tocando violino no trigo.
Eu estou ficando esclerosada e talvez comece a me repetir. Senti vontade de contar o que posso já ter contado. Mas vou lá.
Há muitos e muitos meses, no meio do reino glamouroso da publicidade, um nome foi roubado para servir a fins quase hippies. Eu roubei, se chama “momento vida” e, com um pouco mais de motivação, teria potencial para virar a razão da existência ou um livro de auto-ajuda.
Para chegar na explicação, temos que dar umas voltas. Começa assim: diretor de criação de agência lê um texto, atribuído a um cientista, sobre a percepção que nós temos do tempo. Segundo ele, ações que fazemos de forma repetida, como dirigir para o trabalho, por questão de “economia de memória”, só são armazenadas como UMA ÚNICA experiência. Isso explicaria o fato de que, quando estamos dentro da rotina, o tempo parece passar voando. Por outro lado, em situações novas, todos os sentidos estão ligadíssimos e registrando memórias, e portanto temos a impressão de que o tempo passa mais lento. O melhor exemplo disso é uma viagem. Três dias no lugar e temos a nítida sensação de que faz já muitas semanas.
Ciência vira então publicidade em tradicional comercial de fim de ano da RBS. Aquele que consagrou o jingle VIDA (vida é um grito de gol, é inverno ou verão e etc). Na versão 2005/2006, a argumentação que paira é: engane o tempo. Para deixar a vida maior, faça coisas diferentes (com palavras um pouco mais belas do que uso agora, hein). O áudio transgrediu o jingle original e mudou a letra para o novo propósito. As imagens mostram amigos correndo num campo, pessoas tomando chuva, e atingem seu ápice numa loira de vestido longo tocando violino no meio do trigo. Depressão instantânea cada vez que ele passa (idéia que acabei adotando pro conto de verão que saiu na ZH). Eu quero. E daí, nas conversas de reclamar-se da vida via msn, estava cunhado o nome: momento vida.
Não temos muito, claro. Mas o fato d’eu ter dado esse nome para uma sensação antiga acabou apurando minha percepção: em algumas situações bastante raras em que estou com PESSOAS e fazendo ALGUMA COISA, cria-se uma misteriosa – e temporária – ligação com esse grupo, subitamente todos estão felizes e motivados, há risadas e paz, quase um filme, ou melhor, quase a vida atingindo o irreal da publicidade, que por instantes se torna alcançável.
Como cartesiana incorrigível, já tentei mapear as condições nas quais isso tende a acontecer. Vejo como indispensável que exista a companhia de alguém, em geral de mais de uma pessoa, mas grupos grandes (mais de 4 ou 5) parece impossibilitar o momento vida. Me parece contudo que o fator de peso mesmo é a natureza da situação. Situações insólitas geram momentos vida. Não precisa ser tanto quanto tocar violino no meio do trigo e de longo vermelho, mas alguma coisa diferente do BAR DE SEMPRE ajuda. Sábado passado, por exemplo, ir para a Zona Sul a uma da manhã procurando uma festa junina cuja única referência era um endereço (rua desconhecida, obviamente) deu em momento vida. Atente aqui para o fato de que o objetivo nunca foi atingir o objetivo (chegar à festa, entrar, beber, rir), mas sim a busca.
Ah, sim. Estradas dão momentos vida. Tanto quanto podem ser entediantes. É, não deu pra criar uma fórmula. Bem, tem que viver.

postado por Carol Bensimon as 21:01 | pitacos (4) | trackBack (0)

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