Crap or get off the pot

Com pouca coisa em português, será que Hunter pode mesmo ser tão
influente no Brasil? Numa primeira impressão, sim. Afinal, existem
até sites brasileiros de jornalismo gonzo (o estilo doidão de
reportagem, inventado por HST). Mas um olhar um pouco mais atento
escancara a farsa. Não quero dar nomes nem massacrar a carreira de
ninguém -acredito sinceramente que, com o tempo, alguns desses
gonzos brasileiros podem manifestar algum talento.
Mas o que vi na internet -blogs pessoais, contos, histórias curtas,
trechos de romances já publicados (!!)- é apavorante. Textos
primários, toscos, de gente cujo problema não é só nunca ter lido
Hunter S. Thompon. É nunca ter lido nada, ponto final.
Em 1993, século passado, escrevi um longo texto sobre HST para a
hoje extinta revista "General". A "General" foi para o jornalismo
cultural brasileiro o que o Velvet Underground foi para o rock
americano. Pouca gente leu, mas quem leu tomou uma atitude e se
virou na vida. - Álvaro Pereira Júnior

Qualquer um tenha lido e assimilado os textos (é, no plural. Ou todos esperariam sentados as traduções porcamente editadas da Conrad?) de e sobre Hunter Thompsom na internet sabe que a pretensão é se auto-intitular Gonzo. Ou o Velvet Underground do JORNALISMO CULTURAL brasileiro. Mas parece que a maior vantagem da internet é manter um contexto permanente e anacrônico para que alguém o analise sob a ótica de 2005.

Tem dó. E dê nomes aos bois, antes que eu me esqueça.

Hunters falsos surgem no Brasil
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

Em preparação a uma reportagem que fiz para a TV sobre o escritor
americano Hunter S. Thompson, que se suicidou há três semanas,
voltei a mergulhar no universo alucinado da figura. Reli livros,
viajei numa excelente coletânea de cartas ("The Proud Highway"),
peguei de novo duas biografias ("The Strange and Terrible Saga of
Hunter S. Thompson", de Paul Perry, e "Hunter", de E. Jean Carroll).
E, é claro, naveguei pela internet, onde acabei descobrindo muitos
brasileiros "influenciados" por HST.
Essa suposta influência é, por um lado, positiva e não chega a ser
incomum (nos países de língua inglesa, todo jornalista com
aspirações literárias se abastece de idéias do arsenal de Hunter,
assim como a geração de Hunter se espelhou em Ernest Hemingway, que
também se suicidou com 60 e alguns anos).
Mas, voltando aos brasileiros, nessa pesquisa pela internet, fiquei
sabendo que, até pouco tempo atrás, só um livro de Hunter tinha
saído aqui: "Fear and Loathing in Las Vegas", com o nome de "Las
Vegas na Cabeça". Já era difícil achar na época (anos 80), hoje nem
se fala. Agora, a Conrad publica também "A Grande Caçada aos
Tubarões" e "Hell's Angels, Medo e Delírio sobre Duas Rodas".
Com pouca coisa em português, será que Hunter pode mesmo ser tão
influente no Brasil? Numa primeira impressão, sim. Afinal, existem
até sites brasileiros de jornalismo gonzo (o estilo doidão de
reportagem, inventado por HST). Mas um olhar um pouco mais atento
escancara a farsa. Não quero dar nomes nem massacrar a carreira de
ninguém -acredito sinceramente que, com o tempo, alguns desses
gonzos brasileiros podem manifestar algum talento.
Mas o que vi na internet -blogs pessoais, contos, histórias curtas,
trechos de romances já publicados (!!)- é apavorante. Textos
primários, toscos, de gente cujo problema não é só nunca ter lido
Hunter S. Thompon. É nunca ter lido nada, ponto final.
Em 1993, século passado, escrevi um longo texto sobre HST para a
hoje extinta revista "General". A "General" foi para o jornalismo
cultural brasileiro o que o Velvet Underground foi para o rock
americano. Pouca gente leu, mas quem leu tomou uma atitude e se
virou na vida.
Deve ser pretensão minha, mas realmente tenho a impressão de que
esses gonzos brasileiros viram só a "General", aprenderam que Hunter
era um bêbado e drogado e decidiram seguir a linha.
Só esqueceram uma coisa: com a mesma voracidade com que bebia e se
drogava, Hunter lia. E lia tanto e tão desesperadamente que chegou a
redatilografar livros inteiros de seu ídolos, Ernest Hemingway e F.
Scott Fitzgerald, só para reproduzir a sensação de escrever tão bem.
Nossos medíocres gonzos locais ainda têm de aprender essa lição.
Quem não leu nada não pode escrever bem. Não se faz literatura de
orelhada.

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