Entrevistamos Manuela d'Ávila
Manuela d'Ávila se tornou uma das vereadoras mais conhecidas de Porto Alegre nesta gestão. Sangue novo na casa, socialista do PCdoB, vinda do movimento estudantil, as câmeras se focaram nela. Chegou a ser considerada musa da Câmara, mas argumenta que, sendo a mais jovem entre as vereadoras, é fácil levar o prêmio. O sucesso nas urnas é tanto que, neste pleito, concorre a deputada federal, com a esperança de puxar o PCdoB para além dos 5% de votos exigidos pela cláusula de barreira.
Os repórteres de Nova Corja Marcelo Träsel e Daniel Gallas visitaram a vereadora em seu gabinete há cerca de dois meses. Por absoluta negligência e vagabundagem, até hoje a entrevista não fora transcrita. Felizmente Rodrigo Alvares se irritou com a situação e decidiu fazê-lo. A conversa de mais de uma hora será publicada em partes.
Manuela nos recebeu desconfiada. Brincando, disse aos assessores: "nossos inimigos estão aqui". Alertou-nos mais de uma vez que não ficaria barato se descontextualizássemos ou mentíssemos pura e simplesmente. Já teve problemas com a imprensa. Queremos crer que em pouco tempo o gelo quebrou e conseguimos mostrar a pureza de nossos objetivos. A saber, ter uma visão nova da política municipal, pelos olhos de uma protagonista ainda não contaminada por mandatos sucessivos.
O gabinete de Manuela é todo cor-de-rosa. O rádio tocava rock quando chegamos. Nas paredes, clipping de notícias sobre seu mandato. Os assessores são todos bastante jovens. A vereadora fala rápido, gesticula muito e solta alguns palavrões de vez em quando. Fuma. Não é o estereótipo do político de esquerda, porém. Em momento algum tentou fazer proselitismo e diz que gostaria de ver uma esquerda mais leve e solta. Para ter uma idéia, assista aqui a um pequeno vídeo.
Träsel: A gente ficou interessado em saber como uma pessoa mais jovem na política vê a situação em Porto Alegre e no Brasil de uma maneira geral.
Gallas: É mais ou menos o que o Marcelo falou: é jovem, tá começando agora num ambiente em que boa parte dos jovens não está pensando muito em política ou se preocupando muito com política. E, se está pensando, é de uma forma bem contestadora, desiludida, não acho que é um cenário muito bonito.
Manuela: Tem algum momento da história que o cenário da política tenha sido bonito?
Gallas: Tem momentos da história que foram mais...
Manuela: Alguns foram poetizados. No Brasil, na história recente, pelo menos na Republicana não tem...
Gallas: Acho que foram momentos de otimismo, como na Redemocratização. Teve momentos em que todo mundo achou que dava, que as coisas iam para a frente. Agora, é o contrário: parece que toda a Redemocratização foi um fiasco. Mas a nossa idéia era falar da tua personalidade, que está entrando na política agora, justamente representando boa parte dessas pessoas, porque teus eleitores são jovens.
Manuela: Uma parte grande deles.
Gallas: Não todos?
Manuela: Uma parte bem siginificativa de gente mais velha, de professor universitário. Acho que é uma visão... Aqui, eu sou a única que trabalho nisso, a gente trabalha mais na questão da juventude, né? Agora, se for pegar dentro das universidades, na UFRGS, por exemplo, tem uma parte muito grande de professores que votaram em mim. Apoiaram a campanha, tipo o (Paulo) Vizentini, que é uma referência de pensamento de esquerda, com um voto significativo. E tem uma parte muito, e é engraçado, porque é a antítese do que as pessoas acham, de pessoas bem mais velhas, acima de 60 anos. É impressionante. Se passar uma manhã comigo no Brique, tu vai ficar impressionado. Muita gente de 50, 60 anos para cima vem falar comigo, se identificando como eleitores e tal. Óbvio que é fundamentalmente a juventude, mas não é só.
Gallas: Outro motivo para a gente vir falar contigo, não é só questão de seres jovem, mas também de esquerda...
Manuela: Tu vai dar pau na esquerda no blog?
Träsel: Pau a gente gosta de dar em todo mundo, mas como a esquerda tá no governo a gente...
Manuela: Tá, mas eu só vou falar um negócio para vocês. Por isso, é até bom que esteja gravado, pra vocês lembrarem disso. Porque se tem uma coisa que eu não suporto são mentiras. Pode colocar qualquer coisa que eu disse, agora tirar do contexto coisas que eu disse que nem tem uns colegas de vocês — nossos — fazem não é legal.
Träsel: É por isso que a gente se afastou da profissão também.
Manuela: É, porque tirar de contexto é diferente de colocar. Eu conheço o blog de vocês. Se vocês quiserem debochar da minha cara, debochar...
Träsel: Na verdade, a idéia é fazer mais um pingue-pongue.
Manuela: Não, só para combinar isso. Porque eu fico... Por exemplo, o Diego Casagrande tem a capacidade de inventar o que tu não dissestes. Então, ele já se complicou um pouco comigo por causa disso. A gente consefuiu se resolver numa boa, só nós dois. Porque eu, meu bem...
