SACO CHEIO COM O FUNK
O grau de saturação que experimento pelo mundo exterior é cada vez mais intolerável. E o pior é que não está acompanhado de necessidade de isolamento ou ausência de comunicação, pelo contrário. Gosto de conversar com pessoas e de ser surpreendido por exemplares interessantes do ser humano, especialmente deste peculiar espécime denominado carioca. Foi para ser surpreendido que vim. Mas não está acontecendo. Praticamente sem exceção, a tônica é o diálogo pré-achaque - reflexo deste país em que a classe média branca decadente é a maior vítima da concentração de renda. (Considerem esta minha contribuição tardia para a capa da ironia. Embora fale sério.)
Mas vim querendo falar de funk, este do pancadão, da siririca na cara, do álcool com fósforo no X-9 vacilão. O valor dele não é a forma como é feito, mas a leitura que nós, os intelectuais de boteco no país do analfabetismo funcional, fazemos. Nós rangemos os dentes ou rachamos o bico com as letras, mas o caso é que não é irônico - o universo dos caras é aquele ali e não passa disso, enquanto que, das camas confortáveis e da internet banda larga podemos nos distanciar, achando a maior graça. Eu mesmo, quando acordo bêbado ainda de outro trago sem sentido, vejo subversão no pancadão, mas estou sóbrio há alguns dias para achar um pouco triste. É melhor que qualquer sertanejo, é melhor que qualquer dance ou trance ou rap ou jungle, é sincero, mas é expressão de miséria. E é esta miséria que refletimos exaltando funk, ainda que por consumo irônico. Vai falar com os caras e não tem nada de ironia. Eles tão ali para se divertir e para chocar, mas em última análise tem quase o mesmo efeito que o grito de anúncio dum assalto. E, por mais que comece com piada (SÓ EXISHTE DUAJ VACILAÇÃO NO MUNDO, É VIRADO VIADO E CAGÜETÁ), o hit Fogo no X9 de Cidinho e Doca soa como um daqueles cânticos tribais africanos pela tristeza de ter que queimar o irmão no microondas porque ele traiu a firma.
Eu tô de saco cheio com o funk. De saco cheio com a miséria mental do Brasil. E não posso nada contra isso.
04/05/2005 09:37 | Comentários (22) | TrackBack (0)