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maio 22, 2007

Uma bomba em Morungava ou Historinha sobre a relação entre futebol e demência narcótica

Andei pensando em jogos que já acompanhei de uma forma bizarra ou correndo alguma espécie de risco físico ou emocional. Pensei em partidas com confronto entre torcidas ou policiais, no recente Gre-Nal assistido num bar do Jardim Leopoldina e em outros tantos que fui em um ônibus alugado, partindo totalmente alterado com a maloqueirada da vila. Foram jogos estranhos, mas nenhum se compara a Inter e Paysandu, em 2003.

Na época, o Inter fazia um bom campeonato, após quase ter sido rebaixado em 2002. Muricy Ramalho ainda não tinha sucumbido a seus vícios e conseguira armar uma equipe coerente, baseada no talento de Daniel Carvalho, o referencial técnico. Nilmar e Diego funcionavam bem como dupla de ataque.

Era um sábado, o jogo aconteceu no Beira-Rio. Estava prontito para me aventurar pela Freeway, com a inocente confiança de que aquele time chegaria em algum lugar. No entanto - e como há interferências na minha vida de torcedor, ó Cristo - um casal de amigos convidou para passar o final de semana em um sítio em Morungava, cerca de 30 quilômetros distante de Porto Alegre. Acatei. Já estava em débito com o social e tinha crédito com a arquibancada.

E lá fomos nós. Jovens saudáveis e lépidos, um rádio de pilha, conhaque e outros venenos que mais tarde se mostrariam quase letais. Eu realmente tinha a esperança de que a diversão conjunta fosse comandar as horas bucólicas na propriedade rural. O dia estava claro, com sol consistente e a boa vontade pairava no ar. A euforia era tanta que não demorei a preencher com DOMECQ um copo cujo tamanho recomendava que deveria ser usado para consumir líquidos benéficos à saúde. Sorvi em tempo recorde para dar um brilho e me preparar para a felicidade.

Eis que aparece uma Tamburello no meu caminho. O companheiro da anfitriã tinha sotaque forte de porto-alegrense e gostava de reggae. Mais não preciso dizer. Entre o papo furado e a feitura do almoço, aparece o indefectível tijolinho do capeta. Tem início o ritual de preparo do artefato maconhístico. Não demora para o usuário chegar no MICRO SYSTEM e sacar da mochila o Legend.

- Baahh, vamos escutar um Bob -, diz o malandro.
- Odeio reggae -, responde uma interlocutora, que, de fato, não suporta um som rasta.
- Tu não gosta de Bob?! Bahh, mina, que palha.

Mas ali ficamos, ainda felizes, com Buffalo Soldier comandando as ações. A bomba ficou pronta. Embora já conhecesse meus limites e reações quando estes são ultrapassados, também não sou de fazer desfeita aos donos da casa. E, como não queria ficar deslocado da espiritualidade do momento, não me restou qualquer outra saída.

Um aparte: já tenho idade suficiente para ter descoberto que minha droga é o álcool. Tudo mais me transtorna profundamente. Mesmo com o ORÉGANO, sempre fui extremamente fraco e suscetível aos efeitos. Bobeira pouca é bobagem. Com o IOGURTE não, geralmente me deixa com a vida transparecendo nos olhos e nos POROS, aberto ao mais fraterno convívio. Por isso, hoje rendo preces apenas ao DEUS CANECO.

E lá fomos nós. Estranhei porque geralmente demora a cair a ficha. Daquela vez não, foi rápido demais e realmente proporcionou uma confraternização por dez minutos, tempo suficiente para que o segundo ou terceiro copo de destilado fosse entornado. Admito que me passei e traguei como se fosse o MINISTRO. Mas nada que pudesse justificar a perda de toda coordenação motora que os humanos herdam de priscas eras.

Nesse momento, já empunhava o pequeno NKS, pretendendo acompanhar a jornada esportiva da Guaíba, andando pelo pátio de forma semelhante à que posteriormente vi Johnny Deep fazer ao interpretar Hunter Thompson. Mas meu medo e delírio sucedia em Morungava. Vaguei infindáveis minutos chutando o ar e dobrando os joelhos ao redor da bela e aconchegante residência, já estranhamente iluminada perante os meus olhos. Quando sentado, a cabeça me puxava para dar uma banda. Literalmente. Fazia movimentos bruscos e involuntários para o lado -, mas o corpo não queria, e esse dilema durou uma eternidade. Como a risadeira ainda estava uma beleza, continuei a fumegação por mais um tempo.

