Internet e cobertura política

Troquei uns emails com o Loïc Le Meur, dono de um dos blogs mais acessados na França e especialista em tecnologia digital e cobertura política pela Internet, pedindo para traduzir um dos seus posts.

Está havendo uma revolução na cobertura da política pela Internet aqui na França. Todos os principais candidatos possuem blogs, alguns deles há cerca de 2 anos. Ao redor deles, milhares de simpatizantes criam seus blogs para dar apoio, muitas vezes utilizando serviços oferecidos pelos próprios partidos. Praticamente todos os discursos que os candidatos fazem são filmados e vão para os blogs quase que em tempo real. O Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, é freqüentemente alvo de montagens criticando sua política de segurança. O lance mais polêmico atualmente é um vídeo no qual a candidata do Partido Socialista, Ségolène Royal, em uma reunião do partido, diz que os professores públicos franceses deveriam permanecer 35 horas por semana nas escolas. O clima está esquentando com o primeiro turno daqui a 5 meses (22 de abril). E a Internet é a grande responsável.

Veja a tradução do post do Loïc Le Meur na íntegra no “Continue lendo”, seguido de comentários meus.

O fim do “off” e as 10 mudanças para os políticos com o vídeo blogging

Como disse ontem na AFP, acho que o fenômeno anunciado pelo famoso vídeo de Ségolène Royal (360 000 visitas na última checagem) é o de mais transparência na vida política, e isso é uma notícia excelente.

O que mudou?

"1. Qualquer um pode gravar vídeos a qualquer momento
Com um telefone ou uma câmera digital que cabem no bolso de qualquer francês, qualquer um pode publicar em alguns instantes na Internet um vídeo de um político. Estou surpreso que Royal “denuncie esse método” já que ela propõe que os conselhos de ministros sejam filmados (salvo engano meu). Ela estava em público quando esse vídeo foi gravado e não consigo imaginar como alguém de sua equipe ou ela mesma poderia não ter visto uma pessoa sentada na sua frente com um telefone ou uma máquina digital fixados nela todo esse tempo. Ela estava em público, ponto. Além disso, vemos claramente no vídeo uma outra câmera, portanto dizer “eu não vou difundir [essa proposta das 35 horas] para todo mundo” na frente de duas câmeras é de uma rara ingenuidade.

2. Tudo o que os políticos dizem é arquivado
A Internet é algo muito mais permanente do que o resto das grandes mídias, tudo que eles falam está disponível a qualquer momento e indexado pelos motores de busca.

3. Tudo que os políticos dizem pode ser amplamente difundido de modo “viral”
Os vídeos amadores podem, assim, alcançar audiências de centenas de milhares e até mesmo de milhões de franceses quando o darwinismo da web ocorre. Para isso, basta que o “boca-a-boca” dos blogs e das mídias amadoras se interesse por um conteúdo que está facilmente disponível.

4. Impossível de negar
O que é escrito pode deformar as propostas dos políticos, não o vídeo. Eles não podem dizer “eu jamais disse isso”.

5. Muito mais impacto do que os sites dos partidos políticos
Os sites dos partidos são em geral institucionais e pouco interessantes. Os vídeos que são difundidos nesses sites são discursos oficiais, muito longos, muito pesados.

6. A morte do camaleão político
Nossos políticos atuais são camaleões. Eles se adaptam aos seus auditórios. Se estão com empresários, tornam-se seus melhores amigos e lhes prometem fazer de tudo para servir aos seus interesses. Se estão com uma classe social em dificuldade, eles denunciam os malefícios do capitalismo e os malditos que se enriquecem. Compare, então, um político que faz um discurso para seus militantes e o mesmo político fora de contexto.

7. Contraste entre vida pública e política: impossível achar que os franceses são imbecis
Vários políticos eleitos nas províncias falam tudo que eles fazem por sua região ou por sua cidade, muitas vezes em situação desfavorável, mas vivem confortavelmente instalados em um rico bairro parisiense. Eles não vivem entre aqueles que os elegeram. Eles denunciam as injustiças sociais mas possuem apartamentos em pleno bairro XVI ou em Boulogne-Billancourt, em um bairro no qual seus bens ultrapassam com freqüência vários milhões de euros de valorização, sem falar das residências secundárias em países ensolarados ou de estadias em hotéis cinco estrelas. Em todo lugar haverá videoamadores capazes de fazer um pequeno vídeo que os ridicularizará se o nível de suas vidas pessoais não tem relação com suas idéias.

8. O dinheiro público e a ação em campo sob vigilância

Você se lembra da transmissão que denunciava os eleitos que se regozijavam ou investiam não importa como o dinheiro público? Pois bem, com milhões de franceses capazes de difundir tudo que querem, acho que vamos fazer algumas economias...

9. O fim das falsas promessas
Todas as promessas dos políticos serão de agora em diante arquivadas. Se nunca as cumprirem, eles vão se ridicularizar, e vão prestar muito mais atenção ao que dizem. Me pergunto por que ninguém até agora fez um site que arquive todas as promessas dos políticos.

10. Em direção a uma política 2.0?
Com mais transparência contínua, talvez veremos progressivamente aparecer uma nova geração de políticos que não só fazem falsas promessas, mas que as cumprem, e que sejam “constantes” não importa qual seja o seu auditório. Eu acredito nisso.

Os contra-ataques possíveis. Dois jornalistas acabam de me perguntar que “contra-ataques” os candidatos podem empregar. Um deles é evidente: fazer a mesma coisa e inundar a Internet de vídeos do mesmo tipo. Atenção toda vez que um candidato possa provar que um outro é o responsável pela difusão do vídeo... Me parece muito mais sábio se adaptar a essa mídia, se deixar, ao contrário, filmar tanto por videoamadores como pela imprensa e ter as mesmas posições não importa qual o auditório. Mas isso vai ser difícil na medida em que eles estão justamente acostumados a serem camaleões."

Loïc Le Meur

**

Se a cobertura política pela Internet no Brasil melhorou bastante nos últimos anos e especialmente na eleição, ainda estamos vergonhosamente longe do nível americano ou francês (os que eu conheço mais ou menos). Acho que são 3 os motivos principais:

1) O mais óbvio e que todo mundo conhece: 54% dos brasileiros nunca usaram computador e 67%, Internet.

2) A revolução que está ocorrendo na cobertura política aqui na França diz respeito principalmente à utilização de podcasts e de vídeos, coisa que ainda está longe de se difundir no Brasil devido à pouca velocidade das conexões. Aqui, por 30 euros por mês se assina uma conexão de 20 mega + telefone ilimitado para fixo + tv digital (o valor absoluto do euro e do real é praticamente o mesmo). A minha conexão é de 100 mega; embora compartilhada, obviamente é muito rápida e permite carregar qualquer discurso político de 20 mil horas sem ter que esperar o buffer se arrastar.

3) A demência suprema do TSE, que podou de forma absurda e bananesca a expressão dos candidatos nesta última eleição brasileira. Ninguém tinha site mesmo dias depois do início oficial da propaganda política. É a mentalidade brasileira de haver discussão política só quando tem eleição.

Não há a menor dúvida de que haverá vários comunas ou seguidores de alguma “filosofia do desespero” reclamando da sociedade da vigilância e da midiatização da política. Mais uma vez, não conseguiram entender nada que se passa no mundo.

Quando o capitalismo chegar no Brasil, talvez a situação melhore um pouco.

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