
PESCOÇO DE CORDEIRO GUISADO
Ponha o cordeiro em uma marinada com o vinho tinto, o dente de alho em pedaços, alecrim, sal e pimenta do reino por ao menos meia hora. Enquanto isso, pique a cebola, o pimentão, a cenoura e a pimenta. Retire a carne da marinada e passe dos dois lados na farinha de trigo.
Derreta a manteiga em uma caçarola e vá dourando os pedaços de carne um por um, dos dois lados. Acrescente a cebola, o pimentão, a pimenta e a cenoura e refogue por dois ou três minutos. Misture os tomates, junto com o caldo e refogue mais um minuto. Ponha a folha de louro, a salsinha picada e derrame um pouco do vinho da marinada na panela. Salgue, tampe e deixe cozinhar em fogo baixo de 30 a 40 minutos, ou até a carne estar macia.
Marcelo Träsel | 19.11.2007, 18:38 | Comentários (10)
Jambu vira moda no exterior
A revista Esquire pôs em 85º de sua lista de coisas a prestar atenção no próximo ano a planta conhecida nos Estados Unidos por Sechuan buttons. Trata-se do jambu, ou agrião-bravo, usado em diversos pratos da culinária amazônica -- e também em algumas cozinhas africanas e, claro, pelos chineses de Sichuan. Um expatriado acreano conseguiu plantar em Florianópolis. Será que existe em algum lugar de Porto Alegre?
Incidentalmente na busca por informações a respeito do jambu, encontrei outro excelente blog gastronômico, o JoCooking. O autor se dedica à culinária molecular, isto é, usar técnicas da físico-química para processar e apresentar os alimentos de maneiras extraordinárias.
Marcelo Träsel | 18.11.2007, 0:46 | Comentários (12)
Pança esperança
A blogueira tailandesa Pim Techamuanvivit, do Chez Pim, está reprisando a campanha Menu for Hope (Menu da Esperança), que no ano passado levantou mais de US$ 60 mil para o Programa Alimentar da ONU. Neste ano, o dinheiro levantado por meio de uma rifa eletrônica será destinado a um projeto de nutrição para as escolas de Lesoto, um país para lá de pobre da África.
A Joanna Pellerano avisou e estou pensando seriamente em participar. Como o prêmio tem de ser apelativo o suficiente para estrangeiros, de modo que pelo menos 20 pessoas se disponham a pagar US$ 10 por um tíquete da rifa, minha idéia é sortear um vidro de geléia de jaboticaba feita por mim mesmo. Que acham?
Quem não estiver disposto ou não tem dinheiro para produzir um prêmio e depois enviá-lo sabe-se lá para onde, pode ajudar divulgando o Menu for Hope. Se tiver algum conhecido dono de restaurante ou escritor, também existe a opção de combinar com eles de doarem um jantar um ou um livro de culinária. Pim só pede que as pessoas não saiam por aí tentando arrancar ajuda de chefs e autores famosos, o que prejudicaria a imagem do projeto.
Marcelo Träsel | 15.11.2007, 10:11 | Comentários (1)
Geometria da pizza
Quando descobri que o ex-asilo ao lado do Barranco, que há meses estava em reforma, iria se tornar uma pizzaria uruguaia, fiquei automaticamente ansioso pra conhecer o lugar. Primeiro, claro, por se tratar de mais uma opção gastronômica na cidade, em um espaço interessante, com uma área aberta sob a copa de árvores de aspecto muito agradável. Segundo, porque eu queria entender o que significava uma pizza ser uruguaia.
Cheguei a cogitar que se tratava apenas uma desculpa para batizar o lugar de Punta Del Diablo (obedecendo à seguinte equação: “a legítima A” = “um novo conceito em A”, sendo A um ramo de negócio qualquer), mas eu estava enganado. E se você pensou que a resposta era o formato da pizza, retangular ao invés do clássico círculo, também se enganou.
