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Quando se é criança, chamar de “viado”, “bicha” ou qualquer outra variação cujo objetivo é macular a heterossexualidade de outrem é bastante comum. Porém, meus primos, meu irmão e eu, durante nosso período pueril, na ainda nascente década de 90, tínhamos uma tradição de ofensas orais bem mais evoluída.
Tudo começava mais ou menos como começa em qualquer quintal: com um pressuposto altamente consistente, como uma ofensa ao penteado de um dos Comandos em Ação de alguém, uma desavença futebolística ou um comentário crítico visando unicamente o crescimento pessoal e amadurecimento do amigo e que acabava mal interpretado:
- Tua camiseta é de mulher.
- Nada a ver, bicha.
Pronto. Estava lançado o estopim para um complexo jogo de argumentação, de dar inveja aos filmes do Perry Mason.
- É sim seu bissexual, que gosta de homem e mulher. – a tréplica.
Observe o didatismo da ofensa (parênteses: em um mundo adulto, possivelmente o último diálogo receberia como resposta algo como “bom, ao menos gosto um pouco de mulher”. No universo infantil, porém, a questão numérica sempre vale mais: bissexual é o dobro de homossexual, logo, duas vezes pior).
Seguia-se, então, uma longa batalha numérico-sexual:
- Tu é trissexual: mulher, homem e plantas.
- E tu é tetrassexual: mulher, homem, plantas e canivetes suíços.
- Pentassexual pra ti: mulher, homem, plantas, canivetes suíços e retroescavadeiras.
E assim sucessivamente, até o momento em que alguém dava a cartada final:
- Pois tu é INFINITOSSEXUAL, faz sexo com TUDO. E nada é maior que o infinito.
É, ponto para a criança que assistia o Mundo de Beakman. Não havia nada mais a fazer.
Interessante é que essa discussão, exatamente como descrita acima, acontecia com enorme freqüência e, mesmo assim, ninguém nunca pulava etapas. Afinal, bastaria responder ao “bicha” com “infinitossexual. Deu” e estaria findado o papo.
Mas ser criança acima de tudo é isso: ter um dom enorme pra saber como se divertir e evitar a chatice.