São Paulo tem diversas formas de te seduzir. Poderia enumerá-las, mas são tão incontáveis quantos seus restaurantes, suas ruas que se confundem, os carros que circulam nelas, a infidade de pessoas que chegam todos os dias atrás de seu eldorado particular, as moças. A cidade tem os odores mais pestilentos e os aromas mais refinados. Pode-se dizer tanto dela que uma hora parecerá uma tolice querer definir. São coisas demais para ter a pretensão de formar um conjunto. E ela te dá uma piscada no vão entre um prédio e outro, de trás da fumaça. Ela flerta contigo o tempo todo e tu resiste em te entregar pra ela. Até que São Paulo resolve tua vida, a tua e a de quem te trouxe em sacrifício pra ela (um longo sacrifício), em uma única tarde. É neste momento que São Paulo toma conta de ti, arranca tuas roupas, te morde e como que diz: tu é meu, tu não vai encontrar o que eu tenho pra te oferecer em nenhuma outra cidade. Pronto. Tu já é parte de São Paulo.

Queria entender que impulso é este que nos leva a combinar, chegar sempre atrasado (menos eu, dono da casa, e um constrangido primeiro presente), cada um com cerveja e um pedaço de carne, pratos plásticos obrigatórios pela preguiça, começar um fogo, abaná-lo, colocar carnes, umas depois das outras, esperar assar, comer entre goles de cerveja que já nem dá mais tanto prazer assim e tu não sabe por que continua tomando, para depois ficar farto, querer sentar, acender um cigarro, e continuar rindo, tagarelando, gritando, tendo todas as melhores conclusões, para depois perceber a mesma sensação de esgotamento que tu sente refletida nos teus convidados, que já querem ir embora, uns antes dos outros, outros (estão gostando da conversa) querem ainda ficar e tu olha para as sobras, para os espetos, talheres sujos, para os plásticos, para as carnes frias, e sente um misto de repulsa e veneração, repudias e acreditas naquilo, sabes que continuará acontecendo para todo o sempre até que não aconteça mais porque tu já vai estar morto... ou sem uma churrasqueira.

Foi um churrasco de conclusões. Collor foi sem dúvida nosso melhor presidente. Foi injustiçado. Sofreu um impeachment obtido por pressões espúrias e uma minissérie global. Valia ponto sair às ruas difamar o presidente que abriu a economia e acabou com a reserva de informática. Me sinto muito melhor representado por um playboy que faz cooper e anda de jet-ski do que por um ex-operário mutilado e semi-analfabeto. Descullpa, Collor.

Em outras notícias, soube por alto e num acaso do texto que Mirisola escreveu para a Zero Hora e não foi publicado por este veículo. Dei risada. É um caso típico da inadvertida ignorância sobre o que acontece fora de seu campo de visão. Contrataram um cara que, todos do meio sabem, é um iconoclasta que não seria capaz de perder esta oportunidade de botar no cu dos que tanto odeia. Não sou muito fã da literatura de Mirisola, sequer a conheço, e desprezo seres capazes de citar Cazuza. Eu mesmo comecei a entender Cazuza depois que morei um ano no Rio, mas não digo isso muito alto e, principalmente, não cito o cantor em hipótese alguma. Mas Mirisola citou na primeira frase. E Marião, que publicou o texto, voltou a citar Cazuza ao agredir verbalmente os que agrediram verbalmente seu amigo. Não sou amigo de nenhum dos dois, sequer os conheço, mas achei o texto bom porque concordo com ele. Concordo com a ingenuidade de acusar as grandes corporações. Elas estão lá em cima e são responsáveis por tudo de bom e de ruim que acontece. Como dito ontem no churrasco, é preciso ser louco para olhar tudo que existe e não ficar um pouquinho revoltado. Ninguém está falando de mudar, nem aqui nem no texto do Mirisola, mas simplesmente em usufruir das benesses e falar mal. É a única atitude inteligente. Só porque comemos na mão das grandes corporações não somos também obrigados a falar bem delas.

E o mais perturbador no texto do Mirisola e em sua atitude é pensar que eu provavelmente não seria capaz de fazer a mesma coisa.

A íntegra do texto não está no blog do Marião, pelo menos não encontrei. O texto inteiro pode ser lido aqui (em itálico).

Tevez nesta fase de melena alisada = Anthony Kiedis.

Aliás, que cara massa. Tem que admirar. Quando eu, ou tu ou qualquer assalariado comum não está mais afim de um emprego, fica no msn, borra relatórios, pede pra sair mais cedo, inventa uma intriga, passa a mão na bunda da ffaxineira do prédio da empresa. Tevez não. Este refinado exemplar da raça argentina puro sangue vai para Buenos Aires para um show de CUMBIA da banda "Los Palmeras", sobe no palco, abana e canta.