De fato, a pizza, assada em forno à lenha, é retangular e vem servida em uma base de madeira. Todavia, é no cardápio que está o segredo da coisa. Não tem sabor filé com batata palha, não tem sabor cachorro-quente, não tem sabor coração de galinha. Tem sabor de pizza de verdade, aliche, pesto, quatro queijos (com brie no lugar daquele usual creme nojento de catupiry), todas ótimas.
Concluí: é pizzaria uruguaia porque tem dignidade, como o sofrido e falido povo da Conaprole demonstra todos os dias. Uruguaio é orgulhoso e não baixa a cabeça, não podia servir pizza de milho, mesmo.
Ah: além do belo ambiente sob as árvores, a Punta Del Diablo tem estacionamento grátis. A pizza grande sai por pouco mais de R$ 20,00. Serve bem duas pessoas.
Ah 2: deve ter cervejas uruguaias, mas não afirmo porque só bebo Coca.
Ah 3: o cardápio ainda estava um pouco improvisado nas duas vezes que eu fui, especialmente na parte das sobremesas.
PUNTA DEL DIABLO
Av. Protásio Alves, 1472
Petrópolis - Porto Alegre
Saulo | 12.11.2007, 9:39 | Comentários (19)
Damask mudou para a Cidade Baixa
A lancheria árabe que ficava na Riachuelo abriu em novo endereço, na Cidade Baixa, onde antigamente ficava o restaurante vegan São Jorge e o Dragão. Não apenas as instalações do Damask melhoraram muito, mas parece que a comida, preparada por um imigrante palestino, também foi inteiramente retocada e está ainda mais saborosa.
No último sábado pedimos sanduíche de shawerma, mais conhecido no Brasil como churrasco grego, sanduíche de falafel (bolinho de grão de bico) e homus (pasta de grão de bico), além de porções de falafel. Os sanduíches estavam excelentes, bastante temperados, e além disso são gigantescos. A carne, ao contrário dos churrascos gregos das biroscas paulistanas, é de primeira qualidade. O destaque, no entanto, vai para o falafel, com toda certeza o melhor de Porto Alegre. É frito na hora, não é servido seco como o deserto do Saara e vem acompanhado de um ótimo molho de iogurte. Dizem que o quibe cru ali também é muito bom. Na verdade, colocaria o Damask hoje em segundo lugar como melhor restaurante árabe de Porto Alegre, atrás apenas do Lubnan, mas bem à frente do Baalbek e do Al Nur.
Outro ponto a favor do Damask é oferecer Heineken 600ml aos clientes, que ainda podem se jogar na "tenda árabe" do segundo andar e fumar narguilé. Os preços não são baixos, mas também não são absurdos. O jantar saiu R$ 20 por pessoa, incluindo aí bastante cerveja. É pena que só abra à noite, das 18h às 0h, e nos domingos ao meio-dia e à tarde. Nas segundas-feiras está fechado.
DAMASK
Rua Sofia Veloso, 61
51 3026-0490
Marcelo Träsel | 12.11.2007, 8:29 | Comentários (9)
Alho assado
A maioria das pessoas relaciona o alho imediatamente a mau hálito e suor azedo. Isso porque a maioria das pessoas nunca provou esse vegetal cozido ou assado por tempo suficiente para evaporar todas as substâncias químicas causadoras desses efeitos adversos. Estão perdendo também de descobrir que o alho pode ser muito bom consumido puro.
Na verdade só descobri isso quando vi uma travessa alhos assados no balcão de antepastos do restaurante Atelier das Massas. O proprietário, o artista plástico Gelson Radaelli, estava dando sopa ali em volta e aproveitei para desfazer meu estranhamento. Ele explicou usava a variedade branca, um pouco maior do que a roxa, porque é mais suave. Bastava assar no forno por meia hora e depois regar com azeite de oliva.
Há alguns dias finalmente me dispus a testar a receita. O resultado está aí na foto. Foi testado num jantar para quatro pessoas, sendo duas mulheres, e todos gostaram dessa entrada. Só errei ao cortar o topo do alho antes de levá-lo ao forno, o que fez evaporar demais o líquido. Coloque-os inteiros e corte a tampa depois de frios, com uma faca bem afiada.
