Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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Eu me perguntei muitas vezes se deveria escrever algo mais sobre a morte do Gabriel. O texto que saiu no calor do momento é um tanto seco, mas na verdade essa aridez reflete minha sensação de total perplexidade. Usei a palavra "inacreditável" naquela hora. Creio ser a palavra que melhor descreve tudo isso. Mas escrevi este novo texto. Queria tê-lo publicado na quarta-feira, mas uma pane em meu computador impediu.

Nos últimos meses andava muito com o Gabriel. Um dos motivos era ele ser o único da turma ainda sem a namorada por perto e com paciência para a boemia. Não tinha proposta de farra que ele não aceitasse. Isso me deu uma chance de conhecê-lo bem melhor e me tornar ainda mais amigo dele, algo para além da afinidade de projetos que tínhamos no início. Trabalho em casa e por isso vejo pouca gente no meu cotidiano. Gabriel talvez fosse a pessoa que vi com mais freqüência nos últimos tempos.

As pessoas entram e saem das nossas vidas enquanto elas se desenrolam. Meus amigos de hoje não são os amigos da época do colégio. Quando alguém novo entra em sua vida, você passa a freqüentar novos lugares, novas pessoas, novas idéias. Cria novos hábitos. Vira outra pessoa. Essa presença tão forte do Gabriel ultimamente fez com que eu desenvolvesse um modo diferente de ser no mundo. Amizade é isso, acho: assimilar aspectos de uma outra personalidade e se tornar um pouco aquela pessoa. De certa forma, é como se esse ponto de intersecção entre sua personalidade e as de seus amigos fosse um filho seu com cada um deles. Não é à toa que muita gente diz que sua família de verdade são os amigos.

E talvez seja justo essa forma de ser no mundo que criei em por causa dele o motivo de não conseguir acreditar. O mundo é em parte construído por nossos pensamentos e emoções, que influenciam a forma como vemos e interpretamos tudo. Porque ainda tenho o hábito do Gabriel, o mundo ainda não mudou para mim. Mesmo tendo comparecido aos atos fúnebres, parece que a qualquer momento ele vai aparecer no messenger para falar bobagem, mandar e-mails com alguma idéia para um novo projeto, ou ligar convidando para alguma festa. Aí eu penso que o pior está por vir, quando eu perceber que ele não vai mais entrar no messenger, nem mandar e-mails, nem ligar. Que não vou mais planejar uma parte da minha vida em torno dele. Pensar "pô, isso parece legal, vou chamar o gabriel". Bem aí, quando o dia estiver bom para tomar uma cerveja na calçada, quando tiver uma dúvida sobre os templates do blog, quando tiver uma idéia para revolucionar a Internet, aí é que o hábito vai se manifestar e eu vou pensar em chamar o Gabriel. Aí, então, eu vou me dar conta de que ele não está mais aqui. Que o mundo mudou.

É esse o momento que eu temo. Já tive perdas na família, mas nenhuma das pessoas ocupava uma parte tão grande do meu mundo quanto ele. Agora essa parte está vazia. Com o tempo, vou encontrar outras pessoas e coisas para ocupá-la. A vida vai seguir, o mundo vai se remanejar outra vez. E outra. E outra. Mas se uma coisa serve de consolo quando penso nessa dinâmica de mudança, é que esses mundos nunca somem completamente. Os mundos que se foram permanecem como uma influência em todos os mundos que se seguem. Disso eu tenho certeza: o que criei em conjunto com o Gabriel vai moldar a minha vida até chegar minha vez de deixar partes vazias no mundo das pessoas que se relacionam comigo.

E é por isso que, como o Parada, eu não vou sentir saudades do Gabriel. Porque sei que, embora eu não possa mais chamá-lo quando o dia estiver bom para tomar uma cerveja na calçada, quando tiver uma dúvida sobre os templates do blog, quando tiver uma idéia para revolucionar a Internet, há uma parte dele que ficou aqui comigo. E essa não pode ser extraída do mundo de uma forma abrupta e estúpida.

8 de dezembro de 2006, 11:30 | Comentários (22)



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