Não é de hoje que é um gênio na arte de cagar e andar.

O último capítulo da segunda série de Lost, exibido ontem, foi a peça de ficção que eu mais gostei de consumir desde que li as Obras Completas de Borges. Em TV, acho que se pode comparar apenas aos enlatados japoneses vistos nos early 80s (em grau de prazer e contemplação absorvida) e, principalmente, pela temática, ao Elo Perdido, série de qual aliás devem ter dado uma baita chupada, a considerar pelo nome (Land of the Lost).

Não me lembro de outra vez que tenha ficado olhando estupidificado para a tela como ontem, ao ver a reação eletromagnática que implicou em não digitar os números no computador.

Melhor série. Tenho certeza que ficarei muito decepcionado ao saber de tudo no final das 10 temporadas e meia, mas ainda assim não consigo me controlar.

Tinha esquecido deste detalhe. Muito melhor, mais seguro e mais prazeroso que acompanhar os jogos de um título que se ganha é ver as retrospectivas. Hoje passou uma no Sportv, muito engraçada por sinal. Infelizmente comecei a ver apenas da biografia de Renteria, que eu imagino fazia parte de uma de todos os jogadores. Um pormenor aliás contradiz a afirmativa de um emérito erechinense, que uma vez sugeriu que Rafael Sóbis era gremista.

Junto à referência ao clube, todas as jogadas dos maiores títulos. A indicativa de que em todos os momentos da história vermelha as coisas foram feitas muito mais com vontade do que propriamente futebol-arte. E a majestosidade deste título em todos os detalhes que a amnésia alcoólica já tinha apagado. Retrospectivas te dão a verdadeira dimensão de uma campanha e são a repunheta do que tu não tinha ainda gozado muito bem porque tava nervoso demais para isto. A trilha sonora e as falas foram um espetáculo. Se permitiram até esquecer a preferência clubística de Gessinger e tascar um Engenheiros. Terra de Gigantes, pelo menos a música deixa evidente que Humberto é quem cometera a gafe antes.

* * *

Em outras notícias, a heróica reação de Rogério Ceni após outra falha em Cruzeiro x São Paulo valoriza ainda mais esta Libertadores.

Almoçando hoje, cheguei a uma conclusão sobre o meu desânimo mesmo com a conquista da Libertadores. Esta eu deixo para o final. Antes considerações menos pessoais.

O Inter não ganhou o título por causa de seu técnico e time, ganhou apesar deles. As cagadas foram as mesmas, a falta de qualidade individual (exceção para Sóbis e Tinga) estavam lá, Clemer salvou algumas mas frangueou uma vez que poderia ser fatal, praticamente todos tomaram seu amarelo e Tinga foi expulso ao mostrar uma camiseta que trazia por baixo e tomar seu segundo. A impressão que deu é que estava escrito e que, por mais que tentassem, não conseguiriam perder. Nem Abel cavar sua própria cova ao substituir mal. Era o Sport Club Internacional que tinha que ganhar sua Libertadores. E o que é Clemer perto do que foi Taffarel? O que é Indio perto de Célio Silva, Gamarra ou Lucio? Fernandão, na comparação com Figueroa ou Falcão, o que sobra? Mesmo Sóbis, colocado frente a frente com Daniel Carvalho e Nilmar (em seus bons momentos), seria tão espetacular? Abel Braga chega aos pés de Ênio Andrade? Não. E isso nos leva à segunda parte.

Sendo assim, poderia ter acontecido antes. Para um guri que está no colégio uma conquista destas é uma afirmação muito mais importante. Eu passei minha adolescência toda sem um argumento destes, humilhado a cada nova conquista do Grêmio scolariano. Meu coloradismo se construiu como um anti-gremismo e o amor ao clube é de igual proporção ao ódio pelo rival.

O amargor por todas as vezes em que eu acreditei no Inter e ele me decepcionou tomou o lugar da alegria e foi mais forte que ela. Como se o meu clube do coração só pudesse ganhar quando eu não estivesse acreditando nele, quando eu estivesse em casa, dopado de uísque, morrendo de medo. Como se ele não gostasse de mim e não me quisesse em sua torcida.

Tudo isso é de um pessimismo que empurra o suicida da ponte, eu sei. Temo mesmo por minha própria sanidade, ou pelo excesso dela.

Ontem chorei de alívio. Hoje, acordei com uma sensação de "tá, beleza". Ia estar bem pior se o colorado tivesse perdido, mas não sinto nada especial com a conquista. Nada perto com a Copa do Brasil de 1992 e alguns grenais particularmente gloriosos.

