Achei a trilha sonora do Godfather. Obra-prima total do Nino Rota, o cara que fez quase todas trilhas para o Fellini. Ouço a The Godfather Finale e fico pensando na minha família e nos meus tios que eu conheci e que já morreram. E de quando era pequeno e minha família inteira, gigantesca, se reunia numa chácara pra passar os domingos. Muitos tios e primos. Muita comida, todo mundo levava uma coisa. Minha avó querida andava sozinha e bem na época. Ela e meu tio que morreu de câncer no estômago iam tomar sauna e levavam uma garrafa de uísque e um copo com gelo junto. Eu e meus primos nadávamos a tarde inteira. Tinha um barril de gelo cheio de guaraná antártica a vontade. Qualquer sede a gente pegava um. Bebiamos o dia inteiro, até estufar. Os domingos nessa chacará é minha única grande saudade da infância. Era algo extremamente feliz, não consigo lembrar de ninguém que não estava muito feliz e se divertindo. Até meu pai e o irmão dele, que são inimigos desde a infância, ficavam bem, pouco depois de brigarem. Hoje a chacará está abandonada. Meu tio faliu, perdeu tudo. Morreu pobre, quase. Foi bem triste, sendo que ele era muito rico. Era uma ótima pessoa, apesar de péssimo para os negócios. De uma família unida, de filhos moços já que tratavam ele com um carinho muito bonito. Sempre que ia na casa dele as fotos me chamavam atenção. Uma era ótima, dele e o neto dormindo junto no sofá, jogados em cima do outro. Hoje a viúva dele está em tratamento pra depressão, mesmo depois de completar mais de dois anos de sua morte. É muito triste porque sempre que lembro daquela época ótima, lembro de como as coisas estão hoje. Perderam bastante a graça. A força da família parece ter dimunuído, apesar do meu pai fazer os melhores esforços para ela ainda permanecer unida. De certa forma é, mas não como antes, tão descontraída e feliz, com ninguém muito velho e eu ainda criança. Minha vó ainda está bem. Apesar do corpo frágil, de não andar sozinha, a cabeça está perfeita. Quando converso com ela, só nós dois, consigo entrar em contato com a sensação que tinha de criança quando brincava na chácara. Numa tarde na casa dela, conversando disso uma vez e lembrando desse meu tio, quase cheguei a lacrimejar, tendo que ir ao banheiro disfarçar. E de todas as conversas desse tipo que tive com ela, desde a da morte do marido e da mãe dela, que ocorreram no mesmo dia, nunca vi minha vó lacrimejar. Eu só vi ela lacrimejar uma vez, no enterro desse tio, irmão dela, o tio Zinho. Que se chamava Esneider. No enterro eu fiquei do lado dela, sentado do lado dela, de mãos dadas com ela. É o que jeito que ela gosta de ficar comigo, quando não tem muita gente por perto. Ela fica mais feliz assim, já percebi. Mas nesse dia, de mão dada com ela, parecia que eu não estava alí. Ela não olhava muito pros lados e pras pessoas. Olhava pro nada às vezes e vi que tinham lágrimas nos olhos delas. Antes disso, pensei que ela não tinha mais nenhuma guardada dentro dela. Que com a velhice, as lágrimas tinham todas se acabado também.