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Roma está em chamas, e desta vez não foi Nero.
Esta Copa levou ao desespero todos que ainda carregam o conceito de futebol-arte como um jogo de firulas e dribles, e não admitem que a Itália chegou ao tetra-campeonato com um futebol bonito e bem jogado.
Mas não os culpo. Dia desses assisti a entrevista de um velho jornalista, tecendo comentários acerca da genialidade de Leônidas da Silva. Ele lembrava do jogador, ainda na copa de 1938. Além dos descontos que devemos dar à memória - que com o passar do tempo sempre enfeita o que pode não ter sido tão belo -, quem acompanha o futebol desde a época da Segunda Guerra provavelmente tem motivos para ser saudosista.
Sou da opinião que aquilo que alguns ainda chamam de futebol-arte é um cadáver, não enterrado, desde a Copa de 1974. Olho para a história do jeito que me é possível, já que eu sequer era nascido naquela Copa. Recentemente um VT de Uruguay X Holanda, estréia de ambas as seleções no mundial da Alemanha, foi exibido pela TVE, com comentários de Pedro Rocha, o 10 uruguayo na ocasião.
O que se viu é algo já impraticável nos dias de hoje. Rocha dominou uma bola no meio de campo e nada menos que seis alaranjados o cercaram. Passou por dois, ficou no terceiro. Os celestes praticamente não chegaram à grande área adversária, dada a velocidade com que os holandeses faziam a linha de impedimento praticamente no meio de campo.
Era uma revolução similar à que a Hungria de 54 promoveu, quando os jogadores entravam em campo já completamente suados pelo aquecimento. O time de Puskas abria 2 X 0 com facilidade em todos os adversários ainda frios, tomando a virada apenas da Alemanha na final.
O que os holandeses comandados de Rinus Michels faziam era nada menos do que aproveitar as brechas daquele futebol joga-e-deixa-jogar que as seleções da primeira linha do futebol mundial ainda praticavam. Na final, novamente os alemães se deram conta de tudo.
Nesta Copa da Alemanha nada de tão novo aconteceu, a não ser a confirmação de que não há mais espaço para jogadores que jogam para si mesmos. Dribles e jogadas geniais sempre vão existir, e vão ficar cada vez mais belos exatamente pelo fato de sobreviverem em um futebol altamente competitivo.
E para os órfãos de termos em desuso, esta Copa promoveu o retorno dos ponteiros. É óbvio que sem a antiga liberdade para ficar brincando com os quero-queros no fundo do campo, mas sempre voltando para marcar os laterais adversários. Muitos dos 4-5-1 espalhados pelo mundial podem ser interpretados como 4-3-3. Quem ainda acha que atacante é quem não marca ninguém, vai acabar escandalizando-se com um mal-interpretado 4-6-0 caso veja um centroavante roubando bolas na meia-cancha.
De volta aos ponteiros: o firulento Cristiano Ronaldo de um lado, às vezes Simão de outro, no time do "retranqueiro" Felipão; o alemão Scheiwnsteigger, o francês Malouda, os holandeses Robben e Van Persie.
Mas não podemos esquecer dos goleiros: Buffon, Ricardo, Lehmann, Peter Cech e por que não, Dida. E das duplas de zaga levando a melhor frente aos atacantes do mundial, com destaques para os portugueses Ricardo Carvalho e Fernando Meira, e para os poucos que se salvaram da derrocada brasileira, Lúcio e Juan. E os melhores, Canavarro e Materazzi, heróis do tetra.
Em especial, foi uma Copa onde os olhos do mundo se voltaram para a genialidade dos volantes que sabem jogar: os ingleses Gerard e Lampard, nem tão brilhantes, afundaram à mercê de um ataque inoperante. O argentino Maxi Rodriguez e o brasileiro Zé Roberto, que acabaram sendo dos poucos destaques de suas seleções. Maniche, que resolveu jogos para Portugal, e os veteranos Vieira e Makelele - levando o piano francês nas costas, antes de Zidane decidir tocar. E sobretudo os campeões, Gattuso - o carrapato, e Pirlo, armador muito mais eficiente que Totti.
