Manuela d'Ávila e a Câmara de vereadores
Publicamos hoje a terceira parte da entrevista com Manuela d'Ávila. Hoje a vereadora fala sobre sua experiência como novata na Câmara de vereadores de Porto Alegre, das limitações institucionais, da importância deste espaço que, em sua visão, é um espaço sobretudo de participação política. E avisa aos analfabetos políticos: "é melhor ser do PFL do que ser um taipa".
Manuela: bom, mas aí, o que acontece: a Câmara é um espaço importante em várias questões. A primeira delas é o óbvio, né? É o espaço institucional da cidade, é o lugar onde se decide, é o lugar onde teoricamente se decide as leis — e algumas vezes na prática. Onde se fiscaliza as leis, se fiscaliza a ação da prefeitura municipal, se propõe ações para a prefeitura municipal. Esse é o óbvio. Agora para além disso, acho que tem impactos importantes que a eleição trouxe, que é a de reconhecimento. Primeiro, existe um preconceito que, infelizmente, o blog de vocês várias vezes reproduz, que é o preconceito com a juventude. A juventude é burra, a juventude é limitada, essa geração não tem disposição de mudar as coisas. Vocês devem sofrer isso várias vezes quando vão fazer entrevista e olham para vocês e são dois guris, não são dois velhos, como é o padrão do jornalista sério que eles acham que existe. Inventaram, né, historicamente, um padrão de político sério, que na verdade a própria história desmente cotidianamente, mas que eles não desconstroem.
Gallas: mas tu acha que Porto Alegre tem pouco espaço para o jovem em relação a outros lugares?
Manuela: muito pouco. Não existe espaço pro jovem em geral, no Brasil. O Brasil é um país que se deu conta que tem juventude há uns cinco anos, quatro anos. Que se deu conta porque o número de jovens no país tomou uma dimensão gigantesca. São 33 milhões de jovens até 24 anos, é uma Argentina inteira de jovens.
Gallas: o que tu acha da participação do jovem na polítca? Qual seria o teu ideal da participação do jovem na política?
Manuela: deixa eu só terminar com a Câmara, que eu chego aí. Então, o que acontece? É muito importante, gente. Vocês não têm idéia da dimensão que a minha eleição... A eleição de outros menos jovens — mas que acabaram não se consolidando como lideranças porque não trabalham a questão de juventude. Porque tinham um espaço aberto. Vacilaram, né? Acham que se alguém tem idade, é isso. Mas não é. É trabalhar. Eu quero reafirmar isso. É engolir os preconceitos. Tem preconceito com tudo. Tem preconceito com o jeito que a gente fala. Preconceito com a maneira como a gente encara as coisas. Ser informal não significa não ser sério. Existe toda uma visão da política que afasta a juventude. "A institucionalidade, ela é formal por ser formal". Não é. Nós temos regras aqui. As regras são cumpridas. Talvez o meu gabinete seja o que mais cumpra as regras. Agora, o fazer política não tem que ser formal como a meia dúzia de elites que faz política história nesse país acha que tem que ser. Fazer política não significa que as pessoas tem que me chamar de Vossa Excelência em todos os lugares. "Senhora". Eu tenho 24 anos, gente. Eu tive que comprar uma briga aqui para tirar "senhora" das notas taquigráficas. Tenho 24 anos, isso aqui não sou eu. Sou eu que estou falando. É. Por que? Porque é uma visão burocratizada da política. E para o que que serve? Para afastar a poúlação dela. Entende? O político tem que andar de terno e gravata o dia inteiro? Eu tenho de andar de tailleur, o que é isso? É uma histeria. Mas é uma histeria que tem sentido político. Afastar, e não identificar: o político é diferente da população. Não. Principalmente vereador. Chega a ser mais histérico. O vereador é a coisa mais próxima do povo, do ponto de vista de representação. É gente normal. O meu cartão, todas as pessoas que conversam comigo têm meu celular. E qual é o problema de ter o meu celular? Eu fui eleita para isso mesmo. Para me encherem o saco. Vão me ligar para pedir caixão. Vou falar: "vá tomar banho". Não sou sou funerária. Não dou nada. Não sou como outros políticos que dão as coisas.
