A Vida Mata a Pau

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Wambsganns
Das tratadas aqui, apenas uma ocorrência não é verdadeira.

Exatos dois anos atrás, depois de tomar uma cerveja com alguns bixos da faculdade me encaminho para a parada de ônibus meio encervejado e quase que totalmente descapitalizado.

A conta é simples, ofereci 5 reais para minha parte da conta, me sobrou uma nota de dois reais no fundo da mochila. Como deixara a mesa mais cedo que os outros, e olha que já passavam das 22h, dei uma choradinha por um troco, mesmo que simbólico. E assim aconteceu, 10 centavos a mais na poupança.

No contabilizar do dinheiro já estava dentro do ônibus, mais lotado do que o normal, o que passaria desapercebido e seria encarado com naturalidade por alguém que como eu, desce no final da linha. Para não me deixar esquecer a lotação, deus colocou um corneteiro espremido antes da roleta na mesma lata de sardinha. Dizia ele que “esse ta chieo, logo, o outro deve estar vazio”, segundo a teoria do homem de 30, tudo não passava de um descompasso, assim, o da frente recolhia quase que o publico todo que os dois coletivos deveriam carregar.

Como não é de praxe, confrontei a tese: então descer comigo e vamos esperar o próximo. Afinal, se ele estava certo, passaríamos 5 minutos no máximo esperando. Ele topou, e negociamos uma aposta. Se em mais de 10 minutos ainda estivéssemos na parada, ele pagaria a minha passagem, do contrario – o contrário. Vendo tal confronto, o cobrador riu e o motorista deixou a gente descer pela frente.

Mais de 20 minutos depois embarcamos de novo, em um ônibus menos cheio, mas igualmente atrasado. Cobrei a aposta, mas o camarada só tinha dinheiro pra dele. Não quis revistar os bolsos do espertalhão, já que a vitória moral me bastava. Nunca paguei minha passagem tão feliz, aqueles dois reais foram sorrindo pro bolso da empresa de transportes, e o mirrado troco se juntou a meus 10 centavos de outrora. Somando, eram 55 centavos de alegria. 45 da passagem acrescidos aos do bar.

Eis que na janela, se levanta um passageira, atravessa o outro banco e vai ao corredor, descendo na seqüência. O meu em pé que trazia enjôo foi vencido com um “dá licença” para a menina da poltrona do meio. Fitou-me com cara de “putz”, e eu com cara de “come?”. Sentei na janela, e como também não é costume, consolei a moça:

“Olha, isso cedo ou tarde ia acontecer, sei que esse lugar ta vago há só alguns segundos e tu já tava esticando as pernas, mas acontece... ao menos sou eu”. Gosto de pensar que ela ficou aliviada em saber que eu não era um meliante comum. na pior das hipóteses, meio trajeto já tinha corrido, agora era só relaxar e esperar pela sorte.

Ela não tinha mais que 14 anos, daquelas esguias, que crescem aceleradamente e usam calças azuis, meio desengonçada em todos os movimentos, inclusive a fala, gerando a boca mole adolescente, potencializada por um chicle de bola. Cabelos cumpridos escorridos, com um elástico muito em cima, lembrando pirralhas que jogam vôlei. Errei o esporte.

A primeira que a patinadora me perguntou foi o que dizia minha camisa. “Jesus escreveu um cheque em branco” respondi. Sim, mas é uma piada? Uma dúvida cabível pra quem faz cursinho de inglês. Mas não, é sério. Não sei se falar sobre Deus era uma forma de fugir de assuntos que poderiam despertar o maníaco assassino que ela via em mim, mas foi o que ela fez. Jesus pra cá, aula de religião pra lá - um bom papo.

Tão bom que ela perdeu a parada. Desesperada ouviu que a rua que ela procurava ficou 8 paradas pra trás. No exato momento ela pega o celular e liga pra alguém que confirmou a rua, e o horário da apresentação. Pensei: faz sentido, para isso o patins! O desespero só aumentou. Mandei ela se aquietar, explicando que bastava atravessar a rua e pegar a mesma linha no sentido contrário, nada mais fácil – logisticamente falando. Não é o bairro mais seguro do mundo, mas aquelas quadras são movimentadas o bastante para não se temer nada.

De novo à bolsa! Dessa vez para pegar dinheiro. Por algum motivo imaginei que ela não teria o dinheiro pra passagem. Ela lembrou de tudo, celular patins, mas o dinheiro parecia bobagem. Coloquei a mão no bolso pra tirar minhas moedas, sem ela pedir. Ao mesmo tempo apresentamos o seu real achado e meus 55 centavos sobrevivente. Bingo, exatamente o preço da passagem.

Ela olhou muito apavorada pra mim, desceu sem falar nada. Só dizia “vai, vai, do outro lado da rua!”. Ela boquiaberta com o momento máximo de comunhão e caridade financeira perguntou:

- tu é o meu anjo?

No máximo da presença de espírito e sem rir – esforço máximo para conseguir ficar sério – apenas falei “não achou que eu tivesse barba né?” poderia ter falado sobre meu provável hálito de cana ou o quão descabelado e falastrão estava, mas acho que a barba foi a melhor opção. Ninguém quer nem imagina um anjo peludo e carpete.

Assim que ela salta do ônibus eu me jogo no chão. Me escondo quase embaixo do banco, tudo para ela não me ver. Aproveitei que o cobrador olhou pra mim assustado e perguntei a ele se ela estava olhando. Ele parou de olhar pra mim e catou a menina com os olhos no canteiro central da rua, espiando pra dentro do ônibus. Possivelmente sem me ver.

Uma combinação tão improvável de fatores, que inclui um atraso, um happy hour, dois falastrões e uma menina distraída não pode ser desperdiçada por relaxamento. Dia desses tive que mudar de calçada ao ver ela vindo pela rua, não posso vacilar, ilusão é tudo.

por Menezes - 5 minute não-design de Gabriel - um blog insanus