É de uma enorme ironia que o filme Tropa de Elite tenha sido engolido pelo próprio sistema que denuncia. Com a pirataria, através da qual foi distribuído antes da estréia - e que contou com minha conivência ontem à noite, já que consumi uma cópia - o filme certamente vai amargar muito prejuízo. Tenho uma certa compaixão por José Padilha, que certamente investiu muito em tempo de vida e incomodações mil para realizá-lo, mas parece compatível com a mensagem. "Nem este filme escapa da podridão", poderiam ser as aspas.

Belíssimo filme. Com um claro acento Full Metal Jacket e uma estrutura narrativa que o faz parecer um Cidade de Deus 2. Se aprofunda na mensagem "não se engane, ninguém é inocente". E com frases desde já imortais.

Imagine como seria bom se o lar fosse apenas um refúgio para refluir ao ponto morto do dia extenuante de trabalho pelo qual se acabou de passar. Os problemas do lado de fora, bem como o barulho e a poeira da rua, todos os tipos de os pedintes e toda sorte de lixo urbano - sempre humano. Teus familiares não seriam nada mais que agradáveis ouvintes dos teus dramas ou sucessos, mas tanto a audiência como a interlocução seriam apenas com palavras agradáveis, sem cobranças ou reproches, apenas o prazer e o relaxamento.

Mas somos humanos. O lixo vem logo atrás de nós. Exemplo de lixo: hierarquia.

Oscar Maroni Filho convocou coletiva no 17° DP, onde ele está preso há quase um mês. O empresário e dono da casa de prostituição Bahamas se apresentou à imprensa com apenas a metade do rosto e da careca barbeados. Segundo ele, esta seria uma forma de mostrar como ele está dividido entre dois personagens, dois estados de espírito, dois homens. Ele também escreveu um "M" com os pêlos do peito raspados.

Estas seriam as perguntas de um possível pingue-ponge que eu publicaria amanhã, se pudesse. Nenhum outro veículo tem:

Eu: Você recebe visitas íntimas na carceragem?

Maroni: Sim, recebo. Uma por semana. Igual a todos os outros presos. É uma fantasia interessante, fazer na cadeia.

Eu: Mas como que o rei do sexo se contenta com apenas uma por semana?

Maroni: (Risos) Existe uma maneira de ter todas as mulheres do mundo. É só usar uma meia. De manhã bota para lavar e pronto. (Aponta para uma repórter mulher.) Você, me desculpe.

Eu: Você recebe uma mulher ou mais de uma?

Maroni: Recebo só uma. Isso já me gerou um problema. Você, que é homem, também já deve ter passado por isso.

Você, que está pensando em se mudar pra São Paulo, como reagiria ao passar cotonete no ouvido e ver o algodão adquirir uma cor preta, ao invés do amarelo escuro da seborréia? Limpar o salão e tirar um belíssimo tatu preto do nariz, diferente daquele verde que costumava sair quando tu morava em uma atmosfera respirável? O teu coração suporta toda a fumaça que tu passará a consumir diariamente?

Essas são perguntas que precisam ser feitas, antes que tu aceite uma transferência. Nem a oportunidade de ganhar melhor, de comer boas pizzas e boas comidas em geral valem alguma coisa se tu não puder aceitar com resignação a fumaça. Ela literalmente emoldura toda a vida que transcorre para as 15 milhões de pessoas que a habitam.

Amanhã completo 27 anos. Pelo menos para mim, não é uma idade como todas as outras. Lembro de pensar aos 14 como estaria quando tivesse 27. Era a idade dos meus ídolos do Sepultura na época. Foi a idade em que Kurt Cobain e Jim Morrison morreram. Quando tinha 17 anos, fantasiava com a idade em que Castro Alves morreu. Agora não é mais fantasia. Tenho 27 anos. E vendo o resultado de todas as minhas escolhas, que tanto mudam. Não admira não ter nada de firme construído. Pilares só se fixam se são colocados firme no chão e de preferência com alguma antecedência. Não ter preparado as bases implica em sempre recomeçar do zero. E em ter sempre mais ou menos isso no banco.