Aos poucos vai

Companhia das Letras e Record apostam suas fichas nos "pocket books" para ampliar público

Editoras líderes investem no bolso de leitor

A Companhia das Letras lança no final deste mês os cinco primeiros títulos de seu selo, o Companhia de Bolso, a primeira investida maciça da editora no formato clássico de livros baratos.

Finalmente.

Folha de São Paulo

Ilustrada

São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 2005

LITERATURA

Companhia das Letras e Record apostam suas fichas nos "pocket books" para ampliar público

Editoras líderes investem no bolso de leitor

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Fique de olho no seu bolso. A nova é que desta vez não querem tirar nada dele. Tem muita gente, e agora é gente grande, querendo é colocar algo aí.
Pela primeira vez em décadas, editoras líderes de mercado se movimentam para investir pesado em um segmento consolidado há mais de meio século em países como os Estados Unidos, a Inglaterra e a França: livros de bolso.
A Companhia das Letras lança no final deste mês os cinco primeiros títulos de seu selo, o Companhia de Bolso, a primeira investida maciça da editora no formato clássico de livros baratos.
Outro projeto, ainda sem data concreta, marcará em breve a entrada da maior editora de livros não-didáticos do país no mesmo segmento. Em parceria com uma das principais empresas do mundo no gênero, a Harlequin Books, a editora Record também entrará dentro dos bolsos.
As duas não serão as pioneiras no Brasil, que teve suas primeiras ações na área com a "Coleção Globo", lançada nos mesmos anos 30 em que o formato "pocket" nasceu nos Estados Unidos empobrecidos pelo Crash de 29. As duas não serão "pioneiras" hoje, já que nos últimos anos ao menos uma editora de médio porte trabalha com sucesso especificamente nesse formato, a gaúcha L&PM, que já ultrapassa os 400 títulos lançados. Mas a entrada de mais duas grandes no jogo aponta para a consolidação do modelo "bom e barato".
A avaliação é de um dos dirigentes da Câmara Brasileira do Livro Marino Lobello. "Quando duas empresas que conhecem tudo de marketing editorial entram nesse segmento, que já vinha apresentando resultados excelentes com a L&PM, é sinal de que o livro de bolso finalmente veio para ficar no Brasil", expressa o vice-presidente da CBL.
Tanto ele quanto editores como Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, Sérgio Machado, da Record, e Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira, que também tem algumas experiências na área, relacionam a cristalização do bolso ao verbete "amadurecimento" do mercado nacional.
"Historicamente, o livreiro não recepcionava bem o livro de bolso. Como os exemplares eram mais baratos ele não demonstrava interesse em receber margens menores por produto. A experiência da L&PM mostra que isso mudou", diz Schwarcz, citando a sua concorrente gaúcha, como faz no folheto que distribui para os livreiros anunciado o novo selo.
O editor da Companhia diz que sentiu o boicote dos livreiros aos "pockets" no seu próprio bolso. Em 1993 a editora chegou a tentar implementar o formato com o lançamento de edições baratas de "Agosto", de Rubem Fonseca.
O livro não chegou a encalhar, mas a editora embolsou o projeto de seguir adiante com os "pocket books" (palavra que apesar da pouca tradição do livro de bolso no Brasil está há tempos no "Dicionário Aurélio").
O mesmo "Agosto" é um dos que devem voltar ao bolso no novo selo da Companhia. O título está entre os "sete ou oito" que a editora pretende lançar ainda neste ano no formato.
Rubem Fonseca também faz parte de outra iniciativa da editora de "barateamento" de seus livros. Um volume com 64 contos do mestre do policial brasileiro está na coleção de contos lançados pela Companhia em 2004.
Assim como nessa série, que inclui, entre outros, seletas de contos feitas por Italo Calvino, os exemplares da Companhia de Bolso não têm orelhas, são impressos em papel de gramatura um pouco mais baixa e têm direitos autorais negociados com porcentagens menores. Outra familiaridade das coleções é que suas capas são obras do mesmo designer, o australiano Jeff Fischer.
Se na sua coleção a empresa está incluindo alguns de seus maiores sucessos editoriais, como "Estação Carandiru", de Drauzio Varella, na aparelhagem de bolso da Record entrarão títulos inéditos.
A editora HR, nome da joint venture da empresa com a americana Harlequin, também se diferenciará da Companhia de Bolso pela faixa de preço em que pretende atuar: de R$ 4,90 a R$ 9,90 (a concorrente começa operando entre R$ 16 e R$ 22).
Tanto Record quanto Companhia pretendem fazer com que seus pockets não fiquem restritos às livrarias. Seguindo a experiência da L&PM, que tem mais de 1.500 displays com seus títulos à venda em pontos como bancas de jornal e supermercados, as duas gigantes deverão buscar pontos-de-venda alternativos.
"Queremos fazer livros a preços atraentes com distribuição de massa", diz Sergio Machado, da Record. Segundo ele, o mercado de livros de bolso "depende da renda da classe média para florescer". "No Brasil, devido aos impostos e compromissos fixos, como celular, internet e TV a cabo, a renda disponível da classe média anda muito comprimida. Antes era a inflação, agora é a renda."
Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira, que publica títulos do policial Georges Simenon em bolso em parceria com a L&PM e que tem coleções pocket de peças de Nelson Rodrigues e de Antonio Callado, acredita que o mercado está pronto para o desafio.
"A grande virtude do pocket é o potencial de massificação. Ele atende a demanda contingenciada por poder aquisitivo, que não se importa em ler livro que já saiu há tempos, mas está em edição digna e barata. A massificação passará pelo pocket."
A massificação não é vista por todos como empobrecimento editorial. Fernando Gasparian, da Paz e Terra, diz que a editora tentou fazer livros "o mais barato possível" quando começou neste segmento, em 1995, mas que o público não aprovou experiências como o papel jornal. "As pessoas não gostam de coisa muito barata", afirma o editor.