Gallas: já te pediram um caixão?
Manuela: não, tô brincando! [risos]. É que eu sei que pedem mesmo. Então, o que eu estou dizendo, é descontruir isso. Eu acho que a nossa eleição reforçou isso: a política pode ser feita por gente normal. Gente que fala bem, fala mal. Que fala normal. Que vai nos lugares normais, sabe? Eu fico chocada porque a gente acaba não tendo a dimensão por vários motivos. Fiz um debate em Cachoeirinha no outro dia. Daí a professora pediu para fazer uma redação depois, porque era sobre a UNE, fui esclarecer para o pessoal como funciona o programa e tal. Aí o cara me diz assim: "a Manuela disse que eu sou gente igual a ela". Porque o político normal trata as pessoas de jeito diferente. Esse é um dos motivos que afasta a juventude da política, porque a juventude não tem disposição — e com muita razão — de não se enquadrar. Talvez seja a fase da vida que a gente menos quer se enquadrar, né? A gente se enquadra em algumas questões por necessidade, então é óbvio que eu não vou vir para a Câmara de chinelo de dedo. Não tô na praia, tô na Câmara! Eu não posso vir de decote até aqui [aponta para o meio do peito], eu não tô na noite. Então tu te enquadra em algumas coisas. Tu vai trabalhar, não vai vir fazer uma entrevista comigo de camisa aberta até aqui. Mesmo que tu andasse assim, né? Então é óbvio. Essa é uma parte da vida social. Tu tem que, não é aquela coisa ridícula "ah bom, eu tenho que vir assim". Estou falando da vida real. A juventude não tem essa disposição. Ela tem muita disposição — e a nossa geração de jovens tem mais disposição de fazer muitas coisas do que teve a geração que lutou contra a Ditadura Militar. É uma geração que convive com o desemprego de uma maneira drástica. Vocês estavam na universidade e sabiam que a chance de não conseguir emprego era maior do que de conseguir. A geração dos nossos pais, quando estava na univerdade, tinha uma convicção de que ia sair da universidade e ia ter emprego. Era estatístico. É uma geração que convive com violência, com muita coisa. As relações pessoais são completamente diferentes do que eram. Então, tem muita disposição de viver, de fazer as coisas. Mas a política não é um ambiente com a cara da juventude. É isso, entendeu? Por que os jovens se organizam em várias ONGs que são dirigidas por jovens, por que participam de vários espaços do movimento estudantil e depois não seguem militando nos partidos?
Gallas: mas como a Câmara dos vereadores pode ajudar aí? Por que a Câmara dos vereadores?
Manuela: tu fez outra pergunta depois, te lembra?
Gallas: não a que eu queria fazer.
Manuela: fez. Por que os jovens não participam da política? Rebobina aí que tu vai ver.
Gallas: tá, tudo bem.
