A PRETA
A preta é uma cadelinha guaipeca que guarda a porta de um bar chamado Nova Ceasa, aqui na Avenida Jaguaré. Quando eu chego, a preta está ainda pelo social. Perto das 17h, ainda dia, brincalhona e sociável, aceita carinhos e algum outro agrado nutritivo. Quando alguém transige em passar a mão em seus pêlos sebosos, a preta não se contenta: pula em cima do sujeito que a acarinhou, exige mais, abocanha sua mão, implora.
Lá pelas 19h14min a preta já não quer mais saber de papo. Com as orelhas sentinelas, olha para a avenida e os vultos barulhentos de carros e motos com ar irritadiço, procurando encontrar algum erro, mesmo que imaginário. Late, late para algum ponto indefinido, talvez do outro lado da rua. Seus latidos são encobertos pelos carros, ônibus, caminhões e motos, e ela fica emitindo um desconforto surdo, para um nada dinâmico e preto, como ela. Se estivesse no breu de algum descampado, seu latido poderoso seria ouvido a milhares de metros. Ali não.
A preta, cansada de esperar que algum churrasquinho fosse deixado de lado pelos presentes, revira o lixo. Por algum motivo considera apetitoso um pedaço de papelão molhado de chorume. Mastiga, deglute e, por fim, engole. Abana o rabo para mais algum ruído na avenida que só ela pode distinguir, em meio ao tumulto de sons.
06/04/2006 22:07 | Comentários (12) | TrackBack (0)