fúxi
Três e meia da manhã não pareceu uma hora inapropriada para buscar um mata-mosquitos. Não em Buenos Aires. De qualquer modo, a necessidade fazia-se maior do que qualquer lógica: eu estava sendo cruelmente devorada, com picada até por dentro dos olhos, e digo no sentido literal da coisa: me picaram na pálpebra, ficou inchada e meu olho esquerdo mal abria, troço lindo. Que coisa podia pará-los? Enquanto isso, na cama ao lado, Gabriel dormia tranqüilo. Eu nunca entendi mesmo porque diabos os insetos se encarnam em uns, enquanto outros saem ilesos. Que coisa de tão boa corre com meu sangue? Já tinha tentado me tapar toda, estilo necrotério, cabeça pra baixo do lençol, mas não dá, falta oxigênio e o calor pulsava. O ouvido então não descansava e lá vinha zumbindo um mosquito por perto. Eu me tremia toda e saía estapeando o escuro. Inimigos invisíveis, essas coisinhas nojentas que param na parede e tem uma pontinha pra cima que trabalham a te furar são umas das coisas que me metem medo na impotência. Quando não se dispõe dos tais dos químicos, digo, que seja o mais moderno aerosol ou o gel natureba de eucalipto, famoso por afastar, como mosquito, os cônjuges de bom gosto e olfato apurado. Pois bem, então lá estava eu em hotel de uma estrela na Av. De Mayo cara de boulevard sem qualquer tipo de defesa contra mosquitos. A janela seguia escancarada pra ver se corria um tal de vento, o que só aumentava sua concentração. Fechar a janela? Amigo, não tinha mais jeito, Os que estavam ali, ali permaneceriam.
Então saí e Gabriel em seu sono profundo nem chegou a ler um bilhete que avisava meu desaparecimento. Pra encurtar a história, que fica longa por conta do meu espanhol desajeitado, digo que deixei o hotel com um papelzinho escrito "fuqi", que o cara pronunciava "fúxi" e recomendações de ir logo ali, na primeira quadra da Calle Florida numa dessas milhões de lojas de conveniência nortenha. Nada de fúxi, mas eis que uma loira mui simpática está trocando de turno e sendo aguardada por dois carinhas. Deve ter uma farmácia na Av. De Mayo. Nós estamos indo por lá. Quer ir com a gente, pra não caminhar sozinha? Por supuesto.
Então me fui com essas pessoas cujos nomes nunca soube. Descobri que os dois caras eram de Barcelona, mas não tentei desenvolver nenhum diálogo profundo, com medo de chocá-los com as idéias fracas que eu desenvolveria, por conta de simplesmente não saber desenvolver boas idéias em espanhol. Três quadras, nós quatro, e lá diz a loira que ao que parece no hay farmácia, ela tem fúxi em casa, há umas vinte quadras, eu quero ir com eles? No, gracias, vou chamar um táxi. E assim agradeço. Táxi, farmácia 24 horas, acabo no Raid aerosol e em razoável noite de sono.
Gabriel houve a história toda no dia seguinte, sem interromper. Ao final:
- Certo que tu perdeu uma suruba.
Perdi?

(outros inúmeros relatos, direto da memória, seguirão)

postado por Carol Bensimon as 18:49 | pitacos (2) | trackBack (0)

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