Quando preciso de um xerox para dar uma aula de francês, caminho até uma tabacaria perto de casa. Se vou num ritmo flâneur, consigo ouvir umas cinco ou seis músicas entre a ida e volta, e às vezes me lembro de umas que não lembrava e lembro sobretudo que tenho elas e sorrio. Chego na tabaria e digo Oi, e digo depois os números da página, e a mulher repete os números com um excesso mecânico de felicidade, e tiro umas moedinhas, e digo obrigada, e ela eu que agradeço. Então na mesma galeria, uma dessas velhas galerias que ninguém repara quando está na sinaleira, há também um loja de peixes. E dessa vez há um careca entrando na loja de peixe, e eu com o livro na mão e as duas folhas xerocadas penso que estranho que ele é loiro e nunca vi um careca loiro, mas porque será que não há carecas loiros, simplesmente porque há menos loiros e portanto menos carecas loiros ou a coisa faz algum sentido? E passo tentando localizar o careca (para ter certeza que é loiro) dentro da loja quando vejo então, entre mim e o careca, um garoto com um esfregão limpando o piso da loja dos peixes. Ele me encara esperando alguma coisa. Parece que é longo esse tempo em que ele me encara, mas ao mesmo tempo parece que o tempo que eu levo para passar diante da loja é curto demais para poder cumprimentá-lo, então só passo. Ele jogava RPG comigo, talvez ainde jogue porque é alguém tipicamente da Zona Sul, mesmo que more na Anita Garibaldi, e tirou a virgindade de uma menina que vou transformar 30% em personagem literária. Fico pensando que isso pode deixá-la tanto puta quanto orgulhosa, mas ela vai demorar para saber, de qualquer forma. Na volta da tabacaria, vou lembrando que tenho Ace of Base. E logo mais percebo que tirei cópia das páginas erradas, que era um verbo e agora tenho xerox de outro um tanto mais avançado para alguém que está na terceira aula, o que me obriga a passar novamente pelos peixes.
postado por Carol Bensimon as 19:13 | pitacos (4) | trackBack (0)