SOBRE MARGINAIS, MILIONÁRIOS E SALTITANTES
Meu pai costumava usar o adjetivo "saltitante" para troçar intimamente de um chefe do meu tempo de escoteiro, uma forma de denegrir tanto sua suposta homossexualidade (lendária) quanto uma alegria e empolgação constante e extremamente afetada (factual). Não imagino adjetivo melhor para a instituição do tricolor paulista - não falo apenas de um aspecto particular, falo de uma acepção global do que simboliza o São Paulo. Seu hino, os gritos de torcida, a própria atitude da torcida, o time, as instalações do estádio, a localização do estádio, a história, o apadrinhamento cego por parte dos meios de comunicação locais. Nunca um apelido zombeteiro foi tão apropriado. Bambi.
Antes de chegar a este resumo emblemático de tudo o que foi visto, cabe uma contextualização. Algumas semanas atrás a Carol descobriu que existe uma parte reservada da Bambineira para um banco patrocinador do clube. Como imensa parte do estádio, o espaço deste banco também costuma ser desperdiçado, ficando vazio. Mesmo que não envolvesse nenhuma de nossas equipes do coração, a primeira partida desta fase quente da Libertadores pareceu uma boa desculpa para tentear usufruir da mamata, coisa que se conseguiu sem maior dificuldade. "Que se quebren los dos." Munidos dos dois ingressos, acabamos rumando de carro ao Morumbi, o que se revelou um erro fatal.
Já na região da Vila Olímpia, o engarrafamento do jogo já se somava ao natural movimento pesado da cidade, que se dilata diariamente na hora do rush. A inércia do trânsito é atroz. Chegando nas cercanias do estádio, a adversidade é dos guardadores de carro, que não demorarão muito a abrir o trinco dos carros e nos arrancar para fora, num gesto que talvez entendam como cordial. Recusando espaços, oferecidos por quantias de R$ 20 e R$ 30, quase atropelando alguns seres com atitudes simiescas (e com muita vontade de ir às vias de fato), acabamos no meio da multidão de torcedores nos acessos do estádio. Dentro do carro fechado.
Estou para ter um ataque histérico,garante Carol, enquanto o veículo se desloca muito lentamente em meio à turba. É estranho pensar que estamos num dos metros quadrados mais caros da capital. Detalhe importante é que o carro vem falhando e precisa de uma troca de peça, numa estranha rotação irregular, o que tornava a experiência tanto mais intensa. Finalmente, um estacionamento ao lado da arena parece oferecer uma salvação. O preço é inimagináveis R$ 25, mas a lei da oferta e da procura já tinha feito sua mágica. Uma pechincha. O carro não é capaz de subir a ladeira do estacionamento. Precisa ser empurrado para cima por alguns dos "funcionários" do parking lot. Nada mais justo.
As acomodações pertencentes à instituição financeira não impressionam. Lembram muito uma arquibancada comum, mas com um serviço de open bar com sanduíches finos e refrigerantes. Álcool nem pensar. Descubro um pouco mais adiante a VERDADEIRA área VIP, mas nesta tenho acesso negado. Nenhuma surpresa.
Não creio que tenha muito mais a acrescentar à crônica de um jogo que teve televisionamento em rede nacional. O que a saltitante televisão talvez não tenha mostrado é que, enquanto Rogério Ceni batia suas faltas na barreira ou por cima do travessão, o número 5 Miranda obedientemente ocupava a meta. Uma imagem emblemática do ridículo, consagrada com o único gol da partida sendo anotado pelo próprio.
Sobre a torcida, é preciso dizer que possui o velho vício brasileiro de se manifestar apenas quando o time está no começo da armação de alguma jogada de ataque, ou acabou de concluir com perigo. É o oportunismo repugnante de um torcedor que desconhece o sentido verdadeiro do apoio incondicional que deve dar. É um oposto em que temos do outro lado a hinchada argentina, com seu exemplo de postura - ainda que um tanto afrescalhadamente espartano (faz parte).
A torcida sãopaulina atingiu seu ápice de empolgação na noite desta quarta ao mandar o Grêmio tomar no cu. E chegar ao pico da animação com o nome do adversário na boca denuncia muito sobre a mentalidade de uma multidão. Quando consegue se focar no próprio time, declama o VAMU SÃO PAULO, VAMU SÊ CAMPEÃO, sem dúvida a pior manifestação de massa que o mundo já produziu. É um grito de torcida que saltita, alegre, bobalhão, completamente equivocado.
Falo isso sem rancor, sem nenhuma sombra de mágoa, já que no ano passado meu time se sagrou campeão da América naquele mesmo lugar e com muitos daqueles mesmos seres lamentáveis presentes. Mas com a imensa maioria vendo de suas poltronas, pela Globo. Desejo uma grave e interminável crise financeira no clube para o próprio bem do São Paulo. Só com muitos anos na fila e pelo menos uma passagem pela Série B é que talvez aprendam o que é torcer.
No mais, a vaga para mim está tão aberta quanto antes. Seja quem for que passar, conta igualmente com minha antipatia.
A saída teve o indefectível problema do amontoamento de carros estacionados bloqueando o teu. Se você, portoalegrense, acha que é no Olímpico ou no Beira Rio que esta desgraça encontra seu ápice, think again.
03/05/2007 01:25 | Comentários (17)