Marcelo Träsel | 8.11.2007, 19:38 | Comentários (7)
Amar a cerveja sobre todas as coisas
Marcos Becker Rostirolla tem profissão de personagem de Nelson Rodrigues. “Sou protético”, se apresenta. Ido Décio Schneider trabalha como analista de dados da IBM. Paula Mühlbach, a organizadora, é webdesigner do Tribunal de Contas do Estado. Diretor de arte de uma agência de publicidade, Maurício Chaulet dos Santos é um dos mais jovens do grupo. Tem 28 anos. A unir profissionais tão díspares, o gosto pela boa cerveja. Mas não apenas por beber cerveja. Também por fazê-la.
Está reunida pela segunda vez a confraria de cervejeiros artesanais, entidade ainda sem nome oficial que agrega representantes de um fenômeno brasileiro nos últimos anos: o apreciador que busca a própria versão caseira das caras marcas importadas à venda nos supermercados. O local da reunião é o Bierkeller, bar da Bela Vista, em Porto Alegre, onde 23 cervejeiros amadores se reuniram para discutir a fabricação de cerveja, trocar informações sobre cerveja e, naturalmente, beber cerveja.
O tempo de experiência dos presentes na fabricação de cerveja mostra como o fenômeno é recente. Embora Rafael Cornélio se destaque, já tendo produzido desde 1989 mil versões de sua Flachbier, que levou para a reunião numa garrafa pet de plástico de dois litros, a maioria começou depois de Léo Sassen, um dos donos da BSG Cervejeiros Artesanais, que fabrica a própria cerveja desde 2004. Formada por Sassen, diretor de TV, e dois sócios, um advogado e um médico, a BSG produz 450 litros de cerveja todos os meses. Poderia ser o dobro, mas os donos não se interessam em criar uma cervejaria comercial. A produção atual é dividida entre eles e os amigos. A BSG é um hobby caro, ocupando um galpão alugado apenas para os equipamentos. Equipamentos mesmo, caros e importados, não as improvisações que marcam a maioria das cervejarias caseiras.
São raros os cervejeiros que aceitam pagar pelos equipamentos originais (fermentadores, provetas, densímetros, caldeirão, moinho para cereais) vendidos em algumas lojas e sites, que podem exigir um investimento inicial de R$ 5 mil. Lamentam que no Brasil a home brew (nome de luxo da cerveja caseira) ainda não gerou o surgimento de lojas especializadas e de preços em conta como em Buenos Aires. E recorrem ao improviso. Não é preciso mais do que uma panela grande, uma torneira e um cano, além do serviços de um funileiro para uma cervejaria. Com apenas R$ 300 é possível começar a fabricar a própria cerveja. É quanto Marcus Becker Rostirolla, o protético, gastou em equipamentos para produzir, desde maio, seis versões da sua cerveja ainda sem nome, que levou em garrafas de Skol para a degustação. Vitório Levondovski, dono do bar onde se reunia a confraria, é convidado a experimentar um copo da mais nova safra, deveras amarga. Bebe um gole e brinca:
– É uma Skol.
Risadas gerais. Depois emenda, contemporizador:
– É sempre melhor do que uma pilsen.
Culpem a cerveja que domina o gosto nacional. Na década de 40, ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos fenômeno parecido. Grandes cervejarias compraram fábricas menores que produziam cervejas de sabor mais forte. No Rio Grande do Sul, ocorreu com a lendária cervejaria Continental, comprada pela Brahma. A partir daí os sabores diferenciados, como ale e lager, desapareceram e a pilsen se massificou. Cerveja de baixa fermentação criada em 1842 na atual República Checa, corresponde atualmente a 98% do mercado nacional. Tolera melhor os conservantes sem alterar demais o sabor, o que facilita o processo de produção, transporte e venda. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, o Brasil é o quinto maior consumidor de cerveja do mundo, com 8,5 bilhões de litros anuais. Chineses, americanos, alemães e russos, nesta ordem, bebem mais cerveja.