Tenho a lamentar a precoce eliminação da Costa do Marfim, por ter caído em um grupo difícil e pela desatenção que os fez saírem perdendo por 2 X 0 os três jogos da primeira fase. Depois, promoveram um bela correria de muito toque de bola, encabeçados por Drogba. Mas só conseguiram virar contra a Sérvia.
Quanto ao Brasil, fiquei desiludido. Todos percebiam que as coisas não iam bem, mas achei que Parreira tomaria as rédeas da situação como em 94, quando sacou o capitão inoperante Raí e colocou mais um volante. Mas após enfrentar quatro seleções de segunda linha, veio a França e não deu tempo de consertar nada. Normalmente, os Mundiais se decidem nas oitavas.
Sobretudo, discordo dos que consideraram a Copa ruim.
Ao invés de lamentar a ausência de grandes máquinas ofensivas, basta perceber que o que causou isso foi a presença de algumas notáveis falanges defensivas.
A seguir não necessariamente uma seleção de unanimidades do mundial. Mas posso dizer que ficaria muito feliz se o Grêmio fosse escalado com:
Lehmann;
Sagnol, Canavarro, Materazzi, Grosso;
Vieira, Pirlo, Maniche, Zidane;
Scheiwnsteigger e Drogba.
-técnico: Luiz Felipe Scolari
-craque da copa/conjunto da obra: Materazzi
-juiz: o "Pequeno Drácula", mexicano que marcou 8 reversões de lateral.
-torcedora: esta italiana.
saudações,
Antenor Savoldi Jr
Maravilha! Chorei. Até porque teu 'poder de síntese' é bem maior que o meu, um cara prolixo por excelência, como vocês sabem, desde o tempo da Rádio da Universidade.
Isso sem contar a paráfrase do:
"5 - Roma em chamas. Desde Nero, não se vê nada parecido."
Te saúdo.
Publicado por: Vitor VEC em julho 13, 2006 12:28 AM
Grande texto. Copa da Alemanha em 90 minutos.
Publicado por: Douglas Ceconello em julho 13, 2006 12:32 AM
essa mania de reclamar das viúvas do futebol-arte é tão anacrônica quanto as próprias.
tudo no futebol gira em torno de um objetivo: fazer gol. evitá-los, obviamente, é parte importante do jogo e as defesas devem ser louvadas quando fazem um bom trabalho.
mas o fato de eu (e boa parte da humanidade, inclusive a diretoria da Fifa) querer ver gols nos jogos não significa, de maneira nenhuma, que eu esteja querendo a volta do futebol da década de 70. de maneira alguma.
quero apenas times que tenham um ataque tão bem pensado e coeso quanto todas as defesas que vimos jogar nesta Copa da Alemanha.
Publicado por: Solon em julho 13, 2006 2:13 AM
Solon, entendo o que tu quer dizer.
Quando tivemos mundiais com médias altíssimas de gols, ninguém falou em fracasso das defesas, e sim em sucesso dos ataques. Mas quando a situação se inverte, focam apenas a improdutividade ofensiva. Não faz sentido.
Esta preocupação da FIFA tem fundo mercadológico, na tentativa de vender um produto mais atrativo para o público médio mundial.
Atrair os estadunidenses (não-latinos) ainda é o grande desafio da entidade.
Como tu sabe, eles estão mais acostumados a esportes onde sempre há intensa movimentação de placar, e cujas regras são muitas vezes alteradas para cumprir este objetivo.
Sei que tu, como fã de baseball, deve concordar com isso.
Publicado por: Antenor em julho 13, 2006 10:29 AM
Vegetarianos e fãs de baseball não merecem confiança.
Publicado por: Roger em julho 13, 2006 11:37 AM
Obrigado por lembrar Van Persie. Destaque entre os jovens, sem dúvida.
Publicado por: Leo Ponso em julho 13, 2006 4:18 PM