INSETO MONSTRUOSO
A edição de Metamorfose que eu tenho indica a tenra idade em que a li pela primeira vez. Foi na sétima série, eu tinha 12 anos ou 13 recém feitos. Lembro de ter lido o livro bem rápido, talvez uma tarde. Não tive muita dificuldade com o português da tradução do Modesto Carone, mas seguramente não absorvi na ocasião toda a angústia do estilo protocolar e altamente descritivo que o escritor tcheco usa para relatar sua história absurda, parábola de ingratidão, violência e um estranho desenlace que flerta com a felicidade.
Esta leitura precoce me afastou do livro por mais de dez anos. Começava a reler e, ao recordar frases e trechos inteiros, concluía que era inútil prosseguir e pegava outro livro qualquer.
Doze anos depois e quiçá bastante mais maduro, consegui retornar numa tarde à obra que inaugurou a literatura do século XX. As alterações visuais que tenho há sete anos obrigavam a reler alguns trechos mais fechados e semelhantes a petições. O efeito que a narrativa fria confere aos elementos absurdos do fantástico é insuspeitavelmente brutal. Como mostra o exemplo, só uma frase cheia de adjetivos para descrever o efeito que a obra teve em mim. Agora é possível compreender intenções inescrutáveis para o guri de 12 anos que eu era. A figura ingrata da irmã, que levianamente cuida de Gregor Samsa no início para posteriormente ser a primeira a declarar necessário seu desaparecimento adquiriu uma posição central insuspeitada. E, de forma conveniente, o final com seu espreguiço juvenil sela com segurança a posição de inconsciente vilã que ela tem ao longo de toda a história. Muito mais monstruosa que a metamorfoseada protagonista.
19/04/2005 18:06 | Comentários (11) | TrackBack (0)