A demência autista do PT - 3
Sábado 1º/09
A expectativa pelo discurso do presidente Lula – agendado para às 10h – foi marcada por um misto de receio e euforia por parte dos militantes, somado ao sol escorchante que repetia a dose de ontem. O céu aberto castigava as telhas do galpão e quem estivesse lá dentro. O auditório estava quase tomado no momento em que cheguei. Os arredores do Complexo, repletos de ônibus fretados, mostravam que aquele dia seria especial para muita gente.
A espera pela chegada de Lula foi marcada pela completa ausência de informações sobre como e por onde ele chegaria. O ministro da Justiça, Tarso Genro (RS), chegou um pouco mais cedo e evitou minúcias sobre isso. Quando ele se descolou dos repórteres, tratei de abordar meu antigo vizinho de rua, em Porto Alegre, e me apresentar como "aquele cara que te entrevistou para um blog quando tu estava cursando inglês no CCAA". Como todos os políticos, ele disse que se lembrava de mim.
Tentei marcar um ping-pong com ele logo depois de toda a função com Lula. Ele pediu para que eu falasse com seu assessor de imprensa. Não sei por que fiquei surpreso com o cano recebido algumas horas mais tarde.
Instalado no curral para garantir um lugar decente para ouvir, escutar – e, quiçá, cheirar as reações quando a atração principal subisse ao picadeiro. Para minha surpresa, boa parte dos expectadores na planície tiravam fotos da jaula da imprensa. Eles observavam, deslumbrados, toda a mobilização de fotógrafos, câmeras e jornalistas que não deram a mínima para o primeiro dia do evento. Ao meu lado, jornalistas conversam sobre a banda da qual um deles participa.
Depois do típico atraso da noiva, inicia o recheio da mesa. A quantidade de pessoas que sobe ao palco mais lembrava uma sessão de Daime: os mais altos na hierarquia se aboletaram na primeira fila. Os menos relevantes e/ ou novos na cena ficaram relegados às outras duas fileiras logo atrás, sem chance de participação para cantar um hinário.
Com um atraso de quase 40 minutos, as estrelas sobem ao palco. Marta Suplicy é a mais aplaudida pelas claques. José Dirceu transita pelo corredor central da terceira fileira, próximo à viga mestra do galpão. Ele perde todas as atenções quando a agitação das bandeirinhas distribuídas por jovens contratados por uma empresa terceirizada de organizações de eventos toma conta do pedaço.
A apoteose com a entrada de Lula lembra os antigos comícios do então candidato à presidência reuniam dezenas de milhares de eleitores. Mas o público abarrotado ali mal passa de 2 mil petistas. Com o hype comendo solto, nada mais natural que um bando de gente ficasse de pé para tirar fotos de seus celulares e máquinas digitais. Como em um cinema, quem está nos fundos clama para que tomassem seus lugares. Nada feito. Como em uma sessão cheia de adolescentes, começam a jogar bolas de papel nos folgados. Finalmente, algo que não precisou de uma assembléia para ser posto em prática.
Enquanto Ricardo Berzoini discorre sobre as realizações do partido em sua gestão e as discussões feitas até ali, Lula está claramente mais preocupado em receber um pedaço de pano com várias alusões à bandeira brasileira. Para não ser rude, o presidente enrola o tecido ao pescoço como se fosse um cachecol. A compenetração em ouvir as instruções do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PR), sobre o discurso que faria a seguir dimensionavam o quanto ele se importa com a situação da sigla. E Berzoini continuava a prestar contas a ele.
Ao subir no palanque especialmente montado a ele, chama a atenção que Lula lê com esmero até as saudações – que não são poucas. Ele proclama que a oposição não tem programa para nada, muito menos sociais. Mas foi aí que começou a esquizofrenia.
