Cientista apaga memória de roedor traumatizado
março 13, 2007
Em estudo publicado ontem pela revista "Nature Neuroscience", os cientistas mostram como deixaram ratos traumatizados com o som de uma campainha --aplicando choques no animal cada vez que o ruído soava-- e depois usaram uma droga para "curá-los".
Para saber se as cobaias estavam esquecendo apenas o trauma alvejado pelo tratamento --sem perder outras memórias--, os cientistas induziram nelas o medo de uma segunda campainha, com som diferente. (Folha Online)
Cientista apaga memória de roedor traumatizado
RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo
Um grupo de pesquisadores conseguiu apagar com sucesso a memória traumática de ratos condicionados a sentir medo sem afetar outras lembranças do animal. O experimento --elaborado pelo neurocientista Joe LeDoux, da Universidade de Nova York-- deve ajudar a pesquisa de tratamentos contra fobias e distúrbios ligados a traumas emocionais, afirma a equipe de pesquisa.
Em estudo publicado ontem pela revista "Nature Neuroscience", os cientistas mostram como deixaram ratos traumatizados com o som de uma campainha --aplicando choques no animal cada vez que o ruído soava-- e depois usaram uma droga para "curá-los".
Para saber se as cobaias estavam esquecendo apenas o trauma alvejado pelo tratamento --sem perder outras memórias--, os cientistas induziram nelas o medo de uma segunda campainha, com som diferente. Ao final, elas eram tratadas apenas contra o medo da primeira, para comparação.
A estratégia foi aplicar uma droga indutora de amnésia (a U0126, proibida para uso em pessoas) ao mesmo tempo em que a campainha 1 soava para amedrontar novamente os animais já traumatizados. A droga, que age sobre uma estrutura cerebral chamada amígdala --envolvida na associação de memórias a emoções-- apagou apenas a recordação que estava sendo ativada no momento.
Depois do experimento, os animais não temiam mais o som da campainha 1, mas ainda ficavam paralisados só de ouvir soar a campainha número 2. Isso, diz o grupo, mostra que em tese é possível apagar memórias de medo seletivamente.
Estresse pós-traumático
Apesar de a droga usada no experimento não ser aplicável em humanos, os cientistas afirmam que um tratamento semelhante pode vir a ser usado para em pacientes de TEPT (transtorno do estresse pós-traumático).
Os portadores deste mal psiquiátrico --comum em veteranos de guerra-- têm constantes pesadelos e "flashbacks" dos traumas que viveram. Muitas vezes eles associam esses eventos a elementos do dia-a-dia e não conseguem retomar a vida normal.
Segundo LeDoux, o estudo sugere que deve existir uma maneira de usar drogas para auxiliar as terapias comportamentais contra a doença.
"O terapeuta poderia discutir memórias recorrentes que o paciente tem do trauma e então selecionar a reativação da memória, na presença de uma droga que evite o rearmazenamento da lembrança, reduzindo seu impacto", disse LeDoux à Folha. Já está nos planos do cientista o teste clínico de uma estratégia semelhante, mas com uma droga diferente.
Memórias humanas
"Queríamos ir mais rápido nos estudos com humanos, mas temos dificuldade para recrutar os tipos certos de pacientes e para obter todas as autorizações necessárias", diz. "Mas estamos cientes de que há uma série de questões éticas quando se trata de manipular memórias e sabemos da importância de respeitá-las."
A extensão do experimento para humanos, porém, também pode sofrer limitações técnicas.
"O medo tem uma conotação cognitiva em seres humanos que difere daquela de animais", diz o neurocientista Martín Cammarota, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), que também defende uma abordagem dupla (com drogas e terapia comportamental) para o problema.
"O TEPT também tem a ver com a história do paciente e com a condição psicológica e neuroquímica dele antes do evento do trauma."
Para o pesquisador é improvável que se consiga uma droga capaz de apagar memórias específicas em humanos. (Folha Online)
Walter Valdevino Comportamento , Estudo , Miolos Comentários (0)