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A última terça-feira ficará marcada na retina e na memória de todos os colorados. Porto Alegre foi entregue à boa selvageira vermelha e o Beira Rio rendeu preces a Dionísio.
Sou o tipo de pessoa que em 2002 foi a um jogo entre Inter e Esportivo, numa quarta-feira, às 22 horas, com transmissão pela televisão aberta. Moro a 30 quilômetros do estádio, mas o costume me faz ignorar a distância. Não é difícil imaginar que ontem eu tenha largado tudo - bastante trabalho, na verdade - para ir ao Beira-Rio suar como nunca e passar mal. Não me passou pela cabeça não ir homenagear Perdigão e companhia.
Apesar de não ser possível explicar o que presenciei, é meu dever tentar fazê-lo. Desde a manhã, milhares de pessoas foram chegando de forma parcimoniosa ao monumento inaugurado em 1969. Quando entrei no estádio, cerca de 25 mil pessoas acomodavam-se e imploravam aos bombeiros por um banho de mangueira.
Tenho assistido aos jogos do setor social ou da querida geral, meu lugar preferido. Mas ontem coloquei-me atrás da mítica goleira do placar eletrônico, onde saiu a maioria dos gols decisivos da história colorada e não faz muito aglutina-se a torcida Popular, conhecida pelo apoio incondicional ao time e pela intolerância com quem assiste ao jogo quieto. Mas tudo que eu menos queria ontem era ficar calado, minha intenção era perder novamente a voz horas depois de recuperá-la.
O ponto baixo foi o show patético de algumas bandas do famigerado rock gaúcho. Os grupos de música tradicionalista saíram-se bem, mas quem realmente estava no espírito foi um conjunto de pagode, que obviamente não sei o nome. O mais deprimente foi o Nenhum de Nós, com sua temática "adolescentes transando em dunas no litoral gaúcho, sujeitos a todas as atrocidades da violência moderna e mais tarde aumentando o índice de natalidade e o percentual de divórcios que degrada a família como instituição". Bem, o time estava para chegar e o vocalista demente não calava a boca, pedindo e merecendo a vaia que tomou.
Gradualmente, o Beira Rio foi sendo lotado, com exceção do setor das cadeiras. Cerca de 45 mil colorados estavam no estádio e ficavam mais entusiasmados conforme a delegação aproximava-se de sua casa. Ignoravam todas as músicas com gritos de guerra e chegaram a interromper o hino nacional para cantar o hino do estado. Na hora, entendi como falta de educação e civilidade. Após uma breve reflexão, no entanto, percebi que o "Ouviram do Ipiranga" não deveria ser entoado em conquistas clubísticas gaúchas, mineiras, baianas ou paranaenses. Porque lembrei da CBF, e lembrei de 2005, e lembrei das duas linhas dedicadas à conquista mundial no site da entidade. Esse título não é brasileiro.
Quando o ônibus adentrou no pátio do Beira Rio e os helicópteros passaram a sobrevoar o estádio a uma altura assutadoramente baixa, o êxtase coletivo tomou conta das arquibancadas, que passaram a viver momentos de tragédia grega, pois todos nós colorados sabíamos que nossa trajetória, medíocre nos últimos anos, teria um desfecho semelhante. E teve de tudo, o coro de milhares e até algumas bacantes bem formosas.
Instantes antes dos jogadores entrarem em campo, tive uma experiência quase mística. Pois não me resta dúvidas que o misticismo acontece na Terra. Eis que ali estava eu, cantando na tarde de uma terça-feira qualquer por uma cor que me espantou pelo seu brilho na distante década de 1980, por um brasão que sempre me causa calafrios. E chegou uma hora em que nada fazia sentido porque era um prazer inumano e todos os indivíduos estavam despedaçados pela alegria comum.
Então, 10 anos depois, eu entendi O nascimento da tragédia, livro que, confesso, li muito cedo.
Mal entraram em campo, os atletas colorados quebraram todos os protocolos. Clemer saiu correndo com a taça mundial, o deus ex-machina que resolveu a trama vermelha, direto para as arquibancadas em chamas, como se levantasse a cabeça de um inimigo morto em uma batalha atroz. E cabeça foi passada de mão em mão e depois afundou no túnel do Gigante.
Muito da minha comoção deve-se à identificação de muitos atletas com o Inter. A torcida sabe que são colorados, que aprenderam a amar o time e moveram montanhas para levar o clube ao topo do mundo. Cito Edinho, Fernandão e Clemer, sem falar na gurizada que está aparecendo. Os jogadores permaneceram por cerca de infindáveis 60 minutos no campo, aprontando estripulias e erguendo a bendita taça ao céu, que, respeitosamernte, não estava azul.
E todos os torcedores foram saindo, quase tristes por tamanha fortuna, como se duvidando que possa haver motivação para continuar acordando todo dia e levando uma vida normal.
Saudações fraternas,
Douglas Ceconello.
Lembrar primeiro do Perdigão é uma prova do caráter único que este time tem: não ter nenhum talento individual absoluto. E, apesar disso, ser o maior da história deste clube vagabundo que todos aprendemos a amar, e que agora mostrou que é o viralata rei do mundo futebolístico.
Muito amor a Fernando Carvalho. Deus.
Publicado por: Hermano em dezembro 20, 2006 6:40 PM
ÉS UM MONSTRO.
Que texto, meu velho. De arrepiar.
Estava lá contigo em espírito, sabes bem.
Somos imortais agora.
Publicado por: Guima em dezembro 20, 2006 6:55 PM
Perdigão é uma esperança, assim como Suazo, do Colo Colo...
São gordos e feios. O Perdiga bebe (veneno do rato, maior expressão já usada...), já o Suazo eu não sei... Mas o que importa é que jogam bola profissionalmente, mas fisicamente pertencem a um universo muito relevante a mim: os butecos...
Quando vejo Perdiga sem camisa repenso todas as horas gastas na acadêmia, suando feito um bixo, em vez de largar tudo, beber uma branquinha e ir treinar no Cruzeirinho... Deus salve os gordos e bêbados!!!!
Publicado por: Leonardo em dezembro 20, 2006 7:36 PM
Impossível de não lembrar neste momento daquela frase proferida dias atrás:
"Aconteça o que tiver de acontecer no Japão, basta que se olhe pro céu e, a menos que uma hecatombe atmosférica ocorra, veremos o nosso céu sempre azul."
E mais: pára com essa de que o céu não tava azul. E o solaço que te fez fritar por três horas?
Publicado por: Vitor VEC em dezembro 21, 2006 1:06 AM
Era mormaço; eu tava lá também, na Popular, e não conseguia falar nada. Só olhava tudo, meio quieto, e chorava de canto de vez em quando.
É como eu falei depois da Liber: agora, tudo se explica.
Publicado por: Francisco em dezembro 21, 2006 8:33 AM
Nesses momentos eu realmente sinto uma tristeza absurda em ser flamenguista. O único título importante que eu lembro é o brasileirão de 92. E a gente caiu da arquibanca e agüenta alopração de bacalhau até hoje. ¬¬
Eu cansei de comemorar título carioca. Meio que perdeu a graça só dizer vice de novo. (A menos que tenha algum vascaíno por aqui, porque é sempre divertido impregnar essa imundície).
Publicado por: Lila em dezembro 21, 2006 9:28 AM
:~~~
Publicado por: dante em dezembro 21, 2006 10:39 AM
Douglas, tanto `analista esportivo` ganhando uma grana para falar e escrever besteira.
eu texto me emocionou, como colorado e como apreciador do esporte.
Tu tinha que dar um jeito de ganhar dinheiro com isso!
Publicado por: Cesar em dezembro 21, 2006 10:54 AM
Obrigado, Cesar.
Suspeito que nunca receberei um real para falar de futebol justamente porque todos temem a verdade. hsgshs
Publicado por: Douglas Ceconello em dezembro 21, 2006 12:52 PM
Lila, não esquece que teu time acabou de conquistar uma Copa do Brasil...
Publicado por: Luís Felipe em dezembro 21, 2006 1:50 PM
Ah, mas Copa do Brasil, mesmo dando vaga pra iiiih libertadores-qualquer-dia-tamo-aiiiih é meio café-com-leite, né. Nem tem jeito de torneio de verdade, é tipo a piscina infantil do futebol brasileiro.
Às vezes, eu acho que bom mesmo seria cair. Põe a cariocada toda na segundona, pra ver se dá jeito. Porque tá bastante impraticável. E viver de torcer pra não cair (ah, contradições, contradições, contradições) é muito chato. MUITO MESMO.
Publicado por: Lila em dezembro 21, 2006 2:17 PM
[todo meu respeito mode on]
lila, a rapeizo só quer te ver nua, não tão nem aí pro futebol.
:P
[todo meu respeito mode off]
Publicado por: dante em dezembro 21, 2006 5:07 PM
Lila, nós colorados entendemos mais do que ninguém do que tu está falando. Só que com a gente foi PIOR porque também tínhamos para lembrar uma Copa do Brasil - pela qual tenho extremo carinho, diga-se - de 1992. O último Brasileiro foi em 1979. Como se não bastasse, aquele demônio do Felipão aprontou diabruras por aqui na década de 1990, os anos de chumbo da torcida colorada.
E a torcida do Inter historicamente vivia com grandes conquistas, mas passou por um hiato de 13 anos (1979-1992) e depois mais 13 anos (1993-2006). Para quem teve um dos mais fortes times do mundo durante os anos 1970 não era nada fácil. Isso sem falar do final da década de 60, duas vezes vice-campeão nacional, vergonhosamente garfado pelo palhaço do Arnaldo César Coelho. Em suma, andávamos na ponta dos cascos para fazer festa.
Ouso dizer que nenhuma torcida brasileira mereceu mais esse brilhante ano de 2006 do que a colorada.
A do Atlético é a que mais se aproxima, mas, mesmo assim, não tinha um rival cantando a glória mundial ao lado da sua casa.
Claro que entendo a situação dos flamenguistas, muito pela excelente fase do Vasco em fins de 1990 e começo de 2000, mas o Flamengo ainda chegava, dava um alento, é penta brasileiro e campeão do mundo.
Publicado por: Douglas Ceconello em dezembro 21, 2006 5:09 PM
dante, nua o escambau. eu estarei usando um lindo escudo. que aliás, vai ser a única coisa bôa da situaçã toda. Ha ha ha
Ah, mas cansa também ficar lembrando o tempo todo que eu sou campeã mundial. Essa coisa de viver passado é legal até um certo ponto. Que nem gozar com pau dos outros e fazer camisas tipo a Fla Madrid. É maneiríssimo cornetar a imundície vascaína, mas eu queria mesmo era um time decente e parar de passar vergonha ganhando só essa palhaçada que o campeonato carioca. Tem que ter um limite pra dose de sofrimento que um "cerumano" pode agüentar. E, te contar, o Flamengo extrapola todos.
Puta merda, ganhando de 2x0 do Inter nego faz penalti imbecil. DUAS VEZES! É pra dar tapa com as costas da mão, vá. Porra, custa fazer a merda da falta da intermediária? TEM MESMO QUE ESPERAR ATÉ CHEGAR NA GRANDE ÁREA PRA DERRUBAR O LAZARENTO? Esse tipo de coisa acaba com uma pessoa. Ainda mais se ela está em pleno Maracanã, cansada pracaraleo depois de passar o dia jogando futebol americano. NA AREIA.
Mínimo de respeito, né.
Publicado por: Lila em dezembro 21, 2006 5:23 PM
" Isso sem falar do final da década de 60"
80, Douglas.
Publicado por: Anonymous em dezembro 21, 2006 6:48 PM
Não, final da década de 1960, mesmo. Vice-campeão do torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1967 e 1968, contra Palmeiras e Santos, respectivamente.
Publicado por: Douglas Ceconello em dezembro 22, 2006 1:28 AM
Tirando o fato de que não se poderá nunca considerar nacional o antigo torneio, Sadi, lateral-direito e capitão daquela equipe, vive amargurado por não ter conseguido alçar a taça aos céus.
Uma pena.
Publicado por: Vitor VEC em dezembro 22, 2006 2:01 AM
mas o Arnaldo Cézar Coelho era árbitro no final da década de 60?
Publicado por: Luís Felipe em dezembro 22, 2006 1:44 PM
E como.
Outro episódio da vida deste senhor foi a incrível 'barriga' que ele 'comeu' na decisão do Paulista-73.
Santos e Portuguesa não conseguiram definir a partida. Por este motivo, foram à decisão dos tiros penais.
Faltando a última cobrança Lusa acontecer, o seu Coelho - fazendo jus ao nome - fez trilar o apito e encerrou a decisão, mesmo a Lusa tendo a chance de empatar na última cobrança.
O técnico da Portuguesa Otto Bumbel (não sei, to chutando) mandou o time sair de campo e não discutir com o juiz. A direção levou o caso pro tribunal e lá decidiram pela divisão do título.
E este foi o último título conquistado pela Portuguesa.
Publicado por: Vitor VEC em dezembro 23, 2006 7:09 PM
Na verdade, Vitor, aí foi o Armando Marques.
Publicado por: Francisco em dezembro 25, 2006 4:39 PM
É fato. Mas ambos são lamentáveis farinhas do mesmo saco. Consequentemente, confundíveis pelas suas lambanças no universo futebol.
Publicado por: Vitor VEC em dezembro 26, 2006 11:04 AM