Demência educacional

É simplesmente assustadora a proposta de criação de Bacharelados Interdisciplinares (BIs) que está sendo discutida no 1.º Seminário Nacional da Universidade Nova - Reestruturação da Arquitetura Acadêmica da Educação Superior no Brasil, na UFBA. Entre os apoiadores do evento estão as Universidades Federais do Rio de Janeiro (UFRJ), da Bahia (UFBA), do Ceará (UFC) e de Brasília (UnB).

Os BIs funcionariam da seguinte forma: selecionada pela chinelagem do Enem, a MASSA estudantil entraria nas universidades para fazer um “bacharelado” de TRÊS ANOS em alguma área de escolha: saúde, artes, humanidades, ciências e tecnologia.

Após a conclusão do BI, o estudante receberia o diploma de bacharel na área de conhecimento escolhida e poderia optar por fazer complementação profissionalizante (estima-se que dure de um a dois anos), bacharelado ou licenciatura em uma disciplina específica, como Física, Matemática ou História (mais um ou dois anos) ou uma pós-graduação na área de interesse.

Não é uma maravilha? É quase como se o Brasil fosse um país nórdico... todo mundo sai do ensino médio pronto para entrar no ensino superior, todo mundo tem condições de ficar 3 anos adquirindo cultura geral não específica, e o mercado de trabalho absorve todos que se formam (portanto, 3 anos a mais não farão diferença alguma).

Os argumentos em defesa da proposta, citados pela matéria do Estadão, são de um comunismo acadêmico estarrecedor. Vamos a eles:

- Ampliação de conhecimentos e competências cognitivas do aluno

Como assim? Certamente foi uma pedagoga que colocou a expressão “competência cognitiva” ali. O que é isso? Estudar literatura grega, MAS, MESMO ASSIM, conseguir editar imagens no Photoshop? ou estudar engenharia elétrica e, MESMO ASSIM, conseguir ler – e entender – mais de um parágrafo do editorial da Folha de S. Paulo?

E o que é “ampliar conhecimentos”? Entrou em Ciências Sociais e tá com uma base ruim em História? Vai ler uns livros que passa. Leva 1 ano para resolver completamente o problema e não precisa de uma universidade dando três anos de curso para te ajudar a sair da ignorância. Ignorância, aliás, que veio do ensino médio e sobre a qual a universidade não possui NENHUMA responsabilidade.

- Adiamento do processo de escolha profissional por parte do estudante, o que diminuiria as chances de arrependimento

E se escolhi a área de saúde e, depois, quero trocar para a área de humanas? Vai haver menos arrependimento, por acaso? Talvez, já que a porcaria do curso não vale nada mesmo, então nédénédé trocar.

- A flexibilização curricular, que daria aos alunos a possibilidade de escolher os percursos de aprendizagem que ele gostaria de seguir

Lamento, mas um médico não pode ter flexibilização curricular. Tem que ficar os 5 ou 6 anos da universidade aprendendo exatamente como não matar pessoas. Na área de humanas, por exemplo, onde seria aceitável alguma flexibilização, é preciso ir com cuidado. Vários cursos atualmente já dão uma imensa liberdade aos alunos e o resultado é simplesmente a pessoa se formar sem ter lido coisas básicas de sua área porque fez 2 semestres de um belo curso de expressão corporal na Faculdade de Dança.

Como aponta a matéria do Estadão, obviamente há outros problemas:

1) Depois de adquirir o diploma de bacharel em generalidades, a pessoa vai conseguir algum emprego? Três anos de universidade para se tornar um desempregado?

2) Se a seleção vai se afunilar nos cursos de especialização, será preciso um outro “vestibular”. Volta a ser tudo a mesma coisa.

3) Simplesmente não há estrutura FÍSICA para agüentar tamanho afluxo de alunos nos tais BIs.

4) A favelização do ensino será uma certeza matemática: mais gente sem qualidade entrando na universidade provoca a piora do ensino.

5) Os três anos em um bacharelado interdisciplinar na área médica significarão que um futuro cirurgião necessitará de alguns anos a menos para se formar? 3 anos a menos na especialização equivalem aos 3 anos de generalidade? Ou são os 3 de generalidade mais os atuais 5 ou 6 de Medicina? 9 anos, então?

No fundo, a demência da proposta está baseada em três tipos de problemas sempre presentes nas discussões lunáticas sobre reforma do ensino universitário:

1) A universidade não vai conseguir consertar o estrago que o Estado fez na mente das pessoas ao longo dos 11 anos de ensino fundamental e médio – seja o estrago direto provocado pela escola pública, seja através da definição do currículo das particulares pelo MEC e/ou de acordo com os vestibulares das universidades públicas.

2) TODAS as universidades do universo que possuem alguma importância são elitistas. Antes que os comunas surtem, não se trata de elitismo econômico, mas intelectual. Por isso várias dessas universidades importantes possuírem sistemas de bolsas. Se a atual seleção pelos vestibulares já não garante muita qualidade, o que esperar quando se abrir a porteira indiscriminadamente? É o MST acadêmico.

3) Se por acaso alguém ainda não notou, vivemos em um sistema capitalista desde, no mínimo, as Grandes Navegações (século XV). A universidade é mais antiga do que isso e tem que tentar se equilibrar entre necessidade econômica e necessidade educacional. O grande problema da Europa atualmente é a falta de pessoas especializadas em áreas tecnológicas. Se você é formado em computação no Brasil, está sub ou desempregado, e ainda não tentou pedir emprego em Londres, você é um idiota. A explosão da Internet na França, por exemplo - que em questão de 5 anos se colocou a 100 anos na frente do Brasil -, exige cada vez mais pessoal técnico. Há quase um clamor público para que as pessoas parem de estudar Literatura, Direito ou Psicologia (o curso mais saturado aqui na França). São cursos com a sua importância, mas não é o que o mercado exige, ou seja, a pessoa necessariamente ficará desempregada. O Estado e a universidade precisam se adaptar a isso, não há outra saída. Dinheiro e oportunidades de educação e de sucesso estão por aí em todo o lugar, basta deixar de ser comuna.

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