Havia uma piscina na casa, cheia de água verde e plantas variadas, que se colocavam pela borda como braços de criaturas HORRENDAS. Aspecto pantanoso. O adorador de Bob Marley aventurou-se na podridão e quase pude perceber a resistência da água quando ele deu uma ponta na gigantesca gelatina de limão. A mim, só restou preservar o grão de dignidade que ainda guardava no bolso e comunicar : - preciso dar uma deitadinha.

Mas não deitei sozinho. Belzebu escamoteou-se para o leito. E me levou aos delírios mais desgraçados que já tive. Mais do que a pneumonia sofrida aos oito anos e que resultou numa febre equatoriana, me deixando deitado por dias e me proporcionando a leitura do meu primeiro livro, a saber O menino candeeiro. Bom livro, aliás. Mas bem. Fui dominado por uma sucessão de imagens e sensações absurdas, difíceis da narrar e de lembrar, tremendo e tentando me reconciliar com meu sistema neurológico. Pânico e ansiedade. Na hora, não me parecia justo que escapasse ileso. Tinha certeza que sofreria uma lesão irreversível. Fiquei lá, em chamas, durante um tempo que pareceu elástico, sob observação atenta de uma companheira, que temia pelo enfarto fulminante - 24 anos, difícil de sair vivo. "Estudante de Jornalismo abusa das drogas e sofre enfarto", estampava a Zero Hora impressa no éter pelo meu cerebelo.

Eis que no meio da fantasia e do desespero, vislumbro um brócolis, tenro, grande, verde. Tínhamos comido massa com brócolis. Aquilo foi o ápice da fantasmagoria vespertina. Mas a singela planta da família das CRUCÍFERAS também representou o meu retorno ao mundo real. Numa manobra súbita, saltei e já estava no banheiro, acertando as contas com o estômago, que insistia em se livrar de mim. Voltei para o quarto e me atirei na cama, quase lúcido, mas envergonhado diante da civilização. Então, lembrei. O jogo. Puxei o rádio e o coloquei sobre a barriga, ainda confundindo locução e fantasia, meio louco, meio são. Volta e meia, vinha da rua um grito desesperado, direto da garganta do senhor da minha desgraça:

- DÔGGLAAAAS, E O COLORADO?

Puta que me pariu. Eu não conseguia nem respirar, quanto mais responder qualquer coisa. A partida estava empatada. Mesmo entregue às moscas, tentei torcer. Achei que não ia dar certo, pois acredito que cada jogo precisa de um nível absurdo de concentração de cada torcedor. Mas o Inter marcou o gol da vitória no final. Wilson, o zagueiro que também gostava de Bob Marley. Entendi a coincidência como prelúdio de uma conspiração. Estendi um insólito punho cerrado para o ar, o que deve ter feito a cúmplice suspeitar que eu estivera fingindo. Mas foi um movimento involuntário. E não poderia deixar passar um gol sem comemoração. Dormi. Acordei com a maior dor de cabeça que já existiu na história da humanidade. Solito no quarto, com uma picareta atravessada do cume do melão até o queixo. Estavam lavando a louça. Cada vez que uma colher de chá tocava na pia, era como se alguém girasse a picareta em 180 graus. O desespero me fez reunir forças e clamar por atenção:

- Opa.

Fui atendido.

- Por favor, tentem fazer NENHUM barulho. Minha cabeça está RACHANDO.

Aos poucos, uma entidade qualquer extraiu lentamente a picareta da minha cabeça. Levantei como se tivessem me virado do avesso e passado num ralador. Cambaleei até a cozinha. As pessoas estavam se divertindo, o que me pareceu um comportamento demasiado pornográfico naquela altura das coisas. Malditos FUMETAS experientes.

- Fiquei meio mal -, comentei com o ALGOZ.

- É que era de um TIPO ESPECIAL.

Era skunk.

- Ainda bem, achei que fosse o demônio prensado.


Nota: esse texto trata-se de uma advertência à JUVENTUDE e culmina com o conselho: NUNCA abandonem seu time pela FUMETAGEM. E se forem a Morungava, tenham cuidado.

