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Somente quando apertei a BOTOEIRA para descer do coletivo é que percebi o que estava acontecendo lá na frente. Em pé, também se preparando para sair do ônibus, uma senhora de meia idade comentava entusiasticamente, balançando seus flácidos tríceps no ar, um assunto qualquer com outra senhora, que estava sentada por ali.
Trajando uma blusa branca respingada com pequenas flores vermelhas, a mulher deixava o trepidar agudo de suas cordas vocais ecoar com potência no ambiente, porém, estando eu no lado oposto ao dela, não conseguia ouvir do que se tratava.
Agucei os olhos e os ouvidos. Eu não podia perder aquele momento.
Em vão. A voz dela era muito aguda para que o som chegasse com qualidade até onde eu estava. Somando-se a isso os barulhos da rua, do motor do ônibus e das conversas atravessadas de outros passageiros, descobrir a PAUTA do diálogo transformou-se em uma tarefa para pastores alemães.
Resignado, adotei a boa e velha técnica mental do auto-convencimento. Comecei a introjectar na minha mente flashes de negativismo. “Ah, certo que ela tá falando de algo chato”. “Deve tá reclamando da máquina de lavar roupa dela”. Etc.
As chicotadas de negativismo foram, aos poucos, surtindo efeito. Eu já estava até delineando, ainda que de leve, um sorriso de alívio no rosto. Entretanto, quando eu menos esperava, fui surpreendido por um elemento que esfarelou por completo minha paz mental: o cobrador.
Sim, o financeiro do ônibus estava com um leve sorriso de ironia no rosto. Se o cobrador, sábio e experiente observador do cotidiano, sentado a poucos centímetros do púlpito que a mulher armara – e, que, portanto, estava ouvindo tudo em alto e bom som – sorria com ironia, é porque o papo era QUENTE.
E, jesusamado, eu estava perdendo tudo.
A senhora lá, balançando suas florzinhas vermelhas efusivamente ao sabor do seu corpo, e eu do outro lado, perdendo o que poderia ser um dos melhores momentos da minha existência terrena.
Tomado pela tristeza, desci. Ela deve ter descido também, como tudo indicava que faria. Mas não quis correr atrás dela e perguntar do que ela falava. Não quis nem olhar pra ver se ela realmente desceu. Eu havia perdido a batalha, e precisava admitir.