Os pequenos cervejeiros não querem saber de pilsen. Todos se inspiram na lei de pureza alemã, com a qual, em 1516, o duque Guilherme IV da Baviera estabeleceu as regras para uma boa cerveja: não deve levar mais do que água pura, cevada e lúpulo. As cervejas caseiras em geral têm mais malte do que as industrializadas, com grandes variações em relação ao dourado pálido da preferência nacional. Não levam conservantes ou estabilizantes e duram pouco mais de uma semana fora da geladeira, o que impede a produção em larga escala. Se fossem vendidas muito longe da fábrica, certamente estragariam durante o transporte.
O fenômeno das microcervejarias começou na década de 80 nos Estados Unidos. Fabricantes artesanais encontraram um nicho de mercado: os apreciadores de cervejas com gosto mais forte e encorpadas. No Brasil, a fabricação caseira teve impulso apenas nesta década. E, ao contrário do que ocorreu décadas antes, as cervejarias que começam a se destacar em geral resistem ao assédio das grandes. Por isso recentemente a Schincariol causou rebuliço ao comprar duas tradicionais marcas artesanais, Baden Baden e Devassa, do Rio de Janeiro. Não há modificações à vista no sabor das cervejas, mas os cervejeiros acompanham o caso com atenção.
Porto Alegre está na vanguarda da cerveja artesanal no Brasil, garante Sassen. Há confrarias mais antigas no Rio de Janeiro, porém a capital gaúcha, onde já há algum vêm se tornando comuns bares com uma oferta diferenciada de cervejas, começa a se destacar por suas marcas próprias. Três delas gozam de certa fama: Schmitt, Abadessa e Coruja. Todas possuem teor de álcool maior o que o das cervejas normais (enquanto uma pilsen tem entre 3 e 5%%, uma Barley Wine, da Schmitt, possui 8,5%) e já são vendidas em bares. Mas o crescimento da produção também faz os apreciadores desconfiarem que no futuro talvez não conseguirão manter a mesma qualidade.
Isso leva a falar da Eisenbahn. Eisenbahn é o modelo admirado entre os cervejeiros amadores: uma marca pequena que se expandiu sem perder a qualidade. Partindo de um formato artesanal, a indústria de Santa Catarina começou a ocupar há poucos anos as prateleiras dos supermercados com uma variedade de cervejas de sabor mais forte. Recentemente a marca artesanal White Head, outra marca do Rio Grande do Sul, anunciou que está seguindo o mesmo caminho e se transformando em cervejaria. A cerveja gaúcha Dado Bier, do bar e cervejaria de mesmo nome, já é vendida há alguns anos nos supermercados. O segredo é servir a um público que geralmente é jovem, tem bom poder aquisitivo e busca novos sabores. As cervejas especiais custam muito mais caro do que as normais. Dependendo da marca, uma garrafa pode chegar a R$ 200, preço da belga Deus, considerada a melhor cerveja do mundo. As grandes cervejarias já abriram os olhos para o filão e lançaram linhas de cervejas diferenciadas para concorrer com as importadas.
Todos os presentes ao encontro fazem parte de uma lista de discussão na Internet que reúne 30 apreciadores de cerveja caseira. É a segunda reunião ao vivo entre eles. Oportunidade para que Maurício Chaulet conte que seu hobby já lhe causou problemas conjugais. O sogro, ao saber que o genro passara a fabricar a própria bebida, chamou a filha para uma conversa. Ânimos serenados, Maurício produz a Chaulet desde 2005 na cozinha do apartamento.
– Em casa eu sou tratado como alcoólatra – diz em tom de brincadeira.
A iniciação se deu pela mãe de um amigo, que também fabricava cerveja. Ele e o amigo começaram a produzir juntos, mas a primeira tentativa deu errado. O amigo desistiu. Maurício, após pesquisar o assunto na Internet durante um mês, decidiu seguir sozinho. Tentou novamente. Deu certo. Dois anos depois, de 30 em 30 dias, faz 20 litros de cerveja da qual é o único consumidor.