Saudações,
Douglas Ceconello.

Publicado em maio 22, 2007 2:28 PM

Comentários

"Achei que não ia dar certo, pois acredito que cada jogo precisa de um nível absurdo de concentração de cada torcedor".

Tb acho isso, inclusive penso ser uma das causas dos recentes infortúnios colorados: FALTA DE MOBILIZAÇÃO!

Publicado por: Ricardo em maio 22, 2007 2:42 PM

O INSANUS SERÁ FECHADO AGORA.

Adeus, mundo.

Vou ali me cegar, que é para nunca mais conseguir ler nada nessa vida.

PALMAS, IRMÃO.

;~~~

Publicado por: EGS em maio 22, 2007 2:43 PM

:~~~~~~~

eu, se fosse da redação do impedimento, IMPEDIRIA que houvesse comentários nesse post.

fechem a internet.

[comentário básico: tomou UM ENGRADADO DE CONHAQUE e colocou a culpa em JAH. sei. dslçkfds]

Publicado por: dante em maio 22, 2007 2:48 PM

"andando pelo pátio de forma semelhante à que posteriormente vi Johnny Deep fazer ao interpretar Hunter Thompson. Mas meu medo e delírio sucedia em Morungava"

Hohohohoh

"Fear and Loathing in Morungava". Um dos raros casos em que a refilmagem é superior ao original! :-)

Publicado por: Otávio Niewinski em maio 22, 2007 3:02 PM

"O desespero me fez reunir forças e clamar por atenção:

- Opa."

Obrigado por esse momento.

Publicado por: Francisco em maio 22, 2007 3:15 PM

Sensacional. Mais um post desses e serei demitido.

Publicado por: Patrick em maio 22, 2007 3:22 PM

Bahhh... Mas esse era do bom! =D

Texto em chamas, como vocês dizem... Consegui ver a tal da picareta...

Publicado por: RAMiRO em maio 22, 2007 3:25 PM

"Por isso, hoje rendo preces apenas ao DEUS CANECO".

Amém

Publicado por: Gralha em maio 22, 2007 3:28 PM

Eixo do Mal: Glorinha - Morungava.

Publicado por: Luiz Filipe em maio 22, 2007 3:46 PM

Riozinho também é terra do tinhoso.

"- Baahh, vamos escutar um Bob -, diz o malandro.
- Odeio reggae"

Muito ouvi isso aos 15 anos. Tive que aprender a gostar, pois não.

Publicado por: Francisco em maio 22, 2007 3:51 PM

"Admito que me passei e traguei como se fosse o MINISTRO."
Ministro mesmo é o Perdigão, cara... Pergunta pra ele como se faz pra poder DAR UM TAPA NA BEATA e e depois bater uma bolinha tranquilo...
Como de praxe, excelente relato. Visualizei muitas passagens...
Abraço e segue o baile!!!

Publicado por: Otto em maio 22, 2007 3:53 PM

"Visualizei muitas passagens..." (2)

Rá, eu também já caí nesse golpe! Tomei várias cevas e fui bem inocente acompanhar uns macaco velho no sinal de fumaça. Quando eu vi tava em outro hemisfério. No outro dia parecia que o LARÁPIO tava ensaiando com o bumbo dele dentro do meu tímpano. Mas a vida segue.

Ótimo texto.

Publicado por: bruno em maio 22, 2007 4:15 PM

uma bela homenagem a la banda marley. caburarei amanha. queima babilonia.

Publicado por: mauricio em maio 22, 2007 4:22 PM

Muito Genial.

Também acho que deveríamos bloquear os comentários neste post, Dante.

Publicado por: Antenor em maio 22, 2007 4:47 PM

Leão chama gol. Mas tem que ser no primeiro tempo. Tu deu sorte.

Publicado por: Thiago em maio 22, 2007 4:56 PM

Gonzo Jornalismo RULES!
Parece o Cardoso!

Publicado por: Marco em maio 22, 2007 5:03 PM

" - preciso dar uma deitadinha"
frase clássica do cidadão que se passou na jogada.