Para mim esta Libertadores não compensou ter perdido o pentacampeonato gaúcho deste ano, nem o campeonato brasileiro do ano passado. É bom porque é o sonho de qualquer gremista e qualquer corintiano. Meu espírito de porco é apenas um espírito de porco, talvez eu tenha deixado de ser torcedor sem nem ter percebido.

bÊBADO E desesperado, venho ao computador para discutir com quem quer que esteja online e dizer:

NÃO, A TORCIDA COLORADA NÃO É TUDO ISSO. Esta massa cheia de loló é igual à gremista, a camisa pela qual fazem fumaça é diferente, mas a demência é a mesma.

E o Inter, se resistir mais 45 minutos, será campeão contra a burrice do próprio time. Metade tomando cartões amarelos idiotas. Se o time segurar mais um tempo sem expulsões, este blog estará desativado por impossibilidade técnica.

Estará impossibilitador de qualquer forma.

Uma das matérias que menos me diminuiu como ser humano cursar na faculdade foi Comunicação Comparada. Na verdade, não precisaria ser um curso. Ela apenas é o que se vulgarmente conhece por "bom senso". Entretanto, para servir de cabide de emprego, foi inventada esta cadeira. Completamente incapacitado de trabalhar, comecei a pesquisar os jornais para ver o que falam da final de hoje.

Sem nenhuma dúvida dando o São Paulo por perdido, a Folha foi o primeiro que vi e até agora tem a minha abordagem preferida. Este parágrafo em especial me parece muito apropriado:

Os exemplos, no entanto, não colocaram o time em obrigação de vitória após estar em uma adversidade no placar. O São Paulo venceu o Liverpool por 1 a 0 na final do Mundial do ano passado, enquanto nas semifinais da Libertadores-06, contra o Chivas, o clube nem sofreu gols nas vitórias por 1 a 0, no México, e 3 a 0, no Morumbi.
Uma clara mostra de descrença.

Já o Terra está parecendo querer fazer um contraponto, além de buscar novos enfoques. Primeiro publica que o São Paulo tem cancha fora de casa, depois dá uma talvez amenizada. Bacaninha.

O Estadão tenta manter neutralidade destacando o caráter histórico da decisão.

Já a Zero Hora, como é a Zero Hora, fez uma reportagem especial "bonitinha" pegando exemplos de gente que veio de longe para ver a final em Porto Alegre.

Nenhum deles dá a informação que se precisa. Que aliás só virá mesmo por volta das 23h45min de hoje. Como todos que gostam de futebol já sabem, entretanto, dentro e fora do Rio Grande do Sul, apenas no Impedimento é que se tem a cobertura esportiva correta. E que mostra o que todos transpiramos neste instante: desejo, esperança e medo.

VAMO INTER

Estávamos na frente da TV e numa boa quando deu a vinheta do plantão do jornalismo da Globo.

Achávamos que tinha morrido algum bosta mas não: era o PCC querendo que sua exigência fosse cumprida: passou um vídeo horripilante falando merda, tipo no tempo da ditadura.

Obrigado, estou cagando pra política, não preciso disso.

Desisto. Não consigo trabalhar. Não consigo terminar uma linha. Não é só ressaca, é toda uma carga psicológica que impede a concentração. Vou processar a Conmebol por me prejudicar profissionalmente.

Num dos poucos instantes em que não absorvi o aftermath do jogo, pçude admirar a retórica do presidente Lula. Não é à toa que está lá, botou no cu do William Bonner e da Fátima Bernardes bem suavemente, besuntado de KY. Foi até bonito de ver.

Ainda não vejo com clareza, mas não é matéria, apenas a poesia, a justa poesia.

Uma semana para acabar.

(Um título com diversas conotações.)

O que os gambitos dos bambis mais temiam aconteceu: a final é em Porto Alegre. Sem gol qualificado, com prorrogação e com o colorado jogando em casa. Ninguém diria que, ums ano depois, veríamos a final da Libertadores no Beira Rio, desta vez com vetores invertidos e com o time certo.

E sempre um nome diferente se revela, a cada etapa. Desta vez, Alex Escobar fez o gol espírita e virou o nome do jogo, nome do time e figura máxima da crônica esportiva ao ser substituído e dizer, chorando:

-- Eu vinha de uma lesão no PÚBIS.

Eu não sei. Ainda não acredito neste time. Não acredito neste técnico. Não acredito em qualquer espécie de superioridade, muito menos contra um time comandado por alguém que conhece da raiz do cabelo até a unha do pé deste time do Inter. Mas sei que vou ver uma coisa inédita em mais de meio século. É agora ou não é mais.

# Never do anything standing that you can do sitting, or anything sitting that you can do lying down.
Chinese Proverb

# Never draw your dirk when a blow will do it.
Scottish Proverb

De uma coletânea vagabunda de provérbios. Achei particularmente divertidos estes dois.