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da arte de desperdiçar tempo e dinheiro
Como os leitores já sabem, meu voto é pelo não. No fundo, a questão que temos de nos fazer é a seguinte: proibir o comércio de armas de fogo para pessoas físicas civis vai diminuir o número de homicídios? Ser a favor ou contra a existência de armas, achar ou não que ter arma em casa deixa as pessoas mais seguras, acreditar no direito dos cidadãos de possuírem pistolas e revólveres, nada disso vem ao caso — ao menos, se o sujeito estiver preocupado menos com questões morais e mais com meios práticos de diminuir a violência. E o mais provável, corta o coração admitir, é que nada vai mudar, ou até pode piorar.
No fim das contas, o que incomoda mesmo é a irrelevância do processo todo. Gastou-se centenas de milhões de reais — entre R$ 250 e R$ 700 mi, dependendo da fonte — para se tomar uma decisão que, na prática, não vai influenciar em quase nada. Por que não votar "sim", então, e parecer muito mais simpático aos leitores, sem falar na vantagem de ficar em paz com a própria consciência e não se enfileirar junto à laia de bárbaros ignorantes que nem mesmo deveriam ser autorizados a andar nas ruas?
O motivo principal é que, como provam as drogas, como provou a lei seca nos anos 1920 nos EUA, qualquer proibição acaba criando tráfico, que gera violência. Sem se atacar as causas da demanda, de nada adianta proibir coisa alguma. Muita gente nas fileiras do "não" é maluca o suficiente para ir até o Paraguai, ou subir o morro, para adquirir uma arma. Ilegal por ilegal, provavelmente ainda vai comprar uma arma mais pesada, de uma vez. Tendo de lidar com marginais, o sujeito se expõe à violência, ou mesmo a entrar na criminalidade. Sem falar no patrocínio a operações de tráfico de drogas, assaltos e seqüestros.
Outro aspecto é a deterioração ainda maior da polícia e dos burocratas, inevitável com o aumento do contrabando de armas. Desde policiais vendendo armas apreendidas — como já fazem com drogas —, ou as da própria polícia, até agentes da alfândega recebendo propinas — ou tiros — para deixar uma carga de pistolas passar. Propinas também vão rolar para superar os entraves burocráticos e poder comprar uma arma de forma "legal". O Brasil definitivamente não precisa disso.
A proibição também não deixa de ser manobra diversiva do governo. Em vez de investir em fiscalização efetiva, depuração dos quadros da polícia e neutralização das causas principais da violência por meio de investimento em educação e pela distribuição de renda, faz-se um referendo, finge-se proibir o comércio de armas e gera-se a impressão de que alguma coisa foi feita.
Certo, então a proibição do comércio vai poupar algumas dezenas de vidas por ano. Isso não se discute. Porém, tenho a firme convicção de que os efeitos perversos da proibição vão superar os efeitos benéficos. Só por isso voto "não". No entanto, espero até o último momento algum argumento que me permita votar "sim" e ficar parecendo uma pessoa bem melhor aos meus próprios olhos. Este post estava planejado para sábado, mas resolvi publicar antes para receber as repercussões a tempo. No fim, talvez fosse melhor anular, ou simplesmente não ir votar, para não legitimar mais essa palhaçada.
A seguir, desconstruo alguns dos argumentos reunidos durante este mês inteiro de discussão no insanus.org:
Indiscutível. O único objetivo de uma pistola, revólver, fuzil ou canhão é matar pessoas ou animais. Há, claro, tiro ao alvo, mas isso poderia ser feito com arco e flecha, lanças, zarabatanas ou carabinas de pressão. No entanto, o referendo não proíbe as armas, então essa discussão é inútil. Elas continuarão sendo fabricadas, não só aqui, como no mundo inteiro.
É um argumento tão bom quanto aquele mais imbecil da turma do "não", de que "na Suíça todo mundo tem fuzil em casa e quase não há homicídios com armas de fogo". Apenas os valores da equação se invertem. O desarmamento voluntário já causou uma queda expressiva nas mortes violentas, mas esse número provavelmente não vai mais baixar muito, agora. Quem tem arma não pretende mais entregar, quem quer muito ter vai dar um jeito de comprar.
Mentira. Deslavada. Lendo o estatuto do desarmamento, descobre-se que o comércio continuará existindo, porque algumas pessoas terão o direito de possuir armas, como moradores de regiões rurais, fiscais da Receita Federal, policiais aposentados, colecionadores, caçadores e praticantes de tiro ao alvo. Aliás, muita gente pensa que o referendo é para aprovar um tal "desarmamento". Nada a ver. Acaba só com o comércio para pessoas físicas civis que não se enquadrem nas categorias acima.
