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Episódio de hoje: o dia em que assisti Jamaica Abaixo de Zero no cinema pensando se tratar de O Rei Leão.
Uma das coisas mais bonitas da infância é a confiança, ou, olhando por outro ângulo, a inocência das crianças. Em geral, acreditamos em todo mundo, especialmente nas pessoas altas, levemente gordas e de voz grave.
Bom, eu, ao menos, era assim. Por isso não titubeei nem por um minuto quando meu colega de colégio Marcelo me avisou que O Rei Leão estava no cinema - mesmo o apelido dele sendo Tonho da Lua (lembram disso? Era o Jatobá, só que em vez de passar a novela toda clamando pelo sinal de trânsito sonoro, ele ficava gritando com as mãos no rosto e fazendo esculturas na areia). E olha que ele não era gordo nem tinha voz grave, ainda que fosse alto perto de mim.
O Rei Leão era a grande sensação da garotada marota. Até álbum de figurinhas do chiclete Ping Pong temático do filme tinha. E quem viveu a infância na mesma época que eu sabe muito bem o valor que os álbuns do Ping Pong tinham pros garotos. Comprar caixas e caixas de chiclete e depois inchar as mandíbulas mascando vários de uma vez enquanto se batia ou trocava as figurinhas era nossa vida.
Morando em Passo Fundo, a expectativa pela película era ainda maior, uma vez que as cópias dos filmes sempre levam mais tempo para chegar às salas de projeção de lá. Quer dizer, primeiro a estréia nos EUA, depois no Brasil, depois em POA (não estou bem certo se as duas últimas etapas foram separadas), a gente já não agüentava mais – mesmo que já conhecessemos toda a história do filme, graças, claro, aos nossos completos álbuns do Ping Pong.
Mas o fato é que o Marcelo me avisou, e eu nem lembro exatamente como, porque tenho certeza que a gente não tinha telefone nessa época. E eu acreditei, e avisei meu irmão.
Rapidamente nos vestimos e fomos até a casa do Da Lua, que era como a gente chamava ele, distante apenas umas duas quadras da minha. O plano era simples: uma das muitas irmãs mais velhas dele ia nos levar até o cinema, onde veríamos em movimento e sem cheiro de tutti-frutti todas as cenas que já conhecíamos de cor.
Assim que chegamos ao edifício de tijolos à vista onde ele morava, porém, percebemos que não seria tão simples. E o fator complicador era, claro, a irmã dele. Primeiro, ela levou horas para se arrumar – para os padrões infantis, levar mais de três minutos para se vestir é demorar. Mais de cinco se é você mesmo que escolhe sua roupa.
Depois, ela nos levou. De carro. E, Cristo, como ela dirigia mal aquela Brasília. E olha que Brasília não era um carro tão velho naquela época. Mas a menina teimava em apagar em todas as esquinas, e parecia nítida e constrangedoramente nervosa.
Não lembro se tudo isso chegou a nos atrasar ou a comprometer nossa programação. Todavia, gosto de acreditar que sim. É uma boa desculpa para eu ter entrado no cinema sem maiores verificações. O fato de ele ter apenas uma sala (eu não precisava pedir ingresso para nenhum filme específico) e de já ter cartazes d´O Rei Leão espalhados por ali também são fatores importantes.
A verdade, amigos, é que nada percebemos. Compramos nossos ingressos, entramos, sentamos em bons lugares. O cinema quase vazio, ao invés de se tornar motivo de desconfiança, tornou-se motivo de orgulho. O Rei Leão estava ali e só a gente tinha se dado conta.
A projeção começou, levando nossa excitação ao máximo. Por ironia, o primeiro trailer é exatamente o d´O Rei Leão. Era quase um making of, na verdade (acho ele que foi um dos primeiros desenhos animados a usar processos digitais de produção, os caras tinham muito orgulho de mostrar isso – se duvidar até no Fantástico teve reportagem a respeito). E nós três de nada, absolutamente de nada, desconfiamos:
- Ó, ó, tá começando!
Mais um ou dois trailers e começa a passar Jamaica Abaixo de Zero. Pra gente, apenas mais um trailer, claro.
Cinco minutos de projeção. Começamos a desconfiar. Dez minutos. Muito estranho. Quinze minutos, Marcelo não resiste:
- Mas é O Rei Leão ou O Rei Negão? – grita a plenos pulmões na sala.
Acho que quase ninguém ouviu. Era uma sala com capacidade para mais de mil pessoas e, como eu disse, estava quase vazia.
Agora sim, finalmente desconfiados, saímos da sala e fomos falar com o lanterninha. Ele nos confirma a catástrofe e avisa:
- Os bilhetes de vocês já foram rasgados. Vocês podem voltar lá e assistir o filme, ou ir embora.
Decidimos ir embora, tomados pelo desânimo que estávamos. Pedimos para ir ao hotel ao lado do cinema ligar para os pais do Marcelo.
Não lembro exatamente o que aconteceu, se eles nos convenceram a ficar, se não podiam nos buscar ou se simplesmente ninguém atendeu. Só sei que acabamos voltando para a sala e assistindo o resto do filme.
No final das contas, entramos no clima e nos divertimos muito. Outra grande característica das crianças, aliás, essa capacidade de adaptação, que vamos perdendo conforme ganhamos vincos no rosto.
Algumas semanas depois, assisti ao verdadeiro O Rei Leão. E, olha, até me rendeu um motivo de orgulho: eu não chorei quando o pai do Simba morreu.
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