Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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entre o céu e a terra

Alguém lá em cima realmente gosta de mim. O vôo Frankfurt-Guarulhos da Varig estava completamente lotado, porque mudaram a aeronave que normalmente cobre esta linha para outra menor. O resultado é que eu fui parar na classe executiva. Vou contar uma coisa para vocês: é outro mundo. O sujeito se sente até tratado como ser humano.

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Meus pés, lives, leves e soltos. Notem que a poltrona da frente não faz sombra.

Em primeiro lugar, há espaço de sobra. Não sou alto, mas tenho certeza de que mesmo um sujeito de 1,90 m conseguiria sentar-se confortavelmente nas poltronas. Por mais que esticasse as pernas, não conseguia tocar no assento da frente com o pé. Além disso, é possível não apenas reclinar, mas ainda regular a região lombar, estender o comprimento da poltrona e há um descanso para os pés.

A sacolinha com mimos não é de plástico, mas de algodão. Inclui meias, um tapa-olhos, escova de dentes e pasta, mais um hidratante. Antes de dormir, cada passageiro recebe uma garrafinha de água mineral Vittel, francesa. Gostaria de ter tirado fotos mais ilustrativas, mas não queria me portar como um parvenu em frente aos homens de negócios. Já bastava estar vestido como um mochileiro.

Há três banheiros para cerca de 30 lugares. E pelo menos quatro comissários. No entanto, é na hora do jantar que se percebe o abismo existente entre a classe executiva e a cannaile lá do fundão.

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Ao centro, o rosbife com a alcaparra. Acima, o saleiro e pimenteiro individuais.

Para começar, os talheres são de verdade. De aço, não aquelas porcarias de plástico da classe econômica. Isso confirma minha resposta habitual a quem dizia que os talheres são de plástico por segurança: balela. São de plástico é porque custam menos. As companhias só aproveitaram o terrorismo internacional para cortar custos. Mas tergiverso: como dizia, os talheres são de verdade e os copos também, mas não de cristal. A comida vem em tigelas de porcelana, não naquelas sarcásticas caixinhas de plástico. Toalhas quentes foram distribuídas antes da refeição.

— O senhor quer beringela ou rosbife de entrada?

Entrada! A isso seguiu-se uma sopa cremosa de cogumelos e a opção entre peixe, frango ou carne. Pedi carne, pois não vira um só bife nos últimos dois meses. Veio acompanhada de arroz branco com arroz selvagem. Junto ao rosbife, por sinal, veio a maior alcaparra que já presenciei. Nem sabia que elas podiam chegar ao tamanho de uma uva. Sob pretexto de ensinar alongamentos, uma gostosa protagonizava no vídeo um filme erótico ono-lésbico, auto-estimulando-se em todos os pontos do corpo.

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Copos de verdade para vinho de verdade e o prato principal.

Fora isso, havia ainda uma salada e pão. Para a salada, uma dose de vinagrete muito maior do que a oferecida aos desgraçados da classe econômica. Cada bandeja da classe executiva vem com seu próprio saleiro e pimenteiro. Os comissários oferecem pãezinhos extras a quem quiser — mas os pães estavam meio dormidos. Para beber, vinho italiano ou chileno, ou champanhe. Porém, mesmo na classe executiva a Varig continua servindo Kaiser em vez de cerveja. Após o jantar, havia a opção entre salada de frutas ou um tipo de Apfelstrudel. Os mais afrancesados podiam contar, alternativamente, com um prato de queijos.

Mais importante de tudo: a comida tem gosto! É possível servir algo que preste em aviões.

O café da manhã seguiu no mesmo nível, com iogurte, croissant, pão ciabatta, presunto de Parma, queijo brie, bolotas de manteiga em forma de flor, pão doce e folhado com recheio de tomate. Fico pensando como deve ser a primeira classe, se a executiva é assim. Imagino que a entrada seja caviar servido por uma gueixa japonesa, que lhe faz uma massagem nos pés enquanto você come assistindo a um show de dança do ventre, tudo regado a champanhe.

Infelizmente, na viagem entre São Paulo e Porto Alegre fui defenestrado para junto da arraia-miúda novamente. Esmagado em um assento da classe econômica, procurei manter a calma enquanto esperávamos no solo por uma hora e meia, sem ar-condicionado, a resolução de um problema de overbooking — confusão que prefiro atribuir ao clima de Carnaval, não a uma possível desestruturação da Varig. Revoltado, tentei mesmo incitar um motim por melhores condições entre os companheiros de tortura da classe econômica, mas foi impossível tirá-los de sua alienação. O espírito bovino do proletariado é de fato o maior culpado por seus sofrimentos.

26 de fevereiro de 2006, 14:07 | Comentários (20)



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mãos de cavalo,
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