Ao alertar para que o partido fique esperto quanto aos ataques, "que podem vir de qualquer lugar", começa a defender quem lhe "traiu" em 2005: "Ninguém nesse país tem mais autoridade moral e ética do que o nosso partido". Errado. Por mais que a maioria dos outros políticos brasileiros seja mais suja que pau de galinheiro, eles não iludiram o povo por mais de 20 anos como guardiões da moral e ai de quem questionasse isso.
O próprio Lula admitiu – para acompanhar a teoria dos companheiros – que a prática do Caixa 2 era comum em todos os partidos naquela entrevista "exclusiva" que concedeu em Paris. E acrescentou: "Admitimos que tem partidos iguais a nós, mas não melhores". Depois não entendem o descrédito dos brasileiros em relação à classe política – um presente do PT quando assumiu o governo federal, embora salutar.
O presidente prega para os convertidos. Diz que a eleição de 2006 "renovou" seu mandato e desfia sobre os próximos projetos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC – estimados em R$ 504 bilhões). As emendas superfaturadas da família Calheiros reacendem minha memória. Chega a dar pena. Só não dá para saber de quem.
Sobre a candidatura do governo para 2010, Lula deixa o recado: "Será alguém identificado com o nosso projeto", para arrepio da maioria dos petistas. E ressaltou que o PT precisa se renovar para encabeçar a chapa. Mas logo voltou a defender os réus daquela crise que nunca aconteceu e vociferou: "Não tenham medo de dizer que são petistas". Se não aconteceu nada, por que teriam de se esconder?
O preconceito contra a sigla vira tema recorrente, e o tradicional Nós X Eles ganha novo mote: "Agora querem incitar o ódio entre a classe média e os pobres. Mas todos que estão aqui são de classe média". A acústica do lugar era horrível, mas Lula realmente disse estar nesse segmento da população. Se isso for verdade, nem quero imaginar onde minha renda me situaria.
A melhor frase do final do show foi "Nenhum petista deve ter vergonha de defender o partido", Poderia ter aproveitado para pedir que eles admitissem seus erros, quando confrontados e comprovados. Seria o maior avanço que poderia ocorrer para os debates internos. Um exercício interno de humildade entre os filiados, imagine a surpresa. Mas enfim, eu sou um believer.
A frase de encerramento é – odeio usar essa palavra, mas paciência – emblemática: "Nós somos um partido que nasceu para governar essa nação".
Coincidentemente, após a saída de Lula, o salão reservado para debates culturais apresentava o filme "A volta do Todo-Poderoso", com Steve Carrell. Estranhei que o filme, em cartaz à época, rodasse no DVD. Cheguei mais perto e constatei que o disco e sua embalagem eram cópias piratas.
Então, vi Eduardo Suplicy dando sopa no saguão e vislumbrei a chance de conseguir o que queria depois de apreendê-lo como o verdadeiro popstar do PT: um autógrafo do Papito no meu crachá de Imprensa. Depois das amenidades, notei que ele segurava um exemplar do Estadão exatamente na dobra onde estava publicada a desastrada declaração de Berzoini sobre o fim do poder revisor do Senado.
Perguntei sobre o assunto e ele entrou em modo defensivo instantaneamente. O senador disse que ia conversar com o deputado sobre o assunto. Pior: desejava conversar com os repórteres que ouviram o que o atual presidente do diretório nacional defendeu na noite de sexta-feira.
Para minha sorte, a atração do dia havia sido mesmo Lula. No caminho rumo à saída, pecho em Berzoini e lhe pergunto sobre a razão para mandar uma observadora do partido à tribuna da imprensa 15 minutos depois do que declarou sobre o Senado. Ele tergiversa e declara que aquela é uma posição pessoal – embora tenha dito aquilo sob a condição de presidente do PT.
O resto do dia seria destinado a reuniões para deliberar sobre assuntos de extrema relevância para a sociedade brasileira, como o plebiscito para a reestatização da Vale do Rio Doce e a moção de apoio à dignidade do Estado do Piauí. Foi mais interessante caminhar do Complexo dos Imigrantes até a estação de metrô Jabaquara sob um calor de 35 graus e exorcizar minhas anotações.
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