Manuela: rebobina é boa, hein? Mas como a Câmara pode ajudar? Primeiro: pode ajudar de um ponto de vista objetivo. A gente fez e faz questão de ser uma ponte entre as demandas da juventude e o poder legislativo e executivo. Então, desde os projetos que a gente apresenta, até o nosso olhar - eu digo nós porque tem gente que diz "ah, chegou a vereadora do nós porque não fala em primeira pessoa -, porque não é a minha visão. Minha visão é uma visão construída, que a gente constrói em escola, constrói em bairro, constrói em reunião, constrói com a galera. Não, eu porque eu sou de um partido, dentro da visão que a gente tem de mundo, né? Não vamos propor aqui que "ah, temos que fechar a universidade pública". Não. É de concepções que a gente têm. Então o que acontece. Primeiro: do ponto de vista real. Para o que serve? Para encaminhar os projetos, para emendar projetos, para trazer os temas. Gente, semana passada, teve um vereador aqui que deu um pau em política anti-droga, de redução de danos, entendeu? "Ah, pois é, dinheiro público para reduzir os danos. Os caras são uns viciados". Pois é, dez anos atrás, teve parlamentar na Assembléia que foi contra verba pública para a criação de clínicas de tratamento de saúde de dependentes em drogas. Por quê? É uma visão reacionária, de 100 anos atrás. As pessoas tão morrendo, entendeu? Os pais ricos botam em clínica. Os pais pobres acorrentam os filhos em casa. É isso: "ah, o vício é porque quer, tudo bem, a hora que usou ninguém obrigou. É porque quis". Depois, gente, é outra história: é doença. Então, em tudo existe um enfoque diferente, que é político, mas é geracional também. Então, pra isso, apresentar um projeto para fazer os debates que a juventude faz. A juventude com as características mais próximas à minha. Nós temos jovens reacionários, né? Tudo bem, podem eleger o vereador deles, a democracia permite. Fui eleita por uma parte das opiniões. Agora, para além disso. Eu acho que a gente consegue criar muito espaço de participação política. No nosso mandato, nesses últimos 40 dias, fizemos 100 debates. Debates que talvez muitos parlamentares não quisessem fazer, porque eram 100 debates para eles participarem politicamente. Eles participarem politicamente, não era debate do meu partido, eu nem toco em nome de partido nesses debates. Por que tu quer o quê? Vocês querem ser do PFL, gente? Melhor ser do PFL do que uns taipas. É verdade, entendeu? Por quê? Porque o mundo exige que a gente faça política. A minha avaliação sobre o mundo é essa. A visão lógica de mundo exige que a gente faça alguma coisa. Na minha opinião, o que a gente tem que fazer é disputar politicamente o mundo que a gente vive. Que mundo a gente quer? Para mim, as coisas se resolvem por poder político. Não se resolvem por varinha de condão. É a minha opinião. Então, é o quê? É participar. Participar e fazer política não siginifica ser vereador. Mas siginifica se organizar, se organizar em grêmio, ter opinião contra ou a favor, mas ter opinião. Porque enquanto eles não fazem isso, alguém tá fazendo. Se vocês não votarem para presidente da República eu vou votar. Eu vou escolher um presidente e ele vai ser o presidente de vocês. Vocês não estão escolhendo namorado, que é para vocês e ninguém mais.
Gallas: agora, do ponto de vista das instituições, já que tu está trabalhando há um ano e quatro meses em uma instituição que é a Câmara dos vereadores, a tua visão hoje é de que essa instituição funciona?
Manuela: é igual à que eu tinha antes. A Câmara é um espaço limitado de ação. A participação da população, dos movimentos sociais, é o que acumula força para a Câmara agir de uma maneira ou de outra. Sempre brigo, voto no plenário, meu modo é igual porque sou comprometida. Agora, o voto no plenário, com ou sem povo, muda. Então, um movimento inclusive para isso aqui andar, seja o movimento que qual for, seja dos carroceiros ou dos anti-carroceiros, ele é imprescindível porque ele forma opinião, ele faz as pessoas se envolverem. Isso aqui é a casa do povo, não a casa dos 36. A minha ótica é essa. Em contrapartida, tem um ambiente limitado por várias questões. Tu pode ver tanto do sistema burocrático, institucional. Tu conseguir entender que o poder legislativo como um todo é engessado em diversos âmbitos porque tu pode pautar pouco as ações. Tu tem que repensar o papel do legislativo municipal, quais são as atribuições dele. Nada do que envolve recurso o vereador pode fazer bom, mas para ir ao banheiro o papel higiênico custa dinheiro, entendeu? Então, é engessado na perspectiva institucional. Embora eu ache que a gente tem uma relação muito boa, muito tranqüila, muito respeitosa com quem trabalha na Câmara, mas existe o poder público como um todo. Tu tem toda uma burocracia. Para tu conseguir fazer um pedido de informação para a prefeitura de por que não tem uma faixa de segurança na frente de uma escola tu tem que assinar três vias.
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