Refaça
Reaproveitar as sobras é uma constante na minha família. Fico muito chocado quando vejo gente pondo fora meia panela de comida, como se isso fosse normal. Estava diante de uma geladeira cheia delas quando resolvi fazer um almoço rápido, que não consistisse em apenas requentar algo.
De posse de uma suculenta carne de panela feita pela minha mãe no início da semana, quis evitar de simplesmente fazer um arroz branco para acompanhar. Encontrei dando sopa por ali uma tigela cheia de abacaxis dulcíssimos, e um vinho branco seco desses não muito confiáveis para saborear na taça, mas que podem dar um gostinho a mais quando levados ao fogo.
Tentei evocar na memória alguma lei que desaprovasse profundamente a mistura, mas engatei o "e por que não?" e mandei bala. No máximo teria mais sorte da próxima vez.
Numa panela pequena, coloquei o bloco de carne que estava acompanhado de farto molho solificado. Num fogo médio, comecei a notar o perigo de queimar o fundo, então acrescentei um fundo de copo de água, só para dar tempo de tudo se desmanchar um pouco mais.
Enquanto esperava, peguei duas rodelas de abacaxi e cortei em cubos não muito pequenos. A fruta disponível era bastante pequena, da variedade pérola, plantada em Terra de Areia.
Quando boa parte do molho cedeu, somei meia xícara do vinho branco. Tampei por um minuto para impregnar tudo, abrindo logo em seguida para que o álcool evaporasse sem deixar um gosto muito forte. Coloquei os abacaxis e um pouco de pimenta preta misturada com limão. Mexi um pouco e deixei cozinhando mais uns 3 minutos.
O molho quase se transformou num pirão, porque muitos pedaços de carne se soltaram. Só coloquei alguma folhas de alface e rodelas de tomate para acompanhar e voilá: não foi necessário pegar aquela lasanha congelada da Sadia para matar a fome. Na verdade, descongelar aquela tranqueira levaria muito mais tempo do que preparar essa refeição.
Alguns podem achar abacaxi quente algo estranho. Não me incomoda, mas deixando esfriar alguns minutos pode melhorar a fruição do prato. A pimenta com limão aparentemente realçou a acidez do abacaxi, que poderia se perder no meio da carne forte. Apesar de encorpado, o prato não é pesado. Uma versão de inverno poderia vir junto com um purê de aipim e um molho de pimenta mais elaborado.
A carne utilizada foi músculo, uma das minhas iguarias favoritas desde a infância. Inquiri minha genitora sobre o método de preparo, e pareceu muito simples.
Tempere a carne com sal, pimenta e o que mais der na telha (ela usou aqueles temperos prontos da Kitano que têm absolutamente tudo, de aipo e cúrcuma até fécula de mandioca, supostamente). Coloque também umas 3 folhas de louro. Numa panela de pressão, cubra a carne com água e cozinhe por aproximadamente 30 minutos. Destampe a panela e adicione mais algum vegetal, se quiser (cebola ou tomate podem ser uma boa). Siga cozinhando até reduzir o molho e obter um caldo grosso. Corrija o sal ao final.