Jeito comuna de ser.

Recém-criado, PSOL já enfrenta profusão de correntes internas

Folha de São Paulo

São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

Recém-criado, PSOL já enfrenta profusão de correntes internas

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Legalizado há menos de um mês, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) reproduz a divisão em tendências internas que muitos problemas causou ao partido do qual derivou, o PT.
Pelo menos dez agrupamentos já disputam espaço na nova legenda de extrema esquerda. Unidos por um vago projeto socialista, têm táticas e prioridades diferentes, que começam a ficar explícitas, mais ainda após o inchaço das últimas semanas.
"Até agora tudo foi festa, agora é que vai complicar", diz o deputado federal Ivan Valente (SP), um dos cinco que debandaram do PT em setembro e levaram a sete a bancada do PSOL.
A legenda mudou, mas a fidelidade a correntes internas existentes no PT permanece. A Democracia Socialista, conhecida como DS, maior ala radical petista, está representada também no PSOL, pela senadora Heloisa Helena (AL) e os deputados federais João Alfredo (CE) e Orlando Fantazzini (SP). Os dois lados da DS, mesmo divididos por um muro partidário, mantêm ligações políticas.
A Ação Popular Socialista sobrevive no PSOL representada por Valente e por Maninha (DF). O Movimento de Esquerda Socialista migrou do PT junto com a deputada Luciana Genro (RS), enquanto a Corrente Socialista dos Trabalhadores acompanhou o deputado Babá (PA).
No PSOL estão ainda outros grupos menores oriundos do PT, além de dissidências do PSTU, do PDT e até uma ala que era ligada ao MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), identificada com o cacique peemedebista Orestes Quércia. "Independentes" e intelectuais completam a miscelânea.
No primeiro teste da bancada, já houve racha. Maninha e Valente votaram em Aldo Rebelo (PC do B-SP) para presidir a Câmara. Os demais anularam o voto.
Evitar que a herança das tendências petistas se torne maldita é o primeiro desafio do novo partido. "O problema do PT não foi ter tendências. O problema é que as tendências formavam blocos estanques", diz Alfredo.
O PSOL aposta num conceito clássico da esquerda para escapar da armadilha: o consenso progressivo. Só haverá fechamento de questão com 75% de apoio, o que levaria, na visão otimista, à busca incessante pelo acordo.
O risco óbvio é levar à paralisia das decisões. "O limite para construir esse consenso não pode ser ad infinitum", diz Fantazzini.
O ponto ainda mal resolvido na identidade do PSOL tem relação com a sombra do PT e de Luiz Inácio Lula da Silva. Dois campos, um ultra-radical e outro um pouco menos, são nítidos.
O núcleo mais antigo, formado pelos fundadores expulsos do PT, pede o fim do governo Lula, com a revogação do que resta de seu mandato por plebiscito. Consideram a administração atual igual à de Fernando Henrique Cardoso.
Os recém-chegados ironizam, definindo-se como "a esquerda do PT que virou direita do PSOL". Reconhecem méritos no governo, apesar da avaliação de que é decepcionante. "Não dá para considerar que Lula e a aliança tucano-pefelista são rigorosamente a mesma coisa", diz Chico Alencar.
Muitos dos que chegaram recentemente ainda se assustam com o radicalismo de algumas propostas, como a que visa anular todas as votações da atual legislatura, porque o "Congresso do mensalão" seria ilegítimo.
Por isso, alguns grupos mantêm ainda um pé atrás. Estariam sob "filiação democrática", jargão que o PSOL abraçou para definir uma situação de integração provisória, até que se defina melhor o programa do partido. Nessa situação se encontram Fantazzini, Valente e Maninha.
"É uma fase de experimentação. Os termos da filiação agora é que estão sendo discutidos", afirma Fantazzini. Enquanto durar essa fase, não estão obrigados a se submeter às decisões da Executiva, o que, na prática, cria duas classes de deputados na bancada.
A briga pela real concepção de partido ocorrerá no primeiro semestre de 2006, quando o PSOL fará um congresso, apontando para a eleição presidencial, em que terá Heloisa Helena como candidata. A senadora, maior referência do partido, paira sobre as diversas tendências, reunindo características dos vários campos. Mais ou menos como Lula fez durante décadas no PT.

Creative Commons License