Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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visões do centro

Participei nesta segunda-feira de um grupo focal sobre o Centro de Porto Alegre, organizado pelo professor Walter Nique, da Escola de Administração da UFRGS. Fui convidado por ser morador do bairro e, suponho, blogueiro. Conversando com o professor Nique, sujeito simpático e aparentemente entusiasmado com a vocação, descobri que a iniciativa foi dos alunos, que em sua cadeira devem produzir uma pesquisa em marketing a cada semestre. No site da disciplina pode-se baixar PDFs com todas as pesquisas já feitas. Uma boa fonte de informação sobre a cidade.

Entre os colegas, o major Maciel, da 1ª Companhia do 1º Batalhão da Brigada Militar, responsável pelo policiamento da região, Cláudio Klein e Fortunato, da associação dos concessionários do Mercado Público, Clarissa Ciarelli, editora dos cadernos de Bairro da Zero Hora, e Maria Erni, arquiteta da secretaria de Planejamento. Foi uma boa oportunidade de ter uma idéia do que se pensa sobre o Centro. A discussão girou em torno principalmente da questão da segurança e da deterioração dos aparelhos públicos.

O major Maciel certamente foi corajoso em comparecer. Era óbvio que ele teria de se defrontar com a ira dos cidadãos presentes. A maioria parece compreender que o comando da BM não tem tanta culpa pela falta de efetivo para policiar o Centro da capital, mas isso não aliviou as reclamações. Eu, por exemplo, comentei com o major que é inaceitável não se ver um só PM durante quase dois anos de trajeto diário pela praça Argentina. Todos os dias passo lá e todos os dias há vidro de carro quebrado no chão ao longo do meio-fio. Ou seja, até os minerais sabem que se rouba um monte de carros lá. Por outro lado, o major afirma que já prendeu um mesmo sujeito 60 vezes. Em todas ele foi liberado pelo Judiciário. Assim, realmente, fica difícil trabalhar.

Major Maciel trouxe algumas estatísticas interessantes: o Centro tem 42 mil moradores e 8 mil pontos de comércio regular. Suspeita-se que existam mais 2 mil pontos de comércio irregular, além dos camelôs. Há mais ou menos 1400 moradores de rua adultos, além de 300 que dormem em um abrigo perto da rodoviária e durante o dia "vão para onde podem conseguir dinheiro e comida", ou seja, furtam ou cometem pequenas trapaças. Há também um abrigo para 50 menores. Uma das campanhas do major é para que esses abrigos sejam mandados para outra área da cidade, o que diminuiria os problemas no Centro, onde há pouco efetivo. Também reclamou que as delegacias da Polícia Civil ficam na Riachuelo, fora do miolo mais populoso, e na Ramiro Barcelos, longe demais. Isso sobrecarrega a BM com a necessidade de redigir boletins de ocorrência. Para piorar, gente que mora na periferia faz os boletins no batalhão do centro, porque o Tudo Fácil fica na Borges. Essa gente, por não saber como funciona o sistema policial, diz que foi roubada no Centro, quando na verdade o crime ocorreu em outros bairros, o que infla as estatísticas. Conforme dados das associações de transportadores e Trensurb, o Centro tem uma população flutuante de 600 a 800 mil pessoas por dia.

De qualquer modo, a percepção geral é que no Centro há poucos crimes violentos. Em geral ocorrem furtos e estelionatos. Os próprios moradores não se sentem muito ameaçados, embora certamente não andem tranqüilos por aí.

O maior atrativo do centro parece ser mesmo a grande diversidade comercial, cultural e social. Pode-se comprar desde DVD pirata no camelô a roupas de grife, pode-se comer cachorro-quente a R$ 1 com três salsichas ou bacalhau no Gambrinu's, pode-se falar com a elite política ou com mendigos. Cláudio Klein, da Banca 43 do Mercado Público, perguntado sobre sua percepção do Centro, respondeu: "se for pedir para o meu cliente responder em uma palavra, ele vai dizer que é uma esculhambação". Meio que se arrependeu quando, na minha vez, peguei sua definição e disse que a tal esculhambação é justamente o charme do bairro. Como tem um cargo político, deve ter achado que pega mal. Mas penso que ele tem toda razão. O Centro certamente parece uma esculhambação para muita gente. Há quem goste de diversidade, porém. Tanto que a editora dos cadernos de bairro, Clarissa Ciarelli, identificou uma tendência crescente de artistas e intelectuais de ocupar o Centro. No fim das contas, todos os participantes mais ou menos concordaram que o Centro reflete todas as vantagens e desvantagens da situação cultural e social do Brasil. Ou seja, resolver o problema do Centro exige resolver os problemas não apenas de Porto Alegre como um todo, mas também da Região Metropolitana.

Outra questão levantada foi da falta de higiene. Com poucas lixeiras e 1400 moradores de rua, além dos camelôs, fazendo suas necessidades nas calçadas, as ruas ficam uma porcaria. O problema é que, no Mercado, por exemplo, as pessoas levavam até torneiras e lâmpadas, antes de começarem a cobrar uma taxa pelo uso dos banheiros. Sugeri que se instalassem vespasianas, como as que existem em Amsterdam.

Na verdade, fugimos um tanto do objetivo do grupo focal, que era levantar categorias de percepção do Centro de Porto Alegre entre seus moradores e freqüentadores. Falou-se mais na questão da segurança, mesmo, e os representantes de instituições pareciam estar falando de palanques. Os dados recolhidos serão usados na criação de um questionário, a ser aplicado entre os habitantes da cidade toda. Pretende-se descobrir o que pensam do bairro. Os resultados serão publicados no site da disciplina ao final do semestre.

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Este texto foi republicado no Palegre, blog sobre a capital editado pelo jornalista e webdesigner Solon Brochado.

19 de setembro de 2006, 17:23 | Comentários (13)



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