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outubro 25, 2006

Tipo Colômbia

Ele foi tripudiado desde sua chegada, e até hoje é contestado e odiado por alguns cronistas. Com freqüência, costumo ouvir que sua presença no time ou no banco deve-se a interesses empresariais.

Saído de Quibdó, provavelmente foi batizado em meio a plantações de milho e oferecido a deuses pagãos, que depois viria a homenagear com seu ruqueraque. Teve que descer pela América para receber todo o louvor que merece.

Rentería não me agrada por sua técnica, sabidamente modesta. O que me espanta e fascina é um certo espírito amador, tão ausente nos gramados brasileiros há muito tempo. Rentería é o peladeiro com vontade de ganhar. No entanto, não perde tempo com firulas: gosta mesmo é de correr como um demente. Dificilmente veremos ele aplicando alguma janelinha ou meia-lua, o importante é ultrapassar o adversário, na base da força, da velocidade e com uma pequena dose de técnica. Rentería não sabe pedalar.

Não ter nenhuma vergonha de perder gols também é um componente importante do seu caráter. Após desperdiçar chances claras dentro da pequena área, poderia muito bem fugir da responsabilidade e passar a bola quando outro bom momento surgisse. Mas não, prefere dificultar ainda mais as coisas, aplicando um chapéu ou encobrindo o goleiro para marcar um golaço.

Despreza o bom-mocismo a assume sempre sua faceta mau-caráter. Adota aquela posição de "eles são os adversários, temos que humilhá-los, ofendê-los, acabar com sua raça". E assim faz, sem desistir em momento algum. Guarda toda sua faceirice para correr aos seus depois de balançar as redes, com gorro e cachimbo de Saci. Não reclama da reserva nunca: dez ou quinze minutos são suficientes para ele. Ou não.

Rentería encarna o deboche e um certo sentimento favelado que historicamente caracteriza a índole colorada. Sem ele, o Inter poderia ter vencido a Libertadores - embora eu não tenha certeza -, mas não teríamos esse fascinante componente maloqueiro-místico. Não me interessa que há muito ele não contribui com o time. Me comprometo a nunca duvidar da sua generosidade e das boas intenções para com os colorados. Por comemorar de verdade seus gols. Por brigar com adversários. Por debochar. Por ser expulso devido a bobagens.

Está na galeria dos inesquecíveis, mesmo que perca um gol debaixo dos paus contra o Barcelona. Apesar da minha certeza íntima ser outra. De bicicleta? De canela? Quem sabe. Mandando o Valdés fazer um fellatio e ser expulso por isso, é o mais provável. E bem comum do tipo Colômbia.

Além disso tudo, é um predestinado, como os fatos a seguir comprovam:

Na sua estréia contra o Fluminense, nas horas seguintes à anulação do jogos que acabou dando o título ao Corinthians em 2005, fez um gol em velocidade, chutando a bola de chicote. Instantes após, começou a driblar loucamente no setor defensivo, perdeu a bola e quase cedeu o gol de empate.

No jogo remarcado contra o Coritiba em 2005, marcou dois gols que confirmaram o resultado da primeira partida - 3 a 2 -, o segundo aos 44 do segundo tempo, com um chute que venceu mais ou menos uns 18 adversários na pequena área.

Contra o Palmeiras, na penúltima partida do Brasileiro de 2005, marcou o gol da vitória aos 42 do segundo tempo. Chutou de bico, com a perna meio deitada, sem chances para Marcos. A vitória impediu o Corinthians de comemorar antecipadamente e garantiu a vaga colorada na Libertadores.

Contra o São José, em jogo que não valia absolutamente nada, pelo Campeonato Gaúcho, foi flagrado pelas câmeras soqueando a barriga de um zagueiro. Depois marcou o gol que iniciou a sua famosa seqüência de comemorações vestido de Saci, com gorro e cachimbo.

Contra o Santa Cruz, pelo Brasileiro, fez o gol da vitória. Instantes depois, quando um adversário ficou caído com a bola na altura do estômago, deu um bico contra a barriga do cara e saiu correndo pela lateral, caçado por uma meia dúzia de jogadores raivosos.

No grenal em que o Grêmio foi campeão gaúcho, entrou e fez bem pouco, mas muito mais do que a equipe tinha feito até então. O simples fato de jogar um gremista contra as placas para recuperar uma bola e cobrar o lateral deveria servir de modelo a todos os jogadores brasileiros que entendem que um clássico é apenas um jogo com estádio cheio.

