Contra o desarmamento
Compre uma arma de bom calibre. Aprenda a usá-la. Pratique tiro ao alvo em máquinas de escrever e bolinhas de golfe, como Hunter S. Thompson. Em seguida, alugue todos os filmes com o orangotango Clyde e entrincheire-se em casa, vestindo um poncho e grunhindo em italiano.
Veja
Edição 1895 . 9 de março de 2005
Diogo Mainardi
Contra o desarmamento
"No segundo semestre, será realizado o plebiscito sobre o desarmamento. O governo é a favor. Vote contra. Políticos e padres estão sempre querendo tirar algum direito do cidadão. Agora é o direito à autodefesa. Não aceite"
O jornalista americano Hunter S. Thompson se matou duas semanas atrás. Deu um tiro na cabeça. Ele era colecionador de armas. Em seu último artigo, ditou as regras para um novo esporte, inventado por ele, que consistia em abater bolinhas de golfe com uma espingarda. Suicidar-se é um dos direitos primordiais do homem. Todo mundo deveria ter uma arma em casa, para esse fim. Outro direito é defender-se quando atacado. Perguntaram a Hunter S. Thompson por que ele era contra a política de desarmamento civil. Ele respondeu sensatamente que "quando só os malucos estão armados, não sobra ninguém para vigiar os malucos".
Menina de Ouro e Mar Adentro, ganhadores do Oscar de melhor filme e de melhor filme estrangeiro do ano, defendem o direito ao suicídio assistido. O diretor de Menina de Ouro, Clint Eastwood, já defendeu também o direito à posse de armas, com a célebre tirada do inspetor Callaghan: "Tenho uma opinião muito clara sobre o controle de armas. Se há uma arma por perto, eu quero estar controlando". Clint Eastwood entende do assunto. Seus melhores filmes são aqueles em que ele mata mais gente, usando poncho e sendo dublado em italiano. Os piores são aqueles em que ele não mata ninguém, protagonizados por Sondra Locke, sua mulher na época, e pelo orangotango Clyde. Imagine o que seria a história do cinema sem armas. Um monte de filmes com o orangotango Clyde. Pior: um monte de filmes com Sondra Locke.
No segundo semestre, será realizado o plebiscito sobre o desarmamento. A idéia é banir o comércio de armas de fogo do território nacional. O governo é a favor. Vote contra. Políticos e padres estão sempre querendo tirar algum direito do cidadão: o direito ao suicídio assistido, ao aborto, ao consumo de drogas, às pesquisas científicas, à informação livre, às uniões do mesmo sexo. Agora querem tirar também o direito à autodefesa. Não aceite. Se eu me sinto mais seguro com uma arma na cintura, o problema é meu, desde que não dispare indevidamente. O governo não tem uma política para o combate à criminalidade. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tenta encobrir esse fato com o apoio à lei do desarmamento. Para ele, se um criminoso invade minha casa, rouba minha arma e a usa para matar inocentes, o culpado sou eu, não o governo que deixou o criminoso solto. Como a culpa é minha, meu lugar é a cadeia.
O debate sobre o desarmamento poderia fazer algum sentido se o governo cumprisse sua parte e apreendesse as armas clandestinas em circulação. Como isso nunca vai acontecer, a questão não se coloca. Cada um deve tentar se proteger por conta própria. Compre uma arma de bom calibre. Aprenda a usá-la. Pratique tiro ao alvo em máquinas de escrever e bolinhas de golfe, como Hunter S. Thompson. Em seguida, alugue todos os filmes com o orangotango Clyde e entrincheire-se em casa, vestindo um poncho e grunhindo em italiano.
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