Duvidoso. De acordo com a Veja, a cada ano são vendidas 3 mil armas para pessoas físicas civis no Brasil. Em quanto este número vai diminuir, considerando que as pessoas citadas acima, basta apenas mentirem um pouquinho ou molhar a mão da polícia, continuarão comprando? Elas poderão ter suas casas roubadas. Isto para não falar dos cidadãos que vão simplesmente adquirir peças contrabandeadas.
O problema deste argumento é pensar que os marginais são burros ou podem simplesmente largar o crime e ir trabalhar no Banco do Brasil. Nem o número de latrocínios vai diminuir, nem os homicídios, nem os assaltos em geral. Um teste de múltipla escolha pode ilustrar o porquê:
Você quer ser um assaltante fodão e, com a proibição do comércio de armas de fogo, percebe alguma dificuldade em arranjar uma pistola. Você:
1- Entra no tráfico, assalta velhinhas usando facas, ou pratica pequenos furtos até conseguir dinheiro para comprar uma arma contrabandeada.
2- Mesma coisa que a resposta acima, mas corrompe um policial ou militar para conseguir a arma.
3- Junta-se a uma quadrilha que possa lhe oferecer pistolas ou fuzis.
4- Percebe que pode ganhar muito mais dinheiro roubando armas de empresas de segurança privada ou contrabandeando e entra no negócio.
5- Desiste de assaltar.
Todas são factíveis, exceto a última resposta. Este argumento também é um tanto engraçado. Quer dizer, como as armas legais caem nas mãos dos bandidos? Para assaltar um cidadão portador de pistola ou revólver, o bandido tem de, no mínimo, usar uma pistola ou revólver. Ou você entregaria sua pistola a um bandido que o ameaçasse com uma faca? Nesses casos, o elemento já tinha uma arma antes do assalto, e vai continuar tendo.
Verdadeiro, mas falacioso. O principal motivo é justamente o fato de as pessoas predispostas a se desarmar já o terem feito, como foi dito acima. Quem ainda não entregou suas armas não vai mais fazê-lo, então a estatística dificilmente vai cair muito mais.
Não vende, mas exporta ao Paraguai, o que dá no mesmo. Aliás, analisando-se o que acontece com cigarros, os fabricantes provavelmente nem vão precisar enviar as peças até outros países. Vão simplesmente vender direto aos bandidos no Brasil mesmo e depois simplesmente fingir que exportaram.
Pode até ser. Mas a julgar pela mediocridade da campanha contra a proibição do comércio de armas, quando comparada à campanha do "sim", fica-se com a impressão de que esses interesses econômicos são muito pobres.
Para provar que não se trata de sectarismo, seguem desconstruções dos principais argumentos favoráveis ao "não":
Pode até ser — e acho que não é —, mas é péssimo exercê-lo. Exceto para moradores de zonas rurais, pistolas, revólveres e carabinas são praticamente inúteis. É muito difícil ter a chance de reviravolta em uma situação de assalto. As estatísticas provam que armas não valem a pena. De qualquer modo, os direitos dos brasileiros não vêm ao caso no referendo, já que em algumas situações o sujeito ainda poderá adquirir armamento. Será apenas um direito mais difícil de efetivar.
Improvável. Além de terrorista. Nenhum ladrão precisa entrar em uma residência com os proprietários presentes. Pode sempre esperar uma oportunidade melhor. Além disso, a maioria deles já parece não ter medo nenhum, com cidadãos armados e tudo.
Falacioso. Não se pode esperar que todos os brasileiros que comprarem armas aprendam a usá-las direito. Não vão. Basta ver quantos compram carros e passam a fazer imbecilidades no trânsito. Também, a mania de comparar armas com outros utensílios potencialmente perigosos, como remédios ou produtos de limpeza, é outra falácia, já que estes produtos não são feitos com intenção de matar. Ao contrário das armas, são necessários para o cotidiano. Uma sociedade civilizada não precisa de armas.
Ridículo. Tão ridículo quanto botar um monte de artistas ignorantes sobre o assunto a defender qualquer posição. Pode até ser que as celebridades tenham dinheiro suficiente para meterem-se em condomínios fechados com guardas, mas a verdade é que ninguém está seguro, seja onde for. Nem ninguém ficará seguro, até que as causas reais da violência sejam neutralizadas: a falta de socialização através da educação formal e a péssima distribuição de renda no país.
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