MATAGAL
Ainda e sempre me impressiona o descaso com que se encara toda a sujeira em volta de casa. Muita gente - conhecidos meus, parentes - trata a limpeza de sua casa com todo o escrúpulo que consegue, inclusive paga R$ 50 (ou mais, muito mais) para alguém que se disponha a cuidar disso. Mas o que está fora, o que está em volta, é encarado como um caso perdido. E eu acredito mesmo que seja. Como um jardim que está entregue ao matagal, os problemas sociais são ignorados por grandes demais para serem sequer considerados. Entregamos os pontos. Não é apenas mais fácil, mas é a única solução para viver em paz - o isolamento. Claro que nem todo o isolamento é hermético: a merda muitas vezes entra, por mais que estejamos bem vedados. Um assalto aqui, um seqüestro, um parente, amigo ou conhecido sofre alguma violência. E tu te torna vítima do estresse involuntário, passivo.
Seria também fácil e confortável dizer que tudo é culpa da desigualdade social. Da babaquice da classe dominante. Da falta de oportunidade para a classe trabalhadora, que come merda. É um fracasso coletivo. Uma falta de educação na raiz. E é um monte de obviedades o que estou dizendo, eu sei. Estou bem aqui acomodado vendo crianças matriculadas por R$ 1800 a semana na escolinha do Milan, donas de casa da Vila Nova Conceição ensinando suas "empregadas high tech" a apertar botões e chamá-las "secretárias do lar", vejo os manos largarem seus pacotes de cigarro nos canteiros, invadir a tua tranqüilidade jogando água suja no para-brisa, pago taxa de recolhimento de lixo e não tenho nem a tranqüilidade de saber que há coleta seletiva. Estou numa cadeira de praia tomando meu sol e vendo o matagal em que se transformou o jardim em volta da minha casa. Sem a certeza de que o que ouço da favela ao lado são mesmo fogos de artifício.
Tudo certo, fora o desconforto. Que não ajuda em nada.
10/01/2006 01:02 | Comentários (0) | TrackBack (0)