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Concorrência é "comemorada" pela L&PM

DA REPORTAGEM LOCAL

Mudanças no slogan da L&PM Pockets -"A maior coleção de livros de bolso do Brasil"- estão fora de cogitação no curto, no médio e também no longo prazo. A afirmação é do editor da casa gaúcha, Ivan Pinheiro Machado.
Responsável pela experiência mais bem-sucedida no segmento na história editorial brasileira, o editor "comemora" a chegada de companhias de grande porte no setor de bolso.
"Antes, quando me perguntavam por que eu usava o termo "maior coleção de livros de bolso do Brasil" se praticamente ninguém mais atuava no segmento, eu tinha de citar algumas editoras nanicas. Agora vou poder dizer que somos maiores do que a Companhia e a Record", ironiza.
Pinheiro Machado diz que a editora, que com sua versão "bolso" de "Dom Quixote" ultrapassou recentemente a marca dos 400 títulos, está engajada no projeto "rumo ao milésimo livro de bolso".
Segundo ele, quase 5 milhões de pockets já foram vendidos desde que a L&PM, empresa de mais de 30 anos, lançou-se na empreitada, em 1997.
O editor afirma que o preconceito foi, e continua sendo em pequena escala, o maior inimigo da venda do pocket no Brasil. "No primeiríssimo momento o preconceito era generalizado. Autores importantes não queriam seus livros em formato de bolso, livrarias não queriam vender os exemplares mais baratos, a imprensa os tratava como produtos menores e assim por diante. Vencemos todos os preconceitos, menos o da imprensa."
Segundo ele, a imprensa não consegue assimilar, por exemplo, a informação de que apenas 30% dos títulos de sua coleção de bolso é de clássicos em domínio público (que não paga direitos autorais). "Acham que só publico obras gratuitas."
Um dos títulos fora da faixa "domínio público" é o novo "xodó" da série, o volume "On the Road", do "beat" Jack Kerouac. (CEM)

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Formato "reencarna" best-sellers

DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto a L&PM vem trabalhando quase que exclusivamente com livros de bolso, a Companhia das Letras entra no segmento seguindo o modelo internacional de fazer do pocket a "segunda vida" de um livro.
Todos os cinco títulos que a editora imprime na primeira fornada da Companhia de Bolso, e os demais já programados, tiveram edições anteriores em formato convencional. O quinteto inicial também tem em comum o sucesso de vendas em sua primeira encarnação, com títulos que já chegaram a 550 mil exemplares.
As semelhanças param aí. A série da Companhia das Letras, como a da concorrente gaúcha, engloba todos os gêneros literários. No primeiro pacote, por exemplo, estão um romance, de José Saramago, um volume de poesia, de Vinicius de Moraes, um pocket de filosofia, de Nietzsche, e dois relatos não-ficcionais, de Drauzio Varella e de Amyr Klink.
Nos próximos lançamentos, o "blend" será mantido. Ficção, de nomes como Italo Calvino, Erico Verissimo e Moacyr Scliar; não-ficção, como o ensaio "O Queijo e os Vermes", de Carlo Guinzburg.
"Estamos publicando obras que já saíram há algum tempo, com um intervalo maior do que o usado no mercado americano, que já está acostumado com isso", diz Luiz Schwarcz, da Companhia, em referência ao fluxo natural de um lançamento nos EUA: sai em capa dura e depois de um ano é publicado em versão brochura.
A escolha de que títulos do catálogo convencional devem ser passados para a versão mais econômica é, segundo Carlos Augusto Lacerda, o "xis da questão". "Se eu publico a versão pocket de um clássico como "Viva o Povo Brasileiro", de João Ubaldo, ninguém compra mais a original. É preciso ter cautela para não perder", diz o editor da Nova Fronteira. Ainda assim, ele diz que tem "desejo ardente" de intensificar suas operações no formato de bolso. (CEM)

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