Funcionário público é tudo vagabundo (a saga)

Tá na Veja desta semana uma matéria (na íntegra aí embaixo) sobre um estudo para verificar a situção da justiça no Brasil, encomendado pelo Supremo Tribunal Federal. Depois de mil anos resolveram fazer um levantamento que caracteriza os problemas do sistema judiciário brasileiro.

Lendo o que está escrito na matéria, só há uma certeza: o fim de tudo está muito próximo.

São dois os trechos mais assustadores. Primeiro, o que diz "que o Brasil tem um bom número de juízes – são 7,7 juízes para cada 100.000 habitantes, mais que a média internacional – e uma quantidade até exagerada de servidores, mais que o dobro da média lá fora." E, segundo, que "um bom advogado pode usar até 120 recursos para protelar a sentença".

Ou seja, o problema de tudo se resume a uma única coisa: VAGABUNDAGEM.

Minha posição em relação a funcionários públicos é bastante clara: são TODOS - SEM NENHUMA EXCEÇÃO - vagabundos. É ÓBVIO que existe MUITA gente competente nos serviços públicos, mas isso é o mesmo que ABSOLUTAMENTE NADA se acima e abaixo dessas pessoas extremamente competentes existir uma avalanche de incompetentes. E é exatamente isso que acontece no Brasil. A vagabundagem, portanto, continua a mesma, não interessa quantos gênios houver lá no meio da massa de imbecis. Vamos ser coerentes: funcionários públicos devem assumir seu status de vagabundos. Se não quiserem e se acharem bons o suficiente, que se demitam e vão pro setor privado.

E a justiça é o exemplo mais sofrível dessa calamidade toda. Só depois de se ver obrigado a lidar com o sistema judicial é que se percebe que há algo profundamente errado. Tenho certeza que depois de estudar uma semana eu consigo passar no exame da OAB com nota máxima. Nunca vi um tal exame, mas essa é a única conclusão possível, porque já li VÁRIOS TEXTOS de advogados que eram analfabetos funcionais. Se essas pessoas passam na OAB...

No ano passado a justiça do Estado de São Paulo ficou 3 meses em greve. O país não existiu durante 3 meses. Só para citar um exemplo, não foi feita NENHUM negócio imobiliário em todo o Estado de São Paulo durante esses três meses. Alguém foi punido por isso? Ninguém.

Depois ainda tem gente que é otimista.

Veja

Edição 1904 . 11 de maio de 2005

Justiça

O raio-X da Justiça

Uma pesquisa inédita abre a caixa-preta da Justiça brasileira e dá um passo essencial para arrancá-la do século passado

Alexandre Oltramari

A Justiça no Piauí anda em petição de miséria. Em Campo Maior, a 90 quilômetros da capital, o fórum funciona numa construção planejada para abrigar o mercado municipal. A sala do juiz fica numa baia onde deveriam trabalhar feirantes da cidade. Em todo o estado, há mais de 40.000 processos emperrados, alguns dos quais estão há dez anos sem a realização de uma única audiência. No Piauí falta tudo, inclusive gente. Há juízes que quase nunca aparecem para trabalhar e funcionários que trabalham demais, como um da 6ª Vara Criminal em Teresina que, sozinho, cuida da tramitação de 1.600 processos. Falta, também, equilíbrio: juízes e funcionários do Tribunal de Justiça, a mais alta corte do estado, trabalham apenas meio turno, mas no interior, onde há menos processos, o expediente é integral. Na capital e no interior, falta até papel e há casos de certidões de nascimento sendo preenchidas em papel de embrulho. A única coisa que parece não faltar no Piauí é dinheiro para pagar salários que podem chegar a 40.000 reais aos meritíssimos que ocupam o olimpo da Justiça estadual.

O cenário desolador do Piauí não é propriamente uma surpresa, mas nunca se soube como interpretá-lo nem se pôde cotejá-lo com o de outros estados. Agora, pela primeira vez na história do Judiciário brasileiro, tudo isso tornou-se possível graças a um alentado estudo encomendado pelo Supremo Tribunal Federal ao qual VEJA teve acesso com exclusividade. Nesta semana, o presidente do STF, ministro Nelson Jobim, anunciará os principais resultados do levantamento num encontro jurídico, em Brasília. "Nosso objetivo é identificar os principais gargalos do Judiciário. Que o sistema é lento, já sabemos. Mas onde está congestionado? É assim porque falta pessoal? Ou é um problema de gestão mesmo?", questiona Jobim. A pesquisa durou um ano e colheu dados em todos os estados e no DF sobre a Justiça estadual, a federal e a trabalhista, que, juntas, respondem pela quase totalidade do Judiciário nacional. Pela pesquisa, explica-se por que a Justiça no Piauí é um escândalo nacional. Só dois dados: ela é a que menos investe em informática no país e a que mais gasta com pessoal – mais de 95% de seu orçamento anual. Apesar disso, o Piauí não tem a Justiça mais emperrada. Esse troféu cabe ao Ceará.

"Com esses dados, tudo vem à tona. Vamos saber exatamente onde falta estrutura e onde falta gestão", diz Jobim. Examinando-se os dados globais, conclui-se que o Brasil tem um bom número de juízes – são 7,7 juízes para cada 100.000 habitantes, mais que a média internacional – e uma quantidade até exagerada de servidores, mais que o dobro da média lá fora. Pois bem: se não faltam juízes nem funcionários, por que a Justiça brasileira leva em média doze anos para julgar um processo, enquanto nos Estados Unidos se demora apenas quatro meses? A pesquisa reforça o velho diagnóstico: nosso sistema processual é tão barroco, tão apinhado de recursos, idas e vindas, voltas e contornos que parece concebido para desviar-se o máximo possível de um desfecho. É um modelo inspirado no sistema italiano, mas a Itália, depois da II Guerra, modernizou seu sistema – e o Brasil segue com a cópia antiga. Um bom advogado pode usar até 120 recursos para protelar a sentença. "Só aqui temos recurso do recurso do recurso, o que transforma os processos em verdadeiras bibliotecas", diz o jurista Dalmo Dallari, de São Paulo. "É até natural que a gente precise de mais funcionários que os outros países."

