Te pego lá fora
A educação no Brasil parece estar melhorando, pois cada vez menos vejo classes rabiscadas ou chiclés por baixo das mesmas. No entanto, tal indicativo pode não ser correto, já que as salas de aula de universidades devem ter aspecto diferente das de primeiro e segundo grau espalhadas pelo país. Além disso, só conheço salas de aula no Rio Grande do Sul. Na verdade, fiz também provas de vestibular em Santa Catarina e no Paraná, e nos dois casos as classes pareciam mais limpas que as classes gaúchas.
Deixando de lado tudo isso, fui surpreendido por algumas inscrições na classe que ocupava durante uma aula - na qual era informado acerca do conchavo entre as elites indígenas e os conquistadores da América hispânica - unidos pela manipulação das massas em prol do empreendimento colonizador.
Prestava atenção em tudo, mas percebi rabiscos na classe. Removi o caderno e li:
"A melhor banda de todos os tempos: Dream Theater"
De fato, é uma boa banda. Alguém, de bom senso de humor e no intuito de polemizar, acrescentou um ponto de interrogação a tudo.
A melhor banda de todos os tempos: Dream Theater"?"
Aberto o espaço para a argumentação, a resposta veio em seguida.
A melhor banda de todos os tempos: Dream Theater? "Sim"
E continuou:
"Feeling, técnica e pegada!"
"A união perfeita entre a força do hard e heavy e a magia do rock progressivo."
Foi um argumento aceitável. Geralmente, pessoas que gostam de Dream Theater têm bom coração - embora passem muitas vezes por arrogantes ou loucos. O segundo disco da banda, "Images and Words", é uma obra-prima altamente recomendável.
Infelizmente, a discussão não ficou por aí. Alguém entrou de sola, rabiscando uma flecha para a explicação do metaleiro e disparando:
"Baita merda."
"Quem são vocês? Estudantes de Engenharia?"
"Vão escutar Sonic Youth!"
Isso não foi simpático.
Aparentemente, a reprimenda foi obra de um estudante de Humanas.
Mas por que um estudante da área de Humanas não pode escutar Dream Theater?
Talvez a grande "técnica" inerente ao metal progressivo seja inconscientemente relacionada com a área de Exatas.
Mas a grande questão é: por que Sonic Youth como sugestão?
Dream Theater e Sonic Youth estão em dois pontos muito distantes do universo musical.
Conheço as duas, e no meu papel de juiz-observador dos rabiscos na classe, aponto Dream Theater como superior. Já me esforcei, mas nunca consegui gostar muito de Sonic Youth. "Teenage Riot" e "100%" são ótimas músicas, de fato.
Talvez o problema seja a deturpação: a banda Sonic Youth foi grande influência para o grunge, mas o "Sonic Youth" que o estudante de Humanas usou para esnobar o metaleiro não é a banda. São as camisetas e a atitude blasé de pessoas espalhadas por aí, que provavelmente não escutaram um disco inteiro da banda, e inexplicavelmente misturam tudo ao visual Londres 60´s. Muito anacronismo. Seria saudável para todo mundo ficar mais tempo em casa escutando as músicas e pensando sobre tudo isso.
Para iluminar o caminho de todos, surge este podcast no qual pessoas não identificadas delimitam o que deve ou não ser ouvido. Filantropia, praticamente.
De volta aos rabiscos, me parece que a solução para a pendenga foi encontrada por outro ocupante da tal classe, que escreveu abaixo de toda a discussão:
"Max Weber viado."
"Descartes descartou a tese de Locke."