UMA FICÇÃO
Budismo de Alcova
Estavam gozando satisfação de barriga pra cima, olhando os próprios corpos refletidos no espelho. Momento de angústia.
- Aquele lance que você falou a respeito de karma, estava pensando por estes dias, não tem nada a ver com o que nos aconteceu.
Era preciso alguma retórica para responder.
- Esta idéia de karma é um princípio budista. Na real, eles acreditam em primeiro lugar que toda idéia de sofrimento se origina de uma ilusão, uma ilusão que antecipa todas as outras, que é a ilusão do ser. A individualidade nada mais é que um recurso da natureza garantir a própria complexidade da criação. Para que existissem organismos complexos a bactéria original precisou se agregar a outra e a outras sucessivamente e com isso formar indivíduos cada vez maiores em tamanho. Como é um trabalho este - de agregar organismos - é necessário também que haja alguma forma de fazer com que eles durem ao máximo vivos e assim a complexidade e o cérebro (unidade e célula agregadora) foi aumentando através da evolução de espécies até chegar ao homem, que é dotado da hiperexistência.
- Hiperexistência?
- É, tipo não apenas a consciência de sua própria individualidade, que é uma coisa também própria ao cavalo, ao cachorro e ao gato, mas também da consciência de sua morte e da ânsia de sobreviver a ela através da memória dos que estão vivos. É uma coisa boba porque seja onde quer que tu esteja não importa que as pessoas lembrem ou não de ti. Não faz a menor diferença: tu tá morto igual. A individualidade não existe mais pra ti. Mais que isso: a individualidade nunca existiu. É a primeira das ilusões, ao que se segue o amor, o prazer, a dor, a vontade, ambições, dissabores. Tu faz parte de um conjunto. Esta é uma idéia libertadora.
- Mas e o karma com isso?
- O karma é uma força física. Uma extensão do único princípio da física, que explica todos os outros: o da ação e reação. Se há uma energia positiva aqui, ela se explica por uma negatividade anterior e vice-versa.
- Mas eu não fiz nada de mal!
- Mas tu pode ter feito em outras vidas. O budismo acredita em outras vidas. Se a roda não girou antes de tu desencarnar na outra, ela pode estar girando agora. Mas isso já é admitir a idéia de individualidade, considerar a hipótese de reencarnação. Eu quero extirpar toda essa ilusão de individualidade. Deixar para trás este apego, que é o maior de todos, libertar ao limite máximo. Proporciona a liberdade absoluta. O Nirvana. Então não há mal nem bem. Não há nada.
- Impressionante ao que tu apela para renunciar a qualquer responsabilidade e continuar sendo um perfeito filho da puta.
27/07/2005 15:30 | Comentários (0) | TrackBack (0)