A Veja erra o foco

A revista Veja publicou matéria na edição dessa semana sobre as cruéis condenações de três dirigentes do PT no Rio Grande do Sul: "Para se safar do processo e deixar de correr o risco de parar no xilindró, fizeram um acordo com a Justiça: aceitaram doar cestas básicas a uma instituição de caridade em Porto Alegre. A quantidade de cestas básicas é que chama atenção: uma por mês, durante cinco meses. E nada mais. No total, cada réu terá de desembolsar R$ 1.750, divididos em cinco suaves parcelas de R$ 350 para a APAE de Porto Alegre. Os três dirigentes são réus confessos. Eles admitiram que pegaram R$ 1,2 milhão através do Valerioduto e disseram ter usado o dinheiro para pagar despesas de campanha do PT gaúcho".

Tudo muito lindo, fora a parte que menciona o conhecimento geral sobre isso no RS desde o estouro da crise em meados de 2005. O presidente estadual do partido à época, David Stival, admitiu ter recebido a grana de Marcos Valério à imprensa e no dia seguinte desmentiu tudo. Meses depois, disse no Ministério Público que "não sabia de onde vinha o dinheiro. É culpa do Delúbio". A matéria da Veja ia bem até aí.


Como de hábito, o semanário da Abril apresentou suposições - que nos últimos meses foram confirmados, mas que geralmente são vagos para detalhá-los - e errou todo o foco do texto. A Veja quer desestablizar Tarso Genro (PT-RS), ministro das Relações Institucionais. Os tais R$ 1,2 milhões foram "não contabilizados" para a campanha de Raul Pont (PT) à prefeitura de Porto Alegre. Hoje em dia é difícil acreditar em petistas, mas Stival disse candidamente que as malas de dinheiro chegaram em 2004, não em 2002, como apontou a matéria da revista. As gráficas isentaram o ministro de qualquer envolvimento.

Segundo a revista, "o caso ficou mais incômodo quando se revelou que o Ministério da Educação, durante a gestão de Tarso Genro, entre 2004 e 2005, contratou as duas gráficas por R$ 186 mil. O contrato, para produzir folders e material didáticos para o governo, foi feito sem licitação pública". Mas daí a explicar o envolvimento de Tarso no Valerioduto desde 2002 fica um pouco mais nublado.

O problema do texto é que o repórter Alexandre Oltramari errou o foco. Se a tal contratação das gráficas foi em 2004, é mais crível que tenha sido para saldar dívidas da campanha à prefeitura do que para compensar serviços feitos em 2002. Caso o repórter tenha apenas repetido o que estava no processo, então foi uma investigação conduzida porcamente.

Com todas as informações que deveria ter à disposição, acabaria de vez com as migalhas morais de todo o PT gaúcho nacionalmente só com dados de conhecimento geral e acesso a fontes que a Veja tem. Ao invés de denunciar toda a máfia petista no RS, consranger o partido como um todo em nível nacional, derrubar Tarso e ampliar as investigações para campanhas anteriores, Oltramari preferiu ir para as cabeças. Compreensível. Mas inútil.


Veja

Edição 1956 . 17 de maio de 2006
Brasil

O crime compensou

A primeira punição do caso mensalão é convertida em multa – e dividida em cinco suaves prestações
Alexandre Oltramari

Às vésperas do primeiro aniversário do mensalão, surgiu enfim a primeira punição judicial do caso. Três dirigentes do PT no Rio Grande do Sul, com o objetivo de se livrar do processo e deixar de correr o risco de parar no xilindró, fizeram um acordo com a Justiça: aceitaram doar cestas básicas a uma instituição de caridade em Porto Alegre. A quantidade de cestas básicas é que chama atenção: uma por mês, durante cinco meses. E nada mais. No total, cada réu terá de desembolsar R$ 1.750, divididos em cinco suaves parcelas de 350 reais. Os três dirigentes são réus confessos. Eles admitiram que pegaram R$ 1 milhão no valerioduto e disseram ter usado o dinheiro para pagar despesas de campanha do PT gaúcho. O petista Marcos Fernando Trindade atuava como "mula" do esquema, carregando dinheiro em malas entre Belo Horizonte e Porto Alegre. Quando desembarcava na capital gaúcha, o dinheiro era distribuído pelo ex-presidente do partido, David Stival, e pelo ex-tesoureiro, Marcelino Pedrinho Pies. Agora, cada um vai pagar um salário mínimo a uma instituição de caridade durante cinco meses.

A desproporção entre o crime e a punição só não é maior que o constrangimento que o caso produz para o ministro Tarso Genro, o principal articulador político do governo, em Brasília. O dinheiro que o Valerioduto canalizou ao PT gaúcho serviu para pagar despesas da campanha de Tarso Genro ao governo do estado, na qual perdeu a disputa para o atual governador, Germano Rigotto, do PMDB. Do total de R$ 1 milhão do Valerioduto embolsado pelo PT gaúcho, a maior parte chegou ao estado em malas. Mas 150.000 reais desembarcaram na arca petista por meio de dois cheques de 75.000 reais, ambos nominais a duas gráficas, a Impressul e a Comunicação Impressa. Em sua defesa, os acusados tentaram isentar Tarso Genro. Disseram que a quantia foi utilizada para saldar papagaios eleitorais, mas que nenhum centavo foi usado na campanha de Genro. As investigações, no entanto, mostraram que essa versão não tinha respaldo nos fatos. Descobriu-se que as duas gráficas brindadas com os cheques de Valério foram fornecedoras da campanha eleitoral de Genro ao governo.

O caso ficou mais incômodo quando se revelou que o Ministério da Educação, durante a gestão de Tarso Genro, entre 2004 e 2005, contratou as duas gráficas por 186.000 reais. O contrato, para produzir folders e material didáticos para o governo, foi feito sem licitação pública. O envolvimento de Genro com o valerioduto no Rio Grande do Sul veio a público há nove meses, mas é um embaraço permanente. Afinal, quando o escândalo do mensalão estourou, em junho do ano passado, Genro deixou o Ministério da Educação para presidir o PT. Chegou com ímpetos saneadores. Anunciou, na época, que o partido precisava passar por uma "refundação" e até propôs que o PT não permitisse que os mensaleiros petistas se lançassem candidatos na eleição seguinte. Como se sabe, não
aconteceu nem uma coisa nem outra.

A confortável situação judicial dos mensaleiros gaúchos deve-se a duas razões. A primeira é que, como o mensalão estava sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República, a Justiça gaúcha não podia aprofundar a apuração sobre a origem do dinheiro que abasteceu as arcas petistas no Rio Grande do Sul. Por isso, o promotor que cuida do caso, Ivan Melgaré, só pôde denunciar os dirigentes petistas pelo crime de formação de caixa dois.

A segunda razão é que, quando um crime tem pena mínima inferior a um ano de prisão, como é o caso, a Justiça é obrigada a oferecer ao réu a substituição da prisão por uma pena alternativa, como a doação de cestas básicas. Os petistas dos pampas toparam na hora. Sugeriram apenas uma alteração, aceita pela Justiça. Em vez de pagar tudo de uma vez, como propôs o Ministério Público gaúcho, pediram para parcelar a dívida. Assim, todo dia 5 de cada mês, a antiga cúpula do PT gaúcho vai ao Lar de Santo Antônio dos Excepcionais, em Porto Alegre, e recolhe 350 reais aos cofres da instituição.

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