Nos detalhes a gente vai pegando a vida da terapeuta. A minha, por exemplo, volta e meia solta uma historinha ilustrativa sobre arte contemporânea. Já foram várias as situações que levaram-na a isso, e faz perceber que a garota se amarra no negócio. É que o marido, psicólogo também, tem alguma ligação profissional com a coisa – parece que fez um mestrado no Instituto de Artes ou coisa parecida.
Ontem ela sacou lá da memória um relato que acreditou ser apropriado. Se foi ou não, não discuto. A questão é que veio então com esse papo de um cara que colocava telas com uma camada de cola às margens do Guaíba e assim a tela ia ficando marcada com a ação das águas, e de vez em quando se juntavam folhas, lixo e uns pigmentos que o próprio cara, enfiado dentro de um barco, jogada nas águas.
Não consegui criar uma imagem clara do que são essas obras, mas percebi, nesse momento, e talvez tarde damais, você dirá, que hoje a arte contemporânea está muito voltada para a coisa do processo em si. Nessa obra do Guaíba, por exemplo, parece que havia um vídeo passando o making of da coisa toda na exposição. E é sempre assim agora, e que se entenda como uma crítica que estou fazendo: parece que a obra sozinha não faz sentido algum e que portanto o que realmente importa é mostrar como ela concebida. Achou uma merda esse monte de borrões? Entenda (ou veja) que a artista viajou à Patagônia para colher esterco de uma rara espécie bovina e, coservando o esterco a uma temperatura constante de trinta e seis graus até sua chegada em Porto Alegre, espalhou-o com os próprios pés, calçando um tênis Nike, como forma de simbolizar uma revolta frente ao domínio das grandes corporações. O resultado? Merda na tela. Mas o processo é que se torna a obra. Me parece uma inversão por demais estranha.
postado por Carol Bensimon as 14:56 | pitacos (5) | trackBack (0)