Como costuma ocorrer com as instituições nacionais, a Justiça também é um reflexo da realidade brasileira – que é altamente desigual. Na Justiça estadual em Santa Catarina, cada um dos 5.887 funcionários tem um computador à sua disposição, conectado à internet. É um recorde nacional. A informatização começou há apenas dez anos, mas hoje todas as 110 comarcas estão integradas ao sistema do Tribunal de Justiça, em Florianópolis. Há um plano até para fazer "inspeção virtual", um sistema que permitirá a fiscalização de todas as comarcas a distância. "Com esse sistema, poderemos estabelecer em breve um índice de produtividade dos juízes e cobrá-los com base em dados objetivos", diz o desembargador Eládio Rocha, corregedor-geral da Justiça. Já no Ceará, onde a Justiça conseguiu a proeza de ser a mais congestionada do país, mais até do que a de São Paulo, a situação é lamentável. Há quinze anos, segundo reclama o presidente do Tribunal de Justiça em Fortaleza, Francisco da Rocha Victor, não se cria uma câmara nova, nem se contratam novos magistrados. No Ceará, a falta é de dinheiro mesmo: a Justiça estadual gasta anualmente pouco mais de 25 reais por habitante, a menor despesa do país. A média nacional passa de 60 reais por habitante.

Uma Justiça eficaz é artigo de primeira necessidade, mas boa estrutura física e fartura de mão-de-obra nem sempre significam população bem assistida. No Espírito Santo, tem-se a quarta melhor média de juízes por grupo de 100.000 habitantes, o que sugere uma Justiça mais funcional, que, em tese, deveria ser mais solicitada pela população. No entanto, a Justiça capixaba é a que menos recebe novas ações por ano. É um caso único no país, e as explicações podem ser múltiplas, mas uma delas salta aos olhos: a falta de credibilidade do Judiciário capixaba. "A Justiça daqui, contaminada pelo crime organizado, caiu no completo descrédito", afirma Carlos Henrique Bezerra Leite, professor de direitos humanos da Universidade Federal do Espírito Santo. "Já ouvi empresários dizendo que preferem fazer um mau acordo, perdendo dinheiro, a recorrer à Justiça estadual." No auge da crise, há dois anos, um juiz federal que investigava colegas de trabalho foi executado com três tiros na porta de uma academia. Cinco juízes chegaram a ser citados como suspeitos. No mês passado, um deles, Antônio Leopoldo Teixeira, foi preso como mandante do crime.

O mau funcionamento do Judiciário é devastador para a economia. Um estudo do pesquisador Armando Castellar Pinheiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), constatou que um sistema jurídico ineficiente reduz a taxa de crescimento de longo prazo em 25%. Isso significa que, se o Brasil tivesse uma Justiça eficiente, teria condições de crescer 0,8% a mais todo ano. O custo da ineficiência não pára aí: a produção nacional poderia aumentar 14%, o desemprego cairia quase 9,5% e o investimento saltaria 10,4%. Não é difícil entender por quê. Cabe à Justiça garantir o cumprimento de contratos, dado basilar para o funcionamento de qualquer economia de mercado. Se um banco acredita que terá dificuldade para fazer uma cobrança em caso de calote e não contará com uma Justiça ágil a seu lado, vai cobrar juros mais altos para compensar o risco e, em casos extremos, nem dará o empréstimo. Isso, claro, escasseia e encarece o crédito e derruba os investimentos. Num estudo recente, os economistas Persio Arida, Edmar Bacha e André Lara Resende, pais do Plano Real, narram didaticamente como a incerteza jurídica atrapalha a formação de um mercado de crédito de longo prazo no Brasil, uma coisa essencial para o crescimento econômico.

O trabalho mostra que os investidores aceitam comprar títulos brasileiros de longo prazo porque são em dólar – sem risco, portanto, de cair no pântano jurídico nacional. Por isso, os títulos negociados em real são sempre de curto prazo porque, nesse caso, qualquer desavença seria dirimida pelas cortes locais. Para compensar esse problema é que o Brasil criou mecanismos compulsórios de financiamento de longo prazo – como FAT e FGTS, que sustentam os fartos créditos do BNDES. A boa notícia é que, finalmente, parece haver um empenho sério para melhorar o sistema jurídico brasileiro. O Ministério da Justiça já enviou 23 sugestões ao Congresso Nacional numa tentativa de racionalizar o sistema processual do país, limando o excesso de recursos meramente protelatórios. A própria pesquisa do STF servirá de subsídio para o trabalho do Conselho Nacional de Justiça, cujos membros tomam posse no mês que vem e vão cumprir o célebre controle externo do Judiciário. E poderão corrigir excrescências como a que leva Mato Grosso do Sul a oferecer, mesmo gastando apenas 53 reais por atendimento, a melhor Defensoria Pública do país – enquanto o Piauí tem um serviço precário mas gasta 432 reais por atendimento. Algo está errado aí.

Com reportagem de Leonardo Coutinho, de Teresina;
Márcia Vaisman, de Fortaleza; e Maurício Oliveira, de Florianópolis

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