Na última partida da primeira fase da Libertadores, contra o Maracaibo, teve sua atuação mais destacada. Entrou no segundo tempo e aprontou um escarcéu para cima dos venezuelanos. Fez o último gol da goleada por 4 a 0 e tomou cartão amarelo por mandar o goleiro adversário calar aboca. Sim, no QUARTO gol ele mandou o goleiro ficar quieto.

Em Montevidéu, contra o Nacional, fez um dos gols mais bonitos e mais importantes da história do Inter, após ter perdido duas oportunidades claras. Comemora com seu tradicional rukerake, mas muito mais acintoso, esbravejando contra os uruguaios. Depois fiquei sabendo que, enquanto aquecia, ele foi xingado pelos torcedores e respondeu algo como "vou entrar lá e acabar com vocês".

Contra a LDU, no Beira Rio, entrou no segundo tempo e também marcou um dos gols mais bonitos e importantes do Inter, comemorando diante de um estádio lotado durante uns dois minutos e posteriormente agradecendo aos seus deuses secretos, que bem podem ser os cantores da moda na Colômbia.

Sinceramente agradecido,
Douglas Ceconello.

Publicado em outubro 25, 2006 8:00 AM

Comentários

ontem eu tava vendo aquele DOCUMENTÁRIO B (que de B não tem nada, é sensacional), "soy loco por ti america", e confesso que *morri* ao rever esse golaço contra a LDU, quando ele vai pra galera de cachimbo, gorro e pulando numa perna só.

:~~

além disso, fez outros gols importantes na primeira fase, assim como boas assistências.

espero que ainda exista youtube quando eu tiver netos.

e aproveito pra te agradecer mais uma vez, ceconello, e o bueno, pelo link deste documentário. recomendo muito.

Publicado por: dante em outubro 25, 2006 9:03 AM

Douglas, o que eram aquelas frases soltas depois da assinatura no post? After-thoughts ou planejamento que tu esqueceste de apagar?

Publicado por: Francisco Mahfuz em outubro 25, 2006 9:16 AM

Vale lembrar ele mandando as favas o fair-play num jogo contra o Fortaleza em 2005, fora de casa.
A cena dele correndo enlouquecidamente em direção ao gol enquanto os jogadores adversários aguardavam pela simples devolução de bola foi sensacional.

Publicado por: leandro em outubro 25, 2006 9:30 AM

Nem tem o que dizer, concordo integralmente com o redator.

Publicado por: Francisco em outubro 25, 2006 9:55 AM

beleza de texto. como torcedor de um time que é o cúmulo da apatia há 3 anos, reconheço a importância de um cara como o rentería. invejei.

Publicado por: m em outubro 25, 2006 10:33 AM

Texto emocionante. Se eu não tivesse lido no meio da correria do trabalho, certamente choraria. Agora, um reparo: que eu saiba, a primeira vez que o Rentería comemorou pulando num pé só foi no jogo contra o Palmeiras. Colorados na arquibancada, entre surpresos e eufóricos, choraram.

Publicado por: Cassol em outubro 25, 2006 10:55 AM

beleza de texto, Douglas. também invejo não ter um jogador assim no meu time, desde a saída do Tevez (guardadas as diferenças).

m, só por curiosidade, qual o seu time?

no mais, devo ressaltar q o único time citado (2 vezes, até) no post - fora aqueles em q o renteria aprontou ou fez gol - foi o timão... daí talvez vcs entendam q esse time realmente dá audiência, e é esse o pq da televisão, carioca/globo e paulista/record e band, reservarem boa parte de sua programação ao Corinthians. Assim, captura as duas maiores torcidas do sudeste do país. A maior (anti-corintiana) e a segunda maior (corintiana)...

Publicado por: izabel em outubro 25, 2006 12:02 PM

Izabel, se o título do ano passado fosse disputado com o Novo Hamburgo, o anilado teria seu nome citado duas vezes também. Acho que houve confusão entre audiência (um fato medido somente em SP, onde realmente o Corinthians e os anticorinthians tem força) e uma disputa de campeonato.

Publicado por: Francisco em outubro 25, 2006 1:14 PM

oi, Francisco. o q eu chamei de "audiência" também aparece na primeira página (atual) do seu blog, num post entitulado "(não) salve o corinthians" ... até eu estranho tanto espaço dado a um time q não devia estar preocupando NENHUM gaúcho já q, com ou sem a suposta ajuda de todo o 'sistema', estamos desde o início do campeonato lutando pra não cair pra segundona.

Publicado por: izabel em outubro 25, 2006 1:36 PM

Lindo texto. Não penso em melhor momento para publica-lo: pior fase do maloqueiro desde que desembarcou aqui.