Träsel: Outra razão para a gente fazer essa entrevista é que chega todo ano eleitoral e a gente fica meio insatisfeito com a cobertura dos jornais. Como tem aquela história de dar o mesmo espaço para todo mundo, acabam não fazendo nada mais aprofundado.
Manuela: E sempre criam um mecanismo de não dar, né?
Träsel: É, tem isso. Então a nossa idéia era...
Manuela: Não, eu dei na boa [a entrevista ], meu. Mas sinceramente, quando eu li o bilhete, "ou eu vou dizer que não vou dar, mandar tomar no cu, não é isso? Não tenho que dar...".
Träsel: De onde vem o teu interesse em política? Especialmente política de esquerda, do Partido Comunista. É de família?
Manuela: Não é de família. Eu não sou neta de ninguém, que inventam que eu sou. Essa é outra mentira que falam. Tem jornalista que sabe que eu não sou, que já liguei pessoalmente para ele e ele continua dizendo que eu sou neta da Jussara Cony. Quando eu não sou neta, sou filha. Quando não sou filha, sou sobrinha. Quando eu não sou nada, inventam outro, tipo o Nereu D'Avila (PDT-RS). Não sou parente de ninguém próximo à política. É foda, entendeu? Aí é isso, eu teria orgulho de ser neta de qualquer pessoa que fosse. Tudo o que é jovem não é acostumado a ver a realidade como ela é. Tu tem uma fase da tua infância onde tu não é formado para ser crítico, né? Aí chega uma que tu começa a te dar conta das coisas, passa a observar mais ao teu redor. Eu até tenho uma tese que é a seguinte: as pessoas que são lógicas, que pensam, elas não podem viver em um mundo sem se questionar sobre ele. Não adianta, não é normal ter crianças passando fome, tem coisas não são normais. Eu tinha tudo. Eu comia, eu tinha casa, tinha família, tinha escola, e aí tu vai olhando para os lados e as pessoas não têm. Eu morei no interior por 12 anos. No interior, tem um convívio muito maior entre quem tem as coisas e quem não tem acesso às coisas.
Gallas: Tu morou em qual cidade?
Manuela: Eu morei em várias cidades. Morei em Pedro Osório, em Rio Grande, em São Lourenço.
Gallas: Filha de militar...
Manuela: Isso é machismo! Eu sou filha de mulher juiza [risos]. Então, o que acontece: no interior, tu convive mais. Aqui, não. Aqui o cara estuda em colégio particular e só convive com gente que nem ele. Lógico que essa questão aumentou na última década, mas já existia. Uma criança não anda sozinha pela rua, não vai no mercado. No interior, vai. Então, o que acontece, é que na cidade menor tu convive com essas pessoas. Tão dentro da tua sala de aula, pode até ser dentro da escola particular, como eu estudei. Só que não é o particular Dohms que eu estudei em Porto Alegre, que é uma escola supercara. É uma particular "escola de irmã", então metade da turma tem bolsa. Aí, tu tem tudo e o teu colega não tem nada. Então, acho que na adolescência tu te pergunta sobre isso. É normal. O que acontece na vida das pessoas: ou elas se acomodam — acomodam esse sentimento dentro delas. Sinceramente, acho que qualquer pessoa lógica, que pense, tem que se perguntar: ou tu acomoda ou tu instiga ele. O que aconteceu comigo, foi que a história de vida da minha mãe foi construída com muito sofrimento, mesmo. Com uma caminhada dura, que fizeram com que eu continuasse me questionando. Então, se com uns quinze anos eu já me identificava na época com o PT, que era o maior partido... Que é o partido com quem o povo se identifica, como sendo partido de esquerda. Comecei a tentar participar mais das coisas, teve a eleição de 1998. Participavba de comícios, bandeiraços, coisas assim, né, que já são uma forma de participação. Aí em 1999 eu entrei na UFRGS e na PUCRS ao mesmo tempo. E aí tu toma uma porrada na cara mesmo, que a universidade talvez seja o ambiente que mais te proporciona. E aí eu entrei no auge da Comunicação da PUCRS. Na UFRGS, era o auge da crise, não tinha nada, tinha uma máquina fotográfica pra fazer Comunicação. Vocês dois vieram da Fabico, sabem disso. Eu tinha aula numa sala que até o ano passado tinha a mesma goteira em cima. A URFGS acabada e a PUC com uma megaestrutura. Hoje já diminuiu o abismo entre a Fabico e a Famecos. Era assim, desproporcional, a gente tinha estúdio de cinema com tudo, e a federal nada. Então aí tu te dá conta. Tu vai te perguntando mais por que aquilo acontece. Aí tu vai ver teus colegas de aula. Metade da minha turma não se formou. Por quê? Porque não tinha grana para pagar. A universidade, eu acho que é o ambiente que mais te permite conviver com isso, de tu te questionar. Porque tu te dá conta de que quem tá ali vai ser a elite, não a financeira, mas a elite pensante do país. É isso. Ainda hoje, quem constrói o Brasil é quem sai da universidade.
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