Rafael Cornélio, 35 anos, é o mais experiente cervejeiro do grupo. Também é pesquisador da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dezoito anos atrás, começou a produzir cerveja com o avô, que dois anos antes terminara o curso de mestre-cervejeiro. Rafael é autodidata. Essa é uma característica marcante do grupo. Nenhum deles passou por um curso. Em vez isso, buscam na internet e nos contatos pessoais novas fórmulas e misturas. Reunidos, discutem equipamentos e dicas para a produção artesanal. Têm um vocabulário próprio. Frutada, por exemplo, é a cerveja que na maturação adquire um sabor ou odor de frutas. Cerveja do tipo weiss, feita de trigo, mais leve e densa, afirma Chaulet, tem gosto de banana.
Há um ritual para a degustação. Ido Décio Schneider, 50, anuncia a cerveja densa e vermelha que produz em um barril na garagem do prédio.
– Red Ale.
Serve vários copos e anuncia:
– Essa tem seis tipos de malte.
Ido e alguns outros também freqüentam a Confraria da Cerveja, no Clube Sogipa. A reunião presente não é uma dissidência ou algo parecido. Tanto que vários participantes se interessam quando aparece um cartaz anunciando um torneio de cerveja no grupo concorrente. Marcam de se encontrar na outra confraria para desfrutar da anunciada degustação de todas as participantes.
Na canjibrina, criação de Paula Mühlbach, do físico Heitor Marques e da publicitária Desirée Marantes, cada safra recebe um rótulo diferente. O trio produz cerveja desde setembro de 2006 e estava com a 16ª experiência fermentando na cervejaria instalada no quarto de empregada do apartamento dele. Servem garrafas da 11ª, 12ª e 13ª safra aos presentes. Muda o rótulo, mas o slogan é sempre o mesmo: “Amar a cerveja sobre todas as coisas”.
As últimas garrafas estão sendo servidas e a reunião está quase no fim quando os participantes começam a debater a periodicidade dos próximos encontros. Um grupo quer que as reuniões sejam mensais, outro acha melhor que sejam bimestrais para dar tempo de preparar e levar uma nova cerveja. Argumentos de parte a parte, decidem todos pelo meio-termo. As reuniões serão mensais, mas se alguém quiser aparecer só de dois em dois meses não haverá problema.
E, sim, fazendo jus à célebre correlação entre cerveja e a má forma física, todos ostentam nem que seja uma barriguinha.
alexandre rodrigues | 4.11.2007, 13:31 | Comentários (24)
Café do Porto
Uma reunião ontem me levou até o Café do Porto, na rua Padre Chagas. Para quem não mora em Porto Alegre, cabe informar que é o eixo do jet-set local -- e dos candidatos à categoria, é claro --, coalhado de bares e restaurantes dos mais variados tipos e qualidades. O Café do Porto é um dos pioneiros, está lá há mais de dez anos, o que certamente não ocorre à toa.
Como era de se esperar, tudo é muito caro. O espresso sai por R$ 3, um pedaço ridículo de rolinho de goiabada custa cerca de R$ 7. Até aí, faz parte do jogo. O lugar é muito bonito e agradável, no bairro mais caro da cidade. De fato, tomar uma cerveja artesanal Helles numa tarde de sábado ensolarada (R$ 23 o garrafão de dois litros) vale abrir um pouco mais a carteira.
Não sei se o espresso vale o preço, mas o raviolone de vitelo com molho de funghi secchi (R$ 19) certamente poderia ser feito na hora, em vez de tristemente requentado. O tempero do recheio é até bastante bom, apimentado como raramente se vê em restaurantes porto-alegrenses, mas os cogumelos que um dia povoaram o molho são liquidificados, o que é um acinte. Considero o prato no máximo razoável.
No fim das contas, o Café do Porto em geral oferece um bom serviço e se esforça para servir comida de qualidade. Provavelmente é mesmo um dos melhores lugares da região. Alguém aí tem uma opinião sobre o café em si?
CAFÉ DO PORTO
Rua Padre Chagas, 293
Moinhos de Vento