Estou contando também com a mística do ruqueraque no final do ano, que como a própria reportagem da ZH averigou, é uma mistura de reggaeton com uma DANÇA DAS BRUXAS tradicional daquela região da Colombia.

Publicado por: Hilton em outubro 25, 2006 1:45 PM

sou cruzeirense, izabel.

Publicado por: m em outubro 25, 2006 2:59 PM

izabel, não é uma questão de audiência, e sim de contrariedade;
se por acaso o boneco da mídia fosse o bangu, provavelmente o sentimento seria o mesmo, e o curintia seria só mais um.
o "timão" há anos vem sendo o "time de todos", fato que se comprova hj a noite na gloriosa tv globo, com o único jogo da rodada sendo de quem?
e isso não acontece do ano passado pra cá, e sim de no mínimo uns 16 anos, quando finalmente ganharam o primeiro título decente;
ninguem tá preocupado com o mesmo, todo mundo sabe que o SCCP não cai.

Publicado por: Egon em outubro 25, 2006 4:09 PM

Renteria é o cara. Só discordo do texto qdo falou q ele naum fica bravo com o banco. Na libertadores ele e o Iarley estavam revoltados ao ficar no banco até que o ABEL mostrou poder e ameaçou emprestar os dois, foi qdo eles se contentaram com o Banco.
E pode ter certeza q esse figuraça vai fazer o gol do título no mundial aos 44 do 2° num contra-ataque depois do R10 ter perdido um penalti.
Abraços

Publicado por: Christian em outubro 25, 2006 4:37 PM

Lembrando que depois do golaço em Montevideo - tendo recebido o amarelo por mandar os uruguaios se f#$%, ele foi expulso menos de 10 minutos depois por DAR UMA PONTE segurando a bola com as duas mãos pra impedir uma saída rápida de uma falta na LATERAL DEFENSIVA dos uruguaios.

Publicado por: Bueno em outubro 25, 2006 5:19 PM

Ponte pra segurar a bola??? Exagero, Bueno. Ele só ficou na frente do goleiro. Bem próximo. A bola bate no braço ou nas costelas dele (visto que o braço está junto ao corpo). Já revi esse lance umas 50 vezes pq tenho ele gravado no computador logo depois do gol ANTOLÓGICO dele naquela partida.
E Cassol, a primeira vez que ele se vestiu de Saci foi contra o São José no Zequinha mesmo.
Saudações coloradas!

Publicado por: André em outubro 25, 2006 6:52 PM

Opa. Obrigado pelos elogios. Transfiro-os direto ao Renteria. Esse texto estava PROMESSADO há tempos.

E aquelas frases em chamas no final do texto foram um comentário que fiz no blog do Hermano depois do gol contra o Nacional, e que eu queria encaixar no texto, até para comprovar meus dons premonitórios. Mas a verdade é que, como estava no fim da página - e eu, tomado pela droga -, ESQUECI de apagar. De qualquer forma, deletei agora. Estava comprometendo a concepção métrica e o esmero estético. Como todos sabem, sou praticamente um PARNASIANO. hsduhfau

Isabel, da grandeza e da paixão da torcida do alvi-negro eu não duvido, mas se os blogueiros corintianos (palmeirenses, são-paulinos, santistas) dessem o mesmo valor aos times do sul que eu costumo dar à maioria das equipes, teriam muito mais o meu respeito. O Brasil de Pelotas, por exemplo, sempre é citado aqui e eu não assisti a nenhum jogo dos xavantes esse ano. Além disso, é impossível não falar do Corinthians depois que virou uma CASA DE IRENE. :-)

E, Cassol, estávamos juntos assistindo ao jogo contra o Palmeiras. Foi sensacional. Aliás, agora estou escrevendo direto da tua terra, a muito hospitaleira São Sepé.

Saudações

Publicado por: Douglas Ceconello em outubro 25, 2006 7:35 PM

Eu te disse que ia dar certo, vero?

Publicado por: Vitor VEC em outubro 25, 2006 9:59 PM

Estão vendo? Em São Sepé tem internet e forasteiros não são mortos.

Publicado por: Cassol em outubro 26, 2006 2:59 AM

a GRANDE SÃO SEPÉ, tu quer dizer, da qual fazem parte santa maria e outras cidades menores.

Publicado por: dante em outubro 27, 2006 11:23 AM

Bah, só me veio agora, mas tenho que dizer:

Renteria = Mansell

Publicado por: Francisco em outubro 27, 2006 11:22 PM

Vocês deveriam botar a história do GRENAL aqui neste site, valeu!!!

Publicado por: Lucas em novembro 11, 2006 4:50 PM

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