Publicado por: Pato em maio 22, 2007 5:10 PM

vai lá, antena.

apaga tudo.

tu tem a senha.

dfçlsd

Publicado por: dante em maio 22, 2007 5:29 PM

"Mas não deitei sozinho. Belzebu escamoteou-se para o leito." asdfjklçççklajsfkls

Acho que a culpa foi do BRÓCOLIS...

Publicado por: JC em maio 22, 2007 5:30 PM

bloqueiem já. Aliás, bloqueiem o blog inteiro.

Publicado por: Luís Felipe em maio 22, 2007 5:54 PM

GENIAL. Esse guri merece uma ESTATUA ja'.

Publicado por: Francisco Mahfuz em maio 22, 2007 7:17 PM

muito muito muito bom

Publicado por: fernando em maio 22, 2007 9:52 PM

Lágrimas. Magnífico. Merece uma oração ao DEUS CANECO.

Publicado por: Giordano em maio 22, 2007 10:28 PM

IMPLODI.

sério, abandonei a escrita.
sensacional texto.

Publicado por: Gustavo, Cavinato em maio 22, 2007 10:31 PM

primeiro semifinalista: CÚCUTA

empatou em 2x2 com o Nacional no Uruguai.

bem feito. chupa que a cana é doce, bolso.

Publicado por: Anonymous em maio 22, 2007 11:29 PM

putalamerda!!!!!!!!!!
várias passagens BRILHANTES!!!!
chega.

Publicado por: Egon em maio 23, 2007 1:20 AM

Brilhante, Douglas. Simplesmente brilhante.
Passagens a destacar:
"Mas ali ficamos, ainda felizes, com Buffalo Soldier comandando as ações."
"Admito que me passei e traguei como se fosse o MINISTRO."

Publicado por: leandro rizzi em maio 23, 2007 8:54 AM

depois disso, fiquei sem vontade de ler mais nada... eu tava aqui com um philip roth e pensei: "bah, não é tão legal como o douglas"... e aqui mesmo no blog, só quero ler esse texto. quando eu for famoso e me perguntarem qual livro eu levaria para uma ilha deserta, eu vou responder: o post do douglas fumegando em morungava... agora chega, já puxamos o saco demais. porra, mas que texto! que texto!!!

Publicado por: fernando em maio 23, 2007 10:05 AM

Legal que vocês gostaram. Agradeço pelos comentários. Ter meu nome na mesma linha do senhor Roth foi um senhor susto, mas nem perto de quando vi a citação acerca do mestre CARDOSO. O ruivo comanda a boca.

Publicado por: Douglas Ceconello em maio 23, 2007 10:49 AM

parecia história do cardoso mesmo, só tinha que ser jogo do grêmio.

Publicado por: lucas pp em maio 23, 2007 2:31 PM

FABULOSO.

Publicado por: Cardoso em maio 23, 2007 3:00 PM

Destruiste!! Simplesmente.

Publicado por: Gustavo em maio 23, 2007 5:36 PM

isso me lembrou um surto que eu tive viajando com o Inter para o Paraguai, nas semifinais contra o Libertad ano passado. No início da loucura, fumei uma bomba de HAXIXE junto com o companheiro do lado. Todas as minhas tendências a transtorno obssessivo compulsivo foram manifestadas naquele momento. Dizem que eu sentava e levantava da cadeira, ficava de pé no corredor, abria a tampa do freezer, não pegava nada, fechava de novo e sentava. Repeti esse movimento umas 200 vezes. A única coisa que eu lembro é que tentava dormir e não conseguia. Era desesperador. Ainda mais num lugar fechado.

Publicado por: Anonymous em maio 23, 2007 6:10 PM

Mas esse sujeito é um gênio, mesmo.

Publicado por: Renato K. em maio 23, 2007 7:45 PM

"A euforia era tanta que não demorei a preencher com DOMECQ um copo cujo tamanho recomendava que deveria ser usado para consumir líquidos benéficos à saúde"

Me identifiquei nessa ai tb. Muitas vezes bebo em copos inapropriados e muitos mililitros acima do que deveria para o teor alcoólico da bebeida que preenche o vasilhame.
Abraço. parabéns e ótimo post.

Publicado por: Anonymous em maio 24, 2007 2:15 PM

Sensacional!

Mais um ou dois post's deste nível e terei que procurar um novo emprego.

DOMECQ é o que há!

Publicado por: Marcelo Brazil em maio 24